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A Lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar

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Agenda 15/05/2019 às 14:10

3. da (in)constitucionalidade da ampliação da competência da justiça militar

No site da Câmara dos Deputados, consta que o Projeto de Lei n. 5768, apresentado em 06/07//2016, pelo Deputado Federal Esperidião Amin, iniciou-se com a redação aprovada no inciso II do art. 9º do Código Penal Militar.

Na Câmara dos Deputados, o projeto apresentado sofreu alteração proposta pelo relator, Deputado Júlio Lopes, tendo acrescentado previsão de que a lei valeria até o dia 31 de dezembro de 2016, sendo que a legislação anterior modificada retomaria a vigência.[4]

A justificativa para a alteração consistiu na realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos no Rio de Janeiro no ano de 2016.

No Senado Federal, o Projeto de Lei n. 5768 recebeu o número 44, tendo sido apresentada a emenda n. 1[5], pela Senadora Vanessa Grazziotin, que visava ampliar o prazo da lei para o dia 31 de dezembro de 2017, tendo como um dos fundamentos a utilização pelo Presidente da República “das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem, em apoio às ações do Plano Nacional de Segurança Pública, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 28 de julho a 31 de dezembro de 2017.”

Em Parecer, o Senador Pedro Chaves manifestou-se pela rejeição, na medida em que “Se já entendemos ser constitucional a competência da Justiça Militar da União para julgar crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis, em hipóteses expressamente previstas em Lei, não há razão para limitar a extensão temporal dessa competência.” E continua “Lembrando que o próprio Superior Tribunal Militar (STM) já se manifestou pela preservação da competência da Justiça Militar da União para o julgamento de crime dolosos contra a vida, quando a vítima seja civil, haja a vista a necessidade de se garantir aos militares uma justiça especializada e com conhecimento específico. Aliás, receamos que a regra no sentido de limitar a competência da Justiça Militar unicamente para período específico possa ser interpretada como o estabelecimento de um tribunal de exceção, o que é vedado pelo art. 5º, inciso XXXVII da Constituição Federal.”

Verifica-se que o parecer pela rejeição não mencionou o fato da proposta enviada ao Senado pela Câmara dos Deputados já conter previsão que a tornava lei temporária, mas com efeitos até o dia 31 de dezembro de 2016.

Na justificativa[6] do mencionado projeto de lei, em nenhum momento, menciona a ampliação da competência, tendo como foco, exclusivamente, o julgamento dos militares das Forças Armadas nos crimes dolosos contra a vida de civil, em situações específicas, que serão detalhadas a seguir.

Nota-se, portanto, que em nenhum momento houve menção à ampliação da competência da justiça militar, nem houve debates no Congresso Nacional.  

Nas diversas notícias publicadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em seus sites, constam somente informações e discussões dos parlamentares acerca da transferência do julgamento de militares das Forças Armadas, em determinadas situações, para a Justiça Militar da União.

Logo, é possível concluir que houve falha na técnica legislativa.

Isso porque durante os debates discutiram somente a questão do julgamento dos militares das Forças Armadas nos crimes dolosos contra a vida de civis pela Justiça Militar da União, sendo que a alteração que ocorreu é profundamente significativa e, historicamente, a tendência sempre foi excepcionar e limitar a competência da Justiça Militar. O legislador e o Supremo Tribunal Federal sempre trataram a competência da Justiça Militar como restritiva.

O tema é de tamanha repercussão no país e deveria ter sido amplamente debatido, inclusive com a realização de audiências públicas.

A nova alteração legislativa visou na verdade, somente, transferir a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida de civil cometidos por militares das Forças Armadas, nas hipóteses delineadas no § 2º do art. 9º do Código Penal Militar, como nas operações de garantia da lei e da ordem; cumprimento de atribuições que forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa, bem como nas missões militares.

A questão a ser discutida é se a forma como a lei foi aprovada a torna inconstitucional.

Essencial destacar que a ampliação da competência da Justiça Militar não é inconstitucional, pois a Constituição Federal não define quais são os crimes militares, mas outorga essa competência para o legislador ordinário, conforme artigos 124 e 125, § 4º[7], ambos da Constituição Federal. Isto é, cabe ao Congresso Nacional, mediante aprovação de leis ordinárias, dizer o que é crime militar.

Anoto que é possível que o Congresso Nacional, mesmo que o Supremo Tribunal Federal tenha entendimento pacificado por determinada matéria constitucional, aprove lei que contrarie o entendimento da Suprema Corte.

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Trata-se de reação legislativa, de superação legislativa da jurisprudência, tema este muito bem abordado pelo Professor Márcio André Lopes Cavalcante[8]

Márcio Cavalcante leciona que:

O STF possui, segundo a CF/88, a missão de dar a última palavra em termos de interpretação da Constituição. Isso não significa, contudo, que o legislador não tenha também a capacidade de interpretação do Texto Constitucional. O Poder Legislativo também é considerado um intérprete autêntico da Constituição e, justamente por isso, pode editar uma lei ou EC tentando superar o entendimento anterior ou provocar um novo pronunciamento do STF a respeito de determinado tema, mesmo que a Corte já tenha decidido o assunto em sede de controle concentrado de constitucionalidade. A isso se dá o nome de "reação legislativa" ou "superação legislativa da jurisprudência".

O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado. Assim, o STF não proíbe que o Poder Legislativo edite leis ou emendas constitucionais em sentido contrário ao que a Corte já decidiu. Não existe uma vedação prévia a tais atos normativos. O legislador pode, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência. Trata-se de uma reação legislativa à decisão da Corte Constitucional com o objetivo de reversão jurisprudencial.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal interpreta o art. 9º do Código Penal Militar, restritivamente[9], em razão da redação anterior do art. 9º que limitava os crimes militares àqueles dispostos no Código Penal Militar. A interpretação restritiva não decorre, predominantemente, da Constituição, mas sim do artigo 9º do Código Penal Militar, razão pela qual a ampliação da competência não afronta o Supremo Tribunal Federal, não se tratando, pois, de reação legislativa.

Portanto, deve a discussão acerca da constitucionalidade da lei referir-se à ausência de conhecimento dos parlamentares que a aprovaram, no sentido de que estavam ampliando demasiadamente a competência da Justiça Militar.

Conforme demonstrado, em nenhum momento houve discussão acerca da ampliação da competência, tendo todos os debates girados em torno da competência da Justiça Militar da União para processar e julgar os militares das Forças Armadas nas situações previstas no § 2º do art. 9º, do Código Penal Militar.

O responsável pela redação atual do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar realizou a alteração em absoluto silêncio, sem provocar o debate.

Em razão disso, haveria inconstitucionalidade?

A inconstitucionalidade pode ser formal ou material.

A inconstitucionalidade formal refere-se à inobservância da forma preconizada pela Constituição. A material trata do conteúdo da lei quando é incompatível com a Constituição.

A inconstitucionalidade formal subdivide-se em orgânica e propriamente dita. Esta trata da inobservância do processo legislativo. Aquela trata da não observância da competência para deflagrar a lei, como a hipótese do estado tratar de matéria de competência da união, a exemplo do direito processual.

A inconstitucionalidade formal pode se dar, ainda, por violação a pressuposto objetivo do ato, como o caso de edição de medida provisória sem a presença da relevância e urgência.

Igualmente, pode-se falar em inconstitucionalidade formal por violação a pressuposto objetivo do ato quando a lei aprovada não tiver sido discutida no Congresso Nacional, com a aprovação cega da lei, em razão de vício na vontade do parlamentar, por total desconhecimento da lei aprovada.

Com efeito, os artigos 64 e 65, ambos da Constituição Federal, são claros ao afirmar que os projetos de lei serão discutidos e votados.

Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. (destaquei)

Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. (destaquei)

No caso da alteração do inciso II, do art. 9º do Código Penal Militar, conforme exposto, restou claro que a alteração não foi, em nenhum momento, discutida, tendo sido aprovada sem os parlamentares terem conhecimento da alteração, incidindo em vício de vontade, pois a justificativa do projeto é silente e os parlamentares que apresentaram o projeto não provocaram a necessária discussão.

É possível falar que houve dolo negativo em não provocar o debate em tema de tamanha repercussão no país. Trata-se de aplicação de princípio geral de direito, consectário lógico da boa-fé objetiva que rege o dia a dia do operador do direito em todas as áreas.

Não se pode considerar o mau voto do parlamentar ou a desídia no exercício do voto como fundamento para perquirir a inconstitucionalidade de uma lei aprovada pelo Congresso Nacional, mas no caso salta aos olhos a violação ao art. 65 da Constituição Federal, em razão dos parlamentares que aprovaram a lei terem sido induzidos ao erro, em razão do dolo negativo.

O caso apresentado se assemelha à hipótese de contrabando legislativo ou caldas de lei.

O contrabando legislativo consiste na “inserção, por meio de emenda parlamentar, de assunto diferente do que é tratado na medida provisória que tramita no Congresso Nacional”[10], com o fim de que o assunto inserido através de um artigo seja aprovado sem o prévio conhecimento e debate por parte dos parlamentares. Essa prática é vedada pelo Supremo Tribunal Federal.

Joaquim Leitão Júnior leciona que “Caldas de lei ou contrabando legislativo são expressões equivalentes usadas pelo jurista Michel Temer, na hipótese em que num Projeto de Lei é acrescentado sorrateiramente um assunto que nada tem a ver com o projeto com o fim de não chamar a atenção.”[11] (destaquei)

Portanto, houve no caso uma espécie de contrabando legislativo.

Outro ponto importante a ser destacado[12], refere-se ao fato do Projeto de Lei encaminhado ao Presidente da República para ser sancionado, constar no art. 2º ser uma lei temporária, nos seguintes termos:

Art. 2 o Esta Lei terá vigência até o dia 31 de dezembro de 2016 e, ao final da vigência desta Lei, retornará a ter eficácia a legislação anterior por ela modificada.

 O Presidente da República, após ouvir o Ministério da Defesa manifestou-se pelo veto ao artigo 2º, uma vez que “As hipóteses que justificam a competência da Justiça Militar da União, incluídas as estabelecidas pelo projeto sob sanção, não devem ser de caráter transitório, sob pena de comprometer a segurança jurídica. Ademais, o emprego recorrente das Forças Armadas como último recurso estatal em ações de segurança pública justifica a existência de uma norma permanente a regular a questão. Por fim, não se configura adequado estabelecer-se competência de tribunal com limitação temporal, sob pena de se poder interpretar a medida como o estabelecimento de um tribunal de exceção, vedado pelo artigo 5º, inciso XXXVII da Constituição”.

O art. 66, § 2º, da Constituição Federal assevera que o “O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.”

A finalidade do § 2º do art. 66 da Constituição Federal é evitar que o Presidente da República altere a essência do projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, desconfigurando o que foi aprovado pelos representantes do povo e dos estados.

Assim, em uma interpretação teleológica, aquela que visa a finalidade da norma, tem-se que o veto do Presidente da República alterou o principal objetivo da norma, pois tornou permanente o que era para ser temporário.

Mutatis mutandis, é como se tivesse retirado o “não” de um artigo de lei, o que muda completamente o sentido do texto.

Dessa forma, há inconstitucionalidade formal na sanção da lei.

Lado outro, em uma interpretação literal, não há que se falar em vício de inconstitucionalidade formal, na medida em que o art. 66, § 2º, da Constituição Federal foi cumprido na íntegra, uma vez que houve veto de texto integral de artigo.

Michel Temer, em seu livro “Elementos de Direito Constitucional”[13][14], escreveu que “é impossível o veto aditivo ou restabelecedor, isto é, o veto que adicione algo ao projeto de lei ou restabeleça artigos, parágrafos, incisos ou alíneas suprimidas pelo Congresso Nacional”.

E ainda prossegue:

Assim, o fundamento doutrinário que alicerça a concepção de que o veto parcial deve ter maior extensão suporta-se na ideia de que, vetando palavras ou conjunto de palavras, o Chefe do Executivo pode desnaturar o projeto de lei, modificando o seu todo lógico, podendo, ainda, com esse instrumento, legislar. Basta – como se disse – vetar advérbio negativo.

Data venia, não é bom esse fundamento, uma vez que: a) o todo lógico da lei pode desfigurar-se também pelo veto, por inteiro, do artigo, do inciso, do item ou da alínea. E até com maiores possibilidades; b) se isto ocorrer – tanto em razão do veto da palavra ou de artigo – o que se verifica é usurpação de competência  pelo Executivo, circunstância vedada pelo art. 2º da CF; c) qual a solução para ambas as hipóteses? O constituinte as previu: aposto o veto, retoma o projeto ao Legislativo e este poderá rejeitá-lo, com o quê se manterá o todo lógico da lei. Objetiva-se, entretanto: a rejeição do veto exige maioria absoluta e, por isso, uma minoria (1/3) poderá editar a lei que, na verdade, não representa a vontade do legislador. Responde-se: se isto suceder, qualquer do povo, incluídos os membros do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário, pode representar aos legitimados constitucionalmente (art. 103, I a IX, da CF) para a promoção da representação de inconstitucionalidade daquela lei em face  de usurpação de competência vedada pelo art. 2º da CF. (destaquei)

Nota-se, portanto, que o próprio Presidente da República entende ser inconstitucional vetar artigo de lei, por completo, de forma que o projeto de lei venha a se desconfigurar, conforme ocorreu com a Lei 13.491/2017.

Sobre o autor
Rodrigo Foureaux

Juiz de Direito - TJGO. Mestre em Direito. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz do TJAL. É Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Bacharel em Direito e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social. Especialista em Direito Público. Autor do livro "Justiça Militar: Aspectos Gerais e Controversos".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FOUREAUX, Rodrigo. A Lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5796, 15 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61251. Acesso em: 22 nov. 2024.

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