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A possibilidade de classificação do produtor que explora atividade agropecuária em área superior a quatro módulos fiscais como segurado especial

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O produtor rural que explora atividade agropecuária em área superior a 4 módulos fiscais, após a publicação da Lei 11.718/08, é considerado contribuinte individual pelo INSS. No entanto, discute-se a possibilidade de classificá-lo como segurado especial.

RESUMO: A Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008, trouxe significativas mudanças ao ordenamento jurídico brasileiro, especialmente quanto ao enquadramento do produtor rural que explora atividade agropecuária em virtude da extensão da área explorada, ao modificar o art. 12, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 e art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Antes de sua publicação, todos os trabalhadores rurais que explorassem a terra sozinhos ou em regime de economia familiar eram classificados como segurados especiais da Previdência Social. Agora, a lei classifica os trabalhadores que exploram atividade agropecuária em áreas superiores a 04 (quatro) módulos fiscais como contribuintes individuais. A doutrina e a jurisprudência, contudo, discutem sobre o enquadramento desses segurados numa ou noutra categoria de segurados obrigatórios.

PALAVRAS-CHAVE: Previdência social. Segurado especial. Produtor rural. Regime de economia familiar. Módulos fiscais.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo discutir a possibilidade de enquadramento do produtor rural que explore atividade agropecuária em área superior a 04 (quatro) módulos fiscais como segurado especial da Previdência Social, após a entrada em vigor da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008.

O texto constitucional estabelece condições especiais para o trabalhador rural que exerça suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, sem, contudo, delimitar o tamanho do espaço em que essas atividades devam ser exercidas.

O enquadramento desse segurado como contribuinte individual ou segurado especial afeta, principalmente, na forma de contribuição e, consequentemente, na concessão dos benefícios e serviços da Previdência Social.

Diante dessa situação, foi realizada pesquisa em doutrinas e decisões judiciais sobre o tema, buscando captar o alcance do requisito territorial incorporado pela nova norma legal na classificação dos segurados da Previdência Social.


1 PREVIDÊNCIA SOCIAL

A Constituição da República Federativa de 1988 (CRFB/88) introduziu no Capítulo II, do Título VIII, destinado à ordem social, as disposições relativas à Seguridade Social. Nos termos do art. 194, da CRFB/88, a Seguridade Social se destina a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

O presente estudo se limitará à Previdência Social, que é constitucionalmente tratada a partir do art. 201, com a fixação de seus objetivos, constitucionalmente nomeados como critérios.

O art. 1º, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, delimita conceitualmente a atuação da previdência social nos seguintes termos:

Art. 1º A Previdência Social, d por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.

A Previdência Social, assim, tem o objetivo de garantir aos seus beneficiários, mediante contraprestação contributiva destes, meios de se manter quando atingidos por algum dos riscos sociais por ela assegurado. É justamente o caráter contributivo da previdência que a difere dos outros direitos abarcados pela seguridade social: saúde e assistência social. Nesses, o beneficiário não necessita contribuir para receber a contraprestação dos benefícios e serviços.

Nos dizeres de Ibrahim (2016, p. 26) a Previdência Social“é tradicionalmente definida como seguro sui generis, pois é de filiação compulsória para os regimes básicos (RGPS e RPPS), além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais”.

Portanto, compete à Previdência Social cuidar de seus beneficiários quando passarem por alguma adversidade social.


2 BENEFICIÁRIOS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

Os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) são todas as pessoas vinculadas à Previdência Social que podem receber os benefícios e serviços por ela prestados.

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Nas palavras de Ibrahim (2016, p. 172), “os beneficiários do RGPS são as pessoas naturais que fazem jus ao recebimento de prestações previdenciárias, no caso de serem atingidas por algum dos riscos sociais previstos em lei”.

Os beneficiários do RGPS classificam-se como segurados e dependentes.

Conforme ensina Martins (2015, p. 310) “segurado é tanto o que exerce ou exerceu atividade remunerada, como aquele que não exerce atividade (desempregado) ou que não tem remuneração por sua atividade (dona de casa)”.

Segurados são, portanto, as pessoas físicas que tem direito às prestações previdenciárias em virtude de sua contribuição para o regime (SANTOS, 2016).

Já os dependentes são, segundo Castro e Lazzari (2016, p. 201):

as pessoas que, embora não estejam contribuindo para a Seguridade Social, a Lei de Benefícios elenca como possíveis beneficiários do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, em razão de terem vínculo familiar com segurados do regime, fazendo jus à seguintes prestações: pensão por morte, auxílio-reclusão, serviço social e reabilitação profissional.

Portanto, dependente é a pessoa beneficiária da Previdência Social em virtude de disposição legal, ligada ao segurado por relações familiares e que tem direito a alguns benefícios e serviços.


3 SEGURADOS

Os segurados são as pessoas físicas que contribuem para o regime previdenciário. Contudo, a contribuição pode se dar de forma obrigatória ou facultativa, surgindo daí, a subdivisão dos segurados em obrigatórios e facultativos.

Nas palavras de Kertzman (2016, p.99) “os segurados obrigatórios são os maiores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz (que se permite o início das atividades a partir dos 14), que exercem qualquer tipo de atividade remunerada lícita que os vinculem, obrigatoriamente, ao sistema previdenciário”.

Assim, em linhas gerais, todas as pessoas que exercem atividade remunerada são segurados obrigatórios da Previdência Social.

Já os segurados facultativos são aqueles que optam pela inclusão no regime previdenciário, mesmo não estando vinculado obrigatoriamente à previdência social, já que não exercem atividade remunerada (KERTZMAN, 2016).

3.1 Segurados obrigatórios

Todos que exercem atividade remunerada, seja de natureza urbana ou rural, seja com ou sem vínculo empregatício, são segurados obrigatórios do RGPS (LENZA, 2016).

Os artigos 11 da Lei nº 8.213/91 e 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, estabelecem que são segurados obrigatórios o empregado, o empregado doméstico, o contribuinte individual, o trabalhador avulso e o segurado especial.

Empregado, em suma, é toda pessoa física que mantém relação de emprego, no campo ou na cidade.

O empregado doméstico, nos termos do art. 11, II, da Lei nº 8.213/91, é aquele que presta serviços habitualmente a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividade sem fim lucrativo.

O contribuinte individual é aquele que exerce atividade remunerada sem vínculo empregatício.

O trabalhador avulso é aquele que presta serviços a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com intermediação obrigatória do órgão gestor de mão de obra (art. 9º, Decreto 3.048, de 06 de maio de 1999).

O segurado especial, por inteligência do art. 195, § 8º, da CRFB/88, é o produtor, parceiro, meeiro ou arrendatário rural e pescador artesanal, bem como seus respectivos cônjuges, que, trabalhando por conta própria em regime de economia familiar e sem empregados permanentes, explora a terra ou a pesca com uma pequena produção apenas para promover sua subsistência.

3.1.1 Segurado especial

Antes do advento da Lei nº 11.718/08, as Leis nº 8.212/91 e nº 8.213/91, em seus artigos 12 e 11, respectivamente, assim definiam o segurado especial:

VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de quatorze anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo (Redação dada pela Lei nº 8.398, de 7.1.92).

Essa redação pouco se distancia do conceito constitucionalmente estabelecido: acresceu a permissão de auxílio de filhos maiores de 14 (quatorze) anos e, eventualmente, de terceiros. 

Contudo, a nova lei alterou os referidos dispositivos, dando nova redação ao inciso VII dos citados artigos:

VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua colaboração, na condição de: 

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: 

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; ou 

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; 

b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e  

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. 

Portanto, a partir da mudança legislativa, o segurado especial é a pessoa física que individualmente ou em regime de economia familiar esteja vinculado a imóvel rural, nele residindo ou em conglomerado urbano ou rural próximo, mesmo que auxiliado eventualmente por terceiros.


4 SEGURADO ESPECIAL NA CONDIÇÃO DE PRODUTOR QUE EXPLORE ATIVIDADE AGROPECUÁRIA

A principal mudança operada pela Lei nº 11.718/08 diz respeito à limitação do tamanho da propriedade do produtor rural que explora atividade agropecuária. Anteriormente, desde que o produtor rural exercesse a atividade agropecuária individualmente ou em regime de economia familiar, utilizando de auxílio eventual de terceiros, desde que estes não fossem seus empregados, era caracterizado como segurado especial, independente da área.

A partir da Lei nº 11.718/08, o produtor rural que exercer atividade agropecuária em área superior a 04 (quatro) módulos fiscais deve ser enquadrado como contribuinte individual, nos termos do inciso V, alínea “a”, dos arts. 12, da Lei nº 8.212/91 e 11, da Lei nº 8.213/91.

O enquadramento diferenciado em virtude do tamanho da propriedade impacta, fundamentalmente, na forma de contribuição do segurado. Enquanto o contribuinte individual contribui com uma alíquota de 20% (vinte por cento) sobre o salário de contribuição (art. 21, Lei nº 8.212/91), o segurado especial recolhe sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, em alíquotas definidas pelo art. 25, da Lei nº 8.212/91. Dessa forma, segurado especial não precisa efetuar o recolhimento mensal, mas só quando comercializa sua produção.

No entanto, em virtude desses segurados, na sua maioria, consumirem toda a produção, não há recolhimento à Previdência Social. Pensando nisso, o legislador infraconstitucional estabeleceu que para a concessão dos benefícios a que tem direito, o segurado especial deve comprovar o exercício da atividade rural no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício pleiteado, ainda que de forma descontínua, (art. 39, I, Lei nº 8.213/91).

Dessa forma, enquanto o produtor rural contribuinte individual tem a obrigação de comprovar a carência para a concessão dos benefícios do RGPS, o produtor, na categoria de segurado especial, necessita comprovar apenas o efetivo exercício da atividade rural, nos termos estabelecidos na legislação.


5 REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR – DEFINIÇÃO

Importante destacar que nos termos do art. 12, § 1º, da Lei nº 8.212/91, repetido pelo art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91:

§ 1º  Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. 

Ou seja, num regime de economia familiar, as atividades são desempenhadas pela família de modo que o trabalho dos seus membros é indispensável à subsistência e desenvolvimento socioeconômico da própria família.

O grupo familiar pode utilizar de empregados contratados por prazo determinado ou trabalhadores eventuais, na época de safra, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho (art. 11, § 7º, Lei 8.213/91).


6 MÓDULO FISCAL E PEQUENA PROPRIEDADE

Nos termos da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, módulo fiscal é uma unidade de medida expressa em hectares que indica o tamanho mínimo de uma propriedade rural capaz de garantir o sustento de uma família que exerce atividade rural naquele município. Cada município tem a autonomia de dimensionar os módulos fiscais, de acordo com o tipo de exploração predominante no seu território, a renda obtida com a exploração predominante e outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada (KERTZMAN, 2016).

A lei estabelece que o número de módulos fiscais de um imóvel deve ser calculado apenas sobre a área aproveitável total, considerada esta como a área passível de exploração agrícola, pecuária ou florestal, excluídas as áreas ocupadas por benfeitoria, floresta ou mata de efetiva preservação permanente, ou reflorestada com essências nativas e a área comprovadamente imprestável para qualquer exploração agrícola, pecuária ou florestal (art. 50, §§ 3º e 4º, Lei 4.504/64).

Utilizando-se da definição legal de módulo fiscal, a Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que dispões sobre a regulamentação dos dispositivos relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal, estabeleceu em seu art. 4º, que para efeitos dessa lei, a pequena propriedade rural é o imóvel rural de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento, conforme alteração trazida pela Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, e a média propriedade rural é o imóvel rural de área superior a 04 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais. Embora a lei não traga em seu bojo a definição de grande propriedade rural, presume-se que essas tenha área superior a 15 (quinze) módulos fiscais.

Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira; SOUZA, Renato Marcelo Pereira. A possibilidade de classificação do produtor que explora atividade agropecuária em área superior a quatro módulos fiscais como segurado especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5871, 29 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63806. Acesso em: 24 nov. 2024.

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