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Equiparação entre empregados de cooperativas de crédito e bancos: (re)exame da Orientação Jurisprudencial nº 379 da SDI do TST

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Agenda 18/03/2018 às 13:45

3. Orientação Jurisprudencial no 379 da SDI I do TST: análise.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por sua Seção de Dissídios Individuais I, pacificou o entendimento sobre a inaplicabilidade aos trabalhadores das Cooperativas de Crédito da disposição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) atinente aos bancários, por incabível “equipará-los”. Tal posição foi consagrada pela Orientação Jurisprudencial no 379, assim redigida:

EMPREGADO DE COOPERATIVA DE CRÉDITO. BANCÁRIO. EQUIPARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE (republicada em razão de erro material no registro da referência legislativa). DEJT divulgado em 29, 30 e 31.03.2017. Os empregados de cooperativas de crédito não se equiparam a bancário, para efeito de aplicação do art. 224 da CLT, em razão da inexistência de expressa previsão legal, considerando, ainda, as diferenças estruturais e operacionais entre as instituições financeiras e as cooperativas de crédito. Inteligência das Leis n.os 4.595, de 31.12.1964, e 5.764, de 16.12.1971.

Dos precedentes dos quais redigido o verbete, destaquem-se como principais fundamentos:

* as cooperativas de crédito integram o Sistema Financeiro Nacional, mas em condições de operacionalidade e estrutura distintas dos bancos, por não realizarem compensação de cheques ou possuírem reservas bancárias. (E-RR – 44/2004-006-03-00, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Publicado em 16.10.2009)

* há semelhança entre o funcionamento das cooperativas de crédito e o das instituições financeiras, não se confundindo pela diferença na forma jurídica e finalidade social. As instituições financeiras visam a obtenção de lucro, enquanto que as cooperativas atuam no âmbito do interesse comum dos filiados, sem fim rentável. (E-ED-RR – 1221/2006-022-12-00, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, Relator Ministro Lélio Bentes Corrêa, Publicado em 06.02.2009)

* cooperativas possuem natureza civil e são criadas para a prestação de serviços aos associados, ao contrário dos bancos, que, além de objetivar lucros, prestam serviços tanto a clientes, quanto a terceiros, realizando mais operações do que as cooperativas. É vedado às cooperativas o uso da expressão Banco (Lei no 5.764/71, art. 5o). (E-RR – 422/2005-001-14-40, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, Relator Ministro Vieira de Mello Filho, Publicado em 14.11.2008)

Enfrentando cada uma das premissas destacadas, faz-se possível constatar sua insubsistência.

As cooperativas de crédito integram o Sistema Financeiro Nacional e atuam no mesmo segmento dos bancos, inclusive oferecendo a quase totalidade de produtos e serviços. Com isso, mostra-se secundário apontar pequenas distinções ou exceções para reputá-las “não equiparáveis” apenas para fins trabalhistas.

Há bancos que atuam em segmentos diferenciados, como concessão de crédito consignado, enquanto outros, se concentram na movimentação de contas, cheques e cartões de crédito. Alguns possuem agências por todo o território nacional e outros, apenas correspondentes ou lojas de atendimento. Há aqueles que mantêm caixas eletrônicos em locais públicos e os que não dispõem deste serviço.

O fato de não oferecer a integralidade dos serviços considerados “tipicamente bancários”, por si só, não tem o condão de modificar a natureza das coisas, pois o que caracteriza a atuação bancária é a própria essência do negócio, pela concessão de crédito, guarda de valores e aplicações financeiras, em funcionamento devidamente autorizado e fiscalizado pelo Banco Central. Igualmente, a origem do empreendimento, nacional, estrangeiro ou transnacional em nada modifica a realidade fática. Até mesmo porque, tem-se notícia da existência de cooperativas de crédito acionistas de bancos por elas mesmas criados e que realizam os serviços até então não prestados, formando verdadeiro grupo econômico.[19]

Os beneficiários dos serviços, clientes ou qualquer termo que se prefira adotar para se referir ao destinatário final do negócio, interessa a atividade prestada em si mesma e não o enquadramento normativo da instituição contratada. Quem necessita ter seus ganhos guardados, aplicados ou gerenciados busca uma instituição financeira, seja ela banco, caixa econômica ou cooperativa. Via de regra, a opção recai sobre quem apresentar menores taxas e maior credibilidade. Atender apenas clientes ou terceiros não pode ser considerado critério de diferencial substancial, pois há bancos que assistem exclusivamente pessoas jurídicas, não acarretando qualquer influência em sua consideração como banco.

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A propósito, interessante notar a propaganda de algumas cooperativas de crédito, que evidencia que qualquer pessoa pode ser “associada” da instituição. Para isso, basta procurar a cooperativa mais próxima, pesquisar na internet ou discar 0800 e integralizar suas quotas, em valores variáveis.[20]

Entender o contrário, chancelaria a transmutação da natureza do empreendimento pela consideração de aspecto meramente periférico e irrelevante, como, por exemplo, o porte dos clientes, a gama de operações realizadas ou o tipo de atendimento. Seria desprezado o elemento essencial, qual seja, o ramo da atividade econômica.

Mesmo raciocínio se aplica aos trabalhadores empregados em tais estabelecimentos. A eles não interessa se o empregador é optante do regime de tributação simplificado, se declara ser EPP ou ME, tampouco se se autodenomina Organização Não Governamental. Importam as condições de trabalho, no tocante aos riscos e à natureza dos serviços.

Além disso, soa falacioso imaginar que em um sistema econômico de matriz capitalista alguma instituição financeira possa desenvolver atividades graciosamente, sem visar lucros, salvo se mantida inteiramente pelo Poder Público e custeada pelos impostos. A sustentabilidade de qualquer organização é quesito-chave para assegurar sua continuidade num mercado competitivo. Embora não contemple o interesse de acionistas, como os bancos tradicionais, não há como considerar desinteresse dos cooperados por ganho de qualquer tipo, haja vista as “sobras” a eles destinadas ao final de cada exercício (Lei no 5.764/71, art. 4o, inciso VII) impactarem, de forma indireta, na tarifa final dos serviços. Chamem-se lucros, dividendos, sobras ou ganhos os resultados positivos obtidos, em qualquer hipótese constata-se o objetivo de ganho pecuniário, em maior ou menor grau.

Ao utilizar o termo “equiparar” para justificar o tratamento legal desigual dispensado a bancários e a empregados de cooperativas, a Orientação Jurisprudencial no 379 da SDI I do TST transmite a noção de se tratarem de profissionais distintos. Partindo de tal análise, exigir-se-ia do intérprete a realização de um processo de interpretação, e o uso da analogia, a fim de convencer e justificar a ocorrência de um tratamento isonômico. Equiparar ou igualar corresponderia a afastar discriminações ilegais ou injustificadas.

A questão, respeitado entendimento em contrário, é exatamente oposta, de como justificar a diferenciação entre iguais, a partir de exceções pontuais, mínimas, violando o texto da Constituição. Seu art. 7o, incisos XXX, XXXI e XXXII, deixa clara a opção da sociedade pela proibição à discriminação de qualquer ordem, sendo os critérios ali expostos meramente exemplificativos. Tem por destinatário, não apenas os particulares, mas o Poder Público em todas as suas esferas, inclusive o Judiciário, um dos responsáveis pelo cumprimento das “promessas” da Lei Maior.

A Lei no 9.029/95, portanto, vem ao encontro de tais objetivos, combatendo, em situações concretas entre empregados e empregadores práticas ilegítimas ou em desvio de finalidade, quanto a critério de admissão e dispensa.

Ao negar aos empregados de cooperativas de crédito os direitos típicos da categoria bancária, embora desempenhem o mesmo ofício dos trabalhadores admitidos por bancos, esvazia-se o conteúdo da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, enquanto fundamentos da República (art. 3o, incisos III e IV, da Constituição), e fere-se pela via reflexa o Princípio do Não-Retrocesso Social (art. 7o, caput).

Chama a atenção, ainda, quanto ao verbete examinado, o trecho “para efeito de aplicação do art. 224 da CLT, em razão da inexistência de expressa previsão legal”. Por ele, transparece a ideia de que para todos os demais efeitos legais, além da limitação da jornada, a igualdade entre bancários e empregados de cooperativas seria possível, em uma análise do Princípio da Legalidade às avessas, pois enquanto na esfera privada, legalidade significa ser permitido tudo o que não for proibido, no ramo público, o mesmo preceito significa ser proibido tudo o que não for permitido.

Para que, então, haveria necessidade de uma lei declarando a igualdade entre iguais? Melhor explicando: onde existe vedação à incidência da regra do art. 224 da CLT sobre os empregados de cooperativas de crédito, se realizam as mesmas atribuições dos bancários? Diante da limitação do verbete, para outros fins laborais, poderia se considerar bancário o empregado de cooperativa, como para fins de enquadramento e representatividade sindical?

Por fim, invoca-se como argumento, o teor do art. 10 da CLT, pelo qual “qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”. Embora comumente utilizado para preservar o patrimônio jurídico dos empregados, em casos concretos, nos quais as empresas realizem fusões, incorporações ou alterações estruturais; mostra-se plenamente razoável entender que a norma em questão veda que reestruturações e novos arranjos do capital firam conquistas históricas do trabalho e da própria sociedade organizada.


Conclusões

O Sistema Financeiro Nacional (SFN) teve origem em 1808, por iniciativa de Dom João VI, responsável pela criação do primeiro Banco do Brasil. A partir dessa iniciativa, a colônia passou a emitir notas bancárias e produzir o próprio meio circulante.

Nos anos seguintes, profundas mudanças marcaram a história nacional, com o Império se tornado República, o trabalho escravo dando lugar ao assalariado e a intervenção do Poder Público no cenário econômico ganhando cada vez maior importância.

Nesse complexo quadro, bancos e caixas econômicas passam a atuar ao lado de outros entes personificados, como as Cooperativas de Crédito, sem um regramento isonômico aos trabalhadores empregados em cada uma de tais instituições.

Embora a CLT e a Constituição justifiquem a consideração dos empregados de cooperativas como bancários, para todos os fins, este não tem sido o entendimento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), como se depreende da Orientação Jurisprudencial no 379 da Seção de Dissídios Individuais I.

Contudo, analisando os precedentes que culminaram com a redação do verbete, constata-se não subsistir razão para afastar do campo de beneficiários das regras tuititvas típicas dos bancários os empregados vinculados a cooperativas de crédito.

Entendimento em contrário acaba por legitimar a discriminação de significativa e crescente parcela de trabalhadores, uma concorrência em níveis desiguais entre sujeitos econômicos e um ganho diferenciado do capital, desrespeitando todo o arcabouço societário que inspira o Estado Democrático Brasileiro.

Roberto Lyra filho, um dos fundadores da Nova Escola Jurídica Brasileira, provoca, ao questionar: “Direito e Justiça caminham enlaçados; lei e Direito é que se divorciam com frequência. Onde está a Justiça no mundo?”[21]

Em um esforço de resposta, por todos os argumentos desenvolvidos no curso do estudo que ora conclui-se, ousa-se afirmar: a Justiça encontra-se em nossas mãos, aqui e agora; nem ontem, nem amanhã. Mas para isso, necessárias coragem e comprometimento dos Operadores do Direito para argumentar e debater.

Sobre o autor
Oscar Krost

Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC). Membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho - IPEATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KROST, Oscar. Equiparação entre empregados de cooperativas de crédito e bancos: (re)exame da Orientação Jurisprudencial nº 379 da SDI do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5373, 18 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61238. Acesso em: 22 dez. 2024.

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