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Tragédia de Mariana (MG): controvérsias do caso à luz do Direito Ambiental

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3. REMÉDIOS PROCESSUAIS E A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Como bem explicam Mota, Barbosa e Mota (2011) “a ação civil pública é o típico e mais importante meio processual de defesa ambiental”. Não é o único, no entanto. Trata-se de remédio processual emanado do próprio texto constitucional.

Por força do que preconiza o art. 129, III, CF/88, é uma das funções institucionais do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Infere o professor Paulo Affonso Leme Machado (2013, p. 159) que “se não houvesse direito ao processo judicial ambiental, o art. 225 da CF ficaria morto, ou restaria como uma ideia digna, mas sem concretude”. Cogente lembrar que a ação civil pública foi instituída pela Lei nº. 7.347/85, diploma normativo recepcionado pela carta política brasileira.  

Como assevera o autor, “o meio ambiente passou a ter no delineamento constitucional do Ministério Público um robusto suporte, confirmando a legislação infraconstitucional anterior” (MACHADO, 2013, p.162). Esse entendimento é reforçado por Rodrigues (2016), para quem “a ação civil pública constitui um dos remédios processuais mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro, no qual exerce papel que transcende qualquer função meramente jurídica”. Assim sendo, preleciona o doutrinador:

Depois da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), ganhou a força necessária para se tornar o remédio jurisdicional mais importante e eficaz na proteção do meio ambiente. A ausência de limitações quanto ao tipo de lide coletiva a ser tutelada, bem como quanto ao legitimado passivo, e, é claro, também as densas e fortes técnicas contidas na Lei n. 7.347/85 fazem desta lei mais do que “um” remédio, mas o remédio mais importante na proteção jurisdicional do meio ambiente (RODRIGUES, 2016)

Fácil compreender, portanto, sua aplicação pelo Ministério Público Federal na tragédia de Mariana (MG). Como informado à época por Pimentel (2016), “a ação civil (movida pelo MP), resultado de seis meses de investigação, teve 359 páginas e apresentou mais de 200 pedidos que buscam a reparação integral dos danos sociais, econômicos e ambientais causados pelo rompimento da barragem”.

Neste sentido, observe como se manifestou o Superior Tribunal de Justiça em agosto de 2016 ao ser questionado em ação que contestava conflito de competência no caso citado:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS AFORADAS NO JUÍZO ESTADUAL E NA JUSTIÇA FEDERAL DE GOVERNADOR VALADARES/MG. ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO EM MARIANA/MG. FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL. DANOS SOCIOAMBIENTAIS. RIO DOCE. BEM PÚBLICO PERTENCENTE À UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. FORO COMPETENTE. SITUAÇÃO DE MULTICONFLITUOSIDADE. IMPACTOS REGIONAIS E NACIONAL. CONEXÃO ENTRE AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS OBJETO DO CONFLITO E OUTRAS QUE TRAMITAM NA 12ª VARA FEDERAL DE BELO HORIZONTE/MG. PREVENÇÃO. APLICAÇÃO DA REGRA ESTABELECIDA NA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

(STJ. Conflito de Competência. Processo nº. 144922 MG 2015/0327858-8. Relator (a): Ministra Diva Malerbi (desembargadora convocada TRF 3ª Região). Data de Julgamento: 22 de junho de 2016. Data de Publicação: DJe 09 de agosto de 2016)

No mais, feita a análise da ação civil pública, resta explicar que outro notório remédio processual para defesa do meio ambiente encontra-se na ação popular. Esta, consoante ao disposto no art. 5°, LXXIII, da Lei Maior brasileira, objetiva anular “ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. Sobre a mesma também assevera acertadamente Rodrigues:

[...] a ação popular constitucional permite que qualquer cidadão tome a iniciativa de proteger jurisdicionalmente certos interesses difusos. Isso torna a ação popular um remédio extremamente democrático, que permite uma participação direta do cidadão na proteção do patrimônio ambiental. Entretanto, o que torna este remédio tímido e acanhado do ponto de vista jurídico, é o fato de que ele se limita a anular atos lesivos emanados do Poder Público. Há, portanto, forte restrição em relação ao pedido (apenas de anulação) e ao polo passivo da demanda (apenas o Poder Público) (RODRIGUES, 2016)

Finalmente, em sede de conclusão do capítulo, cabe resumir com base no exposto que compete ao Ministério Público (MP) a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Sua legitimidade emana do preceito constitucional estabelecido no art. 129, III.

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Neste sentido, alude Rodrigues (2016), o dispositivo supracitado “conferiu ao MP o dever de zelar pela proteção do meio ambiente”. O autor adverte que, como demonstrado, a norma constitucional fixou como remédio adequado a ação civil pública, cujo procedimento e normatização encontram-se insertos na citada Lei nº. 7.347/85.


4. CRIMES AMBIENTAIS

Repousa sobre a Lei nº. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), a tarefa de dispor sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Sob esta ótica, pode-se argumentar que a norma compõe o que deve ser descrito como arcabouço jurídico essencial à proteção do meio ambiente, considerada em conjunto com outras, como a Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) e a Lei nº. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública).

Esta, por sinal, como aduz Fiorillo (2013), “veio punir penalmente os infratores responsáveis, entre outros delitos, pelo crime de poluição, bem como pelos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural”.

Cabe também cogente apontamento ao fato de que, como rememora Rodrigues (2016), antes da vigência do diploma em estudo, explícita a necessidade de legislação destinada a cuidar, de forma mais detalhada, da tutela penal e administrativa do meio ambiente, para assim completar o sistema básico do direito ambiental brasileiro.

Neste sentido, destaca-se posicionamento jurisprudencial que reforça o papel imprescindível da Lei de Crimes Ambientais em episódios como a tragédia de Mariana.

EMENTA Habeas corpus. Processual penal. Crime contra o meio ambiente. Impedir ou dificultar a regeneração natural da vegetação (art. 48 da Lei nº 9.605/98). Pedido de trancamento da ação penal. Alegações de inépcia da denúncia, atipicidade do fato e falta de justa causa. Não ocorrência. Ordem denegada. 1. É firme a jurisprudência consagrada por esta Corte no sentido de que a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ação penal em curso só é possível em situações excepcionais, quando estiverem comprovadas, de plano, a atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria, o que não se vislumbra neste writ. Precedentes. 2. A denúncia, embora não expondo data precisa em que se teria consumado a infração ambiental, que é de cunho permanente, foi capaz de situá-la em período certo e determinado, com a possibilidade de estabelecer-se, para fins de aferição de alegada causa extintiva da punibilidade do agente, como último março consumativo, data em que pericialmente atestada a permanência da infração. Prescrição não verificada. 3. Preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, a análise das demais questões postas na impetração, para seu correto equacionamento, demanda regular dilação probatória, escapando, portanto, da possibilidade de análise mais aprofundada dos fatos, máxime quando se considera o viés estreito do writ constitucional. Constrangimento ilegal inexistente. 4. Ordem denegada.

(STF - HC: 107412 SP, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 08/05/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-100 DIVULG 22-05-2012 PUBLIC 23-05-2012)

Deste modo, importante observar que a decisão proferida pelo Supremo descortina, ainda que de forma implícita, inequívoca validação ao mencionado no tocante ao valor do diploma normativo dos crimes ambientais e sua patente aplicabilidade no caso da Samarco.  


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para além de eventuais controvérsias, torna-se imprescindível, a propósito do objeto central deste ensaio, retomar a discussão trazida à pauta no início, agora em oportuno comentário final. Primeiro, resta evidente tratar-se de matéria relativamente nova a constitucionalização do meio ambiente em solo pátrio.

Na verdade, inegável o mérito do constituinte originário ao estabelecer no texto normativo da Lei Básica notória consagração do mesmo; preceito que, como demonstrado ao longo do texto, propaga-se por todo o arcabouço normativo do sistema jurídico nacional. 

Tem-se, na tutela emanada da Carta Magna, direito fundamental, o que, como ressaltado em momento anterior, implica reconhecer evidente afronta à norma o descaso da Samarco Mineração com investimentos na segurança dos seus reservatórios, em especial o da cidade mineira de Mariana.

Também, é possível reafirmar que, pelo Princípio do Poluidor/Usuário-Pagador e, em especial, o Princípio da Responsabilidade Ambiental, reconhece-se que os danos ambientais ocasionados pelo desastre são de efeitos permanentes, continuativos, perpetuando-se no tempo e no espaço; o que valida e enaltece o rápido posicionamento do Ministério Público Federal frente às inegáveis consequências de um dos mais graves acidentes ambientais da história da mineração brasileira.

Por fim, ao esboçar breves considerações sobre o Direito Ambiental, relacionando-o com os números emanados da tragédia, o objetivo do artigo ora exposto foi convidar o leitor à reflexão sobre a necessidade de maior debate sobre o tema e eventual revisão dos mecanismos fiscalizadores.

A existência de normatização não representa por si só, como se viu ao longo do texto, solução definitiva para evitar acontecimentos trágicos como o citado. Não é difícil supor, partindo desse encadeamento lógico, ser necessário maior investimento em iniciativas que aumentem a fiscalização, bem como nas que tornem mais amplo o acesso a fontes de pesquisa e estudo no campo da matéria.


REFERÊNCIAS

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______. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4771.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

______. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm>. Acesso em 07 jun. 2017.

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Sobre os autores
Wellington Cacemiro

Advogado, jornalista e pesquisador jurídico com publicações em revistas nacionais e internacionais. Graduado em Direito pela faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda., pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela mesma instituição e pós-graduando em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP.

Ivy de Souza Abreu

Doutoranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV; Membro do BIOGEPE – Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Políticas Públicas, Direito a Saúde e Bioética da FDV; Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Biodireito e Direitos Fundamentais”; MBA em Gestão Ambiental; Pós Graduada em Direito Público; Licenciada em Ciências Biológicas; Advogada; Bióloga; Professora universitária.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CACEMIRO, Wellington; ABREU, Ivy Souza. Tragédia de Mariana (MG): controvérsias do caso à luz do Direito Ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5221, 17 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60844. Acesso em: 22 nov. 2024.

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