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Pena de morte: aplicabilidade da penalidade no filme A Vida de David Gale

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5 A Vida de David Gale[59]

O filme The Life of David Gale (A Vida de David Gale) é uma produção Norte-americana de 2003 dirigida por Allan Parker e conta a história do renomado professor universitário e ativista contra a pena de morte David Gale, interpretado por Kevin Spacey. Logo no início do filme nos deparamos com uma reportagem de televisão, em boletim extraordinário, informando que o protagonista, condenado à pena capital por estuprar e matar sua colega de ativismo Constance Harraway, vivida pela atriz Laura Linney, teve a data de sua execução marcada para o final daquela semana, uma sexta-feira.

Porém, quatro dias antes, Gale pede a presença da jornalista Bitsey Bloom (Kate Winslet) para lhe conceder uma entrevista exclusiva, na qual prometeu contar toda a verdade sobre o caso. Pressionada, a jornalista, conhecida por não revelar suas fontes, aceita ir a prisão conversar com o condenado, e quanto mais o ouve, mais fica instigada na busca pela verdade. De fato, o professor sabia contar uma história e a jornalista, antes receosa, toma para si as dores dele e vai até as últimas consequências para inocentá-lo, mas não a tempo de salvá-lo da execução.

A jornalista descobre por uma fita de vídeo que a morte de Constance foi uma armação edificada por ela e David para provar como a investigação nos Estados Unidos é falha, como a justiça não existe efetivamente e como a condenação e a execução podem vitimar um inocente. Constance, que sofria de leucemia, se matou e nessa fita estava filmado todo o seu suicídio, inocentando assim o professor Gale.

5.1 Análise jurídica do filme sob o amparo dos princípios da proporcionalidade e presunção de inocência

O Estado absolutista, com o poder concentrado nas mãos do monarca, já não conseguia suprir os anseios da população, ao contrário, avolumavam-se abusos e as liberdades individuais restavam à mercê dos interesses da Administração. Percebeu-se então a necessidade de limitar o poder do administrador público, surgindo a proporcionalidade, como obstáculo aos desmandos, demarcando os meios que poderiam ser empreendidos, para obter as finalidades pretendidas[60].

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um pacote de direitos essenciais à manutenção do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana, das liberdades e garantias, dentre outros pressupostos, erigidos à condição de direitos fundamentais. A proporcionalidade, ocupa papel de destaque, na proteção dos direitos fundamentais e também na harmonização de interesses, até mesmo entre princípios e direitos base[61].

Sobre isso nos ensina José Sérgio da Silva Cristóvam[62] que:

A proporcionalidade é uma máxima, um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial.  Pelos critérios da proporcionalidade pode-se avaliar a adequação e a necessidade de certa medida, bem como, se outras menos gravosas aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição àquela empreendida pelo Poder Público.

No âmbito do direito penal, esse princípio vem para garantir que a liberdade do indivíduo seja limitada apenas no que concerne ao indispensável para a defesa do interesse público, ou seja, assegura a proteção do criminoso contra medidas excessivas salvaguardando que a sanção seja aplicada proporcionalmente à gravidade do delito cometido para o punir e evitar que o faça novamente, mas sempre preservando os seus direitos fundamentais e a sua dignidade.

Não foi isso o que ocorreu na obra de Allan Parker. David foi condenado a pena máxima sem direito a recurso ou contestação, sem investigação profunda. O seu sêmen encontrado no corpo sem vida de Constance e suas digitais sobre este foram provas suficientes e, para os investigadores, irrefutáveis de sua culpa.

Importante frisar que nos Estados Unidos da América a maioria dos estados que adotam a pena capital, a decisão da vida ou morte do criminoso cabe ao júri popular, sem intervenção do juiz ou de autoridades que possam o absolver[63]. Este é o país que aplica a pena máxima no ocidente.

Seu principal método de execução atualmente é a injeção letal, porém, existe a permissão para o uso de qualquer método desde que a sentença seja prolatada por um Juízo Federal, no Tribunal do Júri. Apelações são permitidas, porém o processo de análise é demasiadamente longo, o que leva a morte natural de muitos condenados no corredor da morte[64]. O filme foi rodado no estado do Texas, lugar este que ocupa uma posição central no debate sobre a pena de morte naquele país. O Texas possui uma das maiores taxas de execução do país e, por esta razão, ganhou o título de “Capital Mundial das Execuções”[65].

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Contestador das práticas de execução que tornaram não só o Texas mas todo o país conhecidos mundialmente, David Gale alegava ser esta pena um ato ilícito e desumano. No entendimento dele este método abria margens a falhas que nunca poderiam ser revisadas, pois tratava-se da destruição de vidas. É, para nós, evidente que o pensamento do protagonista muito se assemelha com os princípios do sistema penal brasileiro, especialmente o da dignidade da pessoa humana, muito debatido neste trabalho.

Aqui, encaixa-se um outro princípio do direito brasileiro que, parece, não vigorar nos Estados Unidos da América retratado pelo filme em comento: o princípio da presunção da inocência. Sobre ele nos diz Rafael Ferrari[66]:

O princípio da presunção de inocência é um instituto previsto no artigo 5º, inciso LVII[67] da Constituição Federal de 1988. Refere-se a uma garantia processual atribuída ao acusado pela prática de uma infração penal, oferecendo-lhe a prerrogativa de não ser considerado culpado por um ato delituoso até que a sentença penal condenatória transite em julgado. Esta situação, em tese, evita a aplicação errônea das sanções punitivas previstas no ordenamento jurídico. Ainda garante ao acusado um julgamento de forma justa em respeito à dignidade da pessoa humana.

Assim, a antiga regra do olho por olho dente por dente, prevista no Código de Hamurabi, não pode prevalecer, e com a omissão do Estado, o cidadão começaria a fazer justiça com as próprias mãos. Embora o trânsito em julgado de David Gale tivesse ocorrido, não houve presunção da inocência uma vez que, como já dissemos, as aparentes provas encontradas foram suficientes para taxar sua culpa.

Apesar de David ter conhecimento sobre sua não culpabilidade, ele acatou severamente as ordens, obedeceu ao sistema. Foi preso e condenado à execução. De fato, uma curiosa coincidência, o homem que contestava o uso do método capital de pena e lutava pelo fim desta prática foi submetido ao “corredor da morte”.

O personagem principal desta interessante trama cumpriu com a norma, aceitou a decisão dos tribunais, silenciou diante do grito de revolta e consternação da população, levou a cabo a moral e a ética norte-americanos. Graças a investigação de Bloom, viu-se que tudo que acontecera fora uma estratégia para mostrar valores fundamentados em suposições e pré-julgamentos motivados pelo furor da mídia e que o governo buscou, afinal, solucionar rápida e facilmente um problema que despenderia muito mais tempo e dinheiro.


Conclusão

Observamos que o filme “A Vida de David Gale” é baseado nos elementos que compõem a cultura e a legislação estadunidense de condenação de acusados, levanta um questionamento a respeito da confiabilidade e eficácia da prática da pena de morte nos dias de hoje em que aparentemente nada consegue conter eficazmente um ato de violência contra quem quer que seja.

David Gale é um prestigiado professor universitário, ativista contra a pena de morte que se viu, ironicamente, condenado àquela pena contra qual tanto lutou, depois de ter sido acusado do estupro e assassinato de sua colega de ativismo Constance. Excluído dos lugares que frequentava, demitido, julgado e condenado, decidiu contar sua história a repórter Bitsey Bloom que se empenhou na busca pela verdade até descobrir que Constance, leucêmica, cometeu suicídio tendo o próprio David como testemunha para provar de forma contumaz (e drástica) que a pena de morte pode tirar a vida de inocentes e que o julgamento social e legal norte-americanos precisam passar por uma reavaliação na qual os direitos humanos sejam levados em consideração.

O filme é um drama psicológico que mescla situações difíceis do dia-a-dia como estupro, mentira, doença terminal, exclusão social, preconceito e morte. A atitude ousada e fatal dos protagonistas deixa claro que a sua intenção era provar que o sistema condena inocentes. Convertendo para a realidade brasileira, as execuções seriam terminantemente proibidas, visto que o Brasil defende o direito à vida, a ressocialização, a ampla defesa, uma clara contradição com o modelo Texano onde o direito à vida é execrado.

Não é nossa intenção com este artigo forçar alguém a tomar partido por um lado, mas fornecer conhecimento através de dados e argumentos, fomentando a reflexão do leitor sobre o que está por trás da aplicação da pena de morte e seu atual cenário no mundo. Na história da humanidade vislumbramos inúmeras situações em que os governos, procurando manter a ordem, puseram fim a vida de pessoas condenadas por algum delito. Foi citada a Grécia Antiga, Roma, Egito, dentre outros.

A religião também foi citada como uma das principais incentivadoras da condenação capital. Para tanto citamos exemplos dos escritos do Antigo Testamento da Bíblia Sagrada por retratar historicamente a organização política teocrática dos povos do oriente e desaguamos na Idade Média com a ascensão do catolicismo como coparticipe do Estado na definição e aplicação das penas, através, principalmente, da Santa Inquisição.

Hodiernamente, vale ressaltar, a Igreja não mais sustenta essa visão, ao contrário, o Papa Francisco, seu atual líder, em viagem aos Estados Unidos no ano de 2015, reafirmou perante o Congresso Nacional o compromisso da Igreja para com a vida e que este compromisso deve ser, também, de cada governo[68].

Francisco lembrou a “regra de ouro” de “fazer aos outros aquilo que gostaríamos que nos fizessem a nós” e partiu daí para, em poucas palavras, reafirmar a sua oposição à pena de morte. Aquela regra, disse, “recorda-nos a nossa responsabilidade de proteger e de defender a vida humana em cada etapa do seu desenvolvimento”. “Esta convicção conduziu-me, desde o início do meu ministério, a defender, a diferentes níveis, a causa da abolição total da pena de morte”[69].

Essa perspectiva de humanização das penas defendida pelo Pontífice tem sido adotada por muitos países ao redor do mundo. A Europa e as Américas estão próximas de tornarem zonas livres de execução, com a exceção de Bielorrússia e dos Estados Unidos da América. No Oriente Médio e norte da África, o número de execuções registradas pela Anistia Internacional[70] diminuiu em cerca de 20% em relação a 2013[71].

Desta feita, podemos concluir que, embora a pena de morte exista desde os primórdios da humanidade como método de controle social, sua aplicabilidade vem sendo amplamente rejeitada em virtude da evolução das consciências pautada no respeito aos indivíduos e a descoberta de novos meios capazes de ressocializar e reinserir condenados de volta à sociedade. Executar alguém por ter cometido um crime é só uma forma fácil de resolver um problema que está na base da formação de uma sociedade e pode gerar julgamentos errôneos dada a celeridade pretendida em resposta ao clamor social.             

Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

João Victor Rocha

Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; ROCHA, João Victor. Pena de morte: aplicabilidade da penalidade no filme A Vida de David Gale. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5262, 27 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61177. Acesso em: 23 dez. 2024.

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