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O contrato built to suit e a amplitude da autonomia da vontade das partes nas locações de imóvel urbano

Agenda 11/12/2017 às 13:00

Analisa-se o contrato built to suit e a mitigação do principio da supremacia da ordem pública.

A Lei 8.245/91, que dispõe sobre a locação dos imóveis urbanos e procedimentos a ela pertinentes, é regida, dentre outros, pelo princípio da supremacia da ordem pública, que prevê que a vontade das partes não é e nem pode ser absoluta, porquanto se deve respeitar preceitos mínimos de conduta, freando-se e se impondo limites ao exercício irrestrito da vontade dos pactuantes.

A posição legislativa supramencionada nada mais é do que corolário de princípios insculpidos na Constituição Federal, que, anos depois, também foram positivados no Código Civil/2002, em que se impõe limites às partes, na medida em que se deve observar a boa-fé objetiva e a liberdade de contratar nos limites da função social do contrato.

Inúmeras são as regras impostas pela Lei específica que direcionam uma relação locatícia, como a vedação do aluguel cobrado em moeda estrangeira ou vinculado à variação cambial ao salário mínimo; a vedação de cumulação de espécies de garantias em um único contrato; o rol taxativo de casos em que o locador poderá pedir o imóvel durante a vigência do prazo do contrato locatício; o prazo dado para desocupação voluntária; além dos procedimentos e requisitos a serem observados na ação de despejo, consignatória renovatória, dentre outros.

Ocorre que, aproximadamente na década de 90, o modelo de contrato desenvolvido no mercado americano chamado de built to suit ou contrato de construção ajustado ou, ainda, traduzido do inglês, “construído para servir”, chegou ao Brasil como forma de contrato locatício atípico. Posteriormente, a Lei 12.744 de 2012, em seu artigo 3º, incluiu na Lei 8.245/91 o artigo 54-A, que prevê, regula e dá segurança jurídica a tal espécie contratual.

O conceito de built to suit pode ser encontrado no próprio caput do artigo 54-A da Lei 8.245/91. De um lado, uma das partes (locador) se compromete a promover a aquisição, construção ou uma substancial reforma feita por si ou por terceiro em um imóvel a ser locado e, de outro lado, a outra parte (locatário) se compromete a locar este espaço por um tempo e aluguel previamente determinados. Importante destacar que as instruções e projetos para essa construção ou substancial reforma serão feitas pelo locatário ao locador, e que, inclusive, durante a construção ou reforma, poderá ser contratado o pagamento do aluguel ou parte dele.

De outra banda, como é de se esperar, prevê a norma que, além de requisitos previstos na Lei de Locações, prevalecerão, também, as condições que as partes livremente pactuarem entre si, ampliando-se a aplicação do princípio da autonomia da vontade das partes nos contratos de locação.

Essa amplitude da autonomia da vontade das partes e, por consequência, a limitação da supremacia da ordem pública ocorre, principalmente, para evitar a demasiada proteção que a Lei 8.245/91 confere ao locatário, isso porque o locador estará investindo, construindo e/ou reformando um espaço especificamente para aquela locação e a partir do que foi preestabelecido pelo locatário, dentro de respectivas especificidades.

Uma das mudanças mais claras do contrato de locação comum para o built to suit se encontra prevista no parágrafo segundo do artigo 54-A. Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, este deverá pagar multa convencionada que não poderá exceder a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.

Essa previsão, bem como a amplitude do princípio da autonomia da vontade entre as partes tem o intuito de proteger o locador para não ser surpreendido e permanecer desamparado em caso de denúncia do contrato antes do prazo findar-se, tendo em vista ter pactuado, visando um contrato longo, geralmente entre 10 a 20 anos, e se programado dispendendo tempo e dinheiro para a construção ou reforma de um espaço com as especificações preestabelecidas pelo locatário.

Considerando-se que, muitas vezes, aquele imóvel projetado pelo locador especialmente para aquela locação não será facilmente locado por outras pessoas, justamente por ser um projeto com padrões e critérios estabelecidos pelo locatário, tem-se que essa amplitude do princípio da autonomia da vontade entre as partes e, paralelamente, a mitigação da supremacia da ordem pública se fazem necessárias e vêm sendo acolhidas fielmente pelos Tribunais brasileiros, como se nota do acórdão abaixo:

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LOCAÇÃO. LOCADORA QUE REALIZOU A CONSTRUÇÃO DE HOSPITAL NO IMÓVEL, SEGUNDO AS ESPECIFICAÇÕES DA LOCATÁRIA. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL. ARBITRAMENTO PROVISÓRIO. NÃO PREVALECIMENTO. PROVIDÊNCIA NÃO COMPATÍVEL COM A PECULIARIDADE DA CONTRATAÇÃO. CONTRAPRESTAÇÃO QUE NÃO LEVA EM CONTA APENAS A REMUNERAÇÃO PELO USO DA COISA, MAS DEVE COMPREENDER O RETORNO DO INVESTIMENTO REALIZADO. REVOGAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR. AGRAVO PROVIDO. 1. As partes realizaram a contratação da locação, tendo a locadora promovido a construção de hospital no imóvel, segundo as especificações da locatária. 2. A fixação do aluguel, segundo a livre estipulação das partes, levou em conta, não apenas a finalidade de servir de contraprestação pelo uso do bem, mas, sobretudo, o retorno do investimento realizado no local. 3. Embora se trate de contrato estabelecido antes da entrada em vigor da Lei 12.744/2012, que inseriu o artigo 54-A na Lei 8.245/1991, a matéria não comporta tratamento diferenciado, pois incompatível a aplicação pura e simples da Lei 8.245/1991, em sua primitiva redação a essa modalidade contratual. 4. Não há como cogitar, ao menos neste momento, da existência de direito à revisão contratual, pois não se trata de simples adequação de valor à realidade de mercado. 5. Não se deparando, em princípio, com a identificação da probabilidade do direito afirmado, até porque há fundado motivo para se identificar a figura da contratação "built to suit", revoga-se o arbitramento provisório, determinando-se o restabelecimento do estado anterior de coisas.

(TJ-SP 21910448420178260000 SP 2191044-84.2017.8.26.0000, Relator: Antonio Rigolin, Data de Julgamento: 07/11/2017, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/11/2017)

Segue trecho destacado da íntegra do acórdão supra: “A fixação do aluguel, nessa espécie contratual, já leva em conta o período de vigência do contrato, fazendo-se respeitar a vontade das partes, que reconheceram, ao contratar, o período de tempo necessário para assegurar o retorno do investimento realizado pela parte locadora”.

Por fim, verifica-se que o built to suit é um contrato específico pactuado, geralmente, entre grandes construtoras como locadoras e grandes empreendimentos e marcas como locatários em que ambas as partes possuem benefícios. De um lado, o locador previamente terá conhecimento de seu lucro e o prazo dele e, de outro lado, o locatário não imobilizará capital para ter um imóvel adequado à sua atividade podendo, por locador e locatário, ser estipuladas cláusulas e regras com maior autonomia, adequadas àquela locação específica.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALONI, Angélica Sanchez. O contrato built to suit e a amplitude da autonomia da vontade das partes nas locações de imóvel urbano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5276, 11 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61969. Acesso em: 25 nov. 2024.

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