3. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Partindo-se do desenvolvimento do quanto se pretende realizar neste capítulo, será feita uma abordagem dos julgados em matéria de mandado de injunção perpetrados perante o Supremo Tribunal Federal importantes para demonstrar a evolução do posicionamento acerca do instituto dentro daquela Suprema Corte.
E para tanto, analisar-se-á o intervalo existente entre o primeiro precedente acerca do mandado de injunção, o MI 107, que fixou o entendimento da subsidiariedade do mandado de injunção aos efeitos da inconstitucionalidade por omissão, até o MI 708.
3.1 – Mandado de injunção 107
Passando ao deslinde do pretendido pelo presente capítulo, o primeiro precedente do STF sobre o mandado de injunção não conseguiu acolher a exegese definida pelo legislador constituinte originário e o que vinha sendo apregoado pela doutrina. O destacado precedente acabou por esvaziar completamente o instituto, dando ao mandado de injunção o mesmo efeito que seria perseguido pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Tal entendimento foi defendido pelo Ministro Moreira Alves, relator do MI 107, cuja tese sagrou-se vitoriosa, nos termos abaixo, in verbis:
Portanto, em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular do direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício esta inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê a ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, § 2º, da Carta Magna), com a determinação, se for o caso, da suspensão de processos judiciais ou administrativos referida no item anterior desse voto.
Assim fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito de competência desta Corte - que está devidamente definida pelo artigo 102, I, g – auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.)
Veja que, nos termos do voto proferido acima, quando se tratar de direito oponível contra o Estado, será determinada, também, a suspensão de todos os processos judiciais ou administrativos de que possa advir ao impetrante algum dano que não teria ocorrência se não houvesse a omissão inconstitucional.
A suspensão dos processos judiciais ou administrativos foi assim caracterizada, in verbis:
Se esta Corte, ao julgar o mandado de injunção impetrado por alguém declarar a omissão argüida como inconstitucional, não se limitará ela a cientificar o Poder omisso para que tome as providências necessárias ao suprimento, mas poderá determinar, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado mas cujo exercício está inviabilizado por omissão deste, que, enquanto esta não for suprida, suspendam os processos judiciais ou administrativos – o que alcança, evidentemente, até a ameaça de sua instauração – de que possa advir ao impetrante dano que não ocorreria se aquele direito fosse exercitável. É a conseqüência decorrente de não poder o Estado, por seus diversos Poderes e Órgãos, valer-se do principio de que não está obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, certo que é que esta não existe por inconstitucional omissão sua. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.)
Tal decisão teve como escudo o princípio constitucional da divisão funcional entre os Poderes, em que um Poder não poderia usurpar funções político-jurídicas atribuídas a outro. Assim, o Judiciário não poderia concretizar o direito do impetrante por meio de decisão que regulamentaria o direito obstado com eficácia inter partes, até que fosse editada norma com eficácia erga omnes pelo órgão competente.
A possibilidade da violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes foi colocada no voto do Ministro Celso de Melo, in verbis:
É preciso assinalar, no entanto, que o mandado de injunção não se destina a constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalo desempenho de funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas.
O mandado de injunção não é sucedâneo constitucional das funções político-jurídicas atribuídas aos órgãos estatais inadimplentes. Não legitima, por isso mesmo, a veiculação de provimentos normativos que se destinem a substituir a faltante norma regulamentadora sujeita a competência, não exercida, dos órgãos públicos. O Supremo Tribunal Federal não se substitui ao legislador ou ao administrador que se hajam abstidos de exercer a sua competência normatizadora. A própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico impõe ao Judiciário o dever de estrita observância ao princípio constitucional da divisão funcional do Poder. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.)
Outra preocupação que foi abordada no julgamento do MI 107 foi a questão da viabilidade prática da utilização do mandado de injunção se prevalente a natureza constitutiva de sua sentença.
A viabilização prática da sentença constitutiva do mandado de injunção foi posta em xeque pelo Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto, nos seguintes termos:
Ora, Sr. Presidente, o primeiro requisito da interpretação do instituto destinado a dar efetividade à Constituição é a viabilidade prática de sua utilização. E estou convencido de que a solução constitucional afinal imposta na Constituição para o sistema de competência jurisdicional do mandado de injunção inviabilizaria a sua prática, se entendido o instituto como via processual de suprimento inter partes da omissão normativa, que é a corrente, que é a tese, por exemplo, sustentada pela mesma autoridade de Galeno Lacerda e também do ilustre Juiz Ivo Dantas, em preciosos estudos doutrinários, pioneiros, logo após a promulgação da Constituição.
Veja-se, por exemplo, todo o capítulo dos direitos trabalhistas, onde talvez esteja o maior número de direitos constitucionais dependentes de solução regulamentadora em relação aos quais se teria, na fórmula do eminente Professor Galeno Lacerda, para reivindicação pelo empregado contra seu patrão, a solução de uma ação ordinária, da competência originária do Supremo Tribunal Federal, para cada trabalhador. Ora, essa solução, de absoluta e patente inviabilidade, não pode estar no intuito da Constituição. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.)
Discordando totalmente do entendimento esposado pelos seus colegas, o Ministro Carlos Veloso sustenta a tese no sentido de se estabelecer o caráter
substancial do mandado de injunção, pelo que faz o mesmo as vezes da norma infraconstitucional ausente e integra o direito ineficaz, ineficaz em razão da ausência da norma regulamentadora, à ordem jurídica. Quer dizer, mediante o mandado de injunção, o juiz cria, para o caso concreto, a norma viabilizadora do exercício do direito, ou, como ensina Celso Barbi, adota “uma medida capaz de proteger o direito reclamado”, solução que se põe de “acordo com a função tradicional da sentença, que é resolver o caso concreto levado ao Poder judiciário, mas limitando a eficácia apenas a esse caso, sem pretender usurpar funções próprias de outros poderes.” (Conf. Meu artigo “As Novas Garantias Constitucionais”, RDA, 177/14, 24).
Divirjo, portanto, data vênia, do entendimento segundo o qual com o mandado de injunção, simplesmente dá-se ciência ao órgão incumbido de elaborar a norma regulamentadora de que está ele omisso. Esse entendimento, data vênia, esvazia a nova garantia constitucional do mandado de injunção, que tem por escopo, segundo está na Constituição, art. 5º, LXXI, viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e a cidadania. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.
3.2 – Mandado de injunção 232
Da posição inicialmente adotada pelo STF, uma pequena evolução se apresenta no julgamento do MI 232, pois, além de declarar a mora do Poder competente, fixou prazo de seis meses para que o mesmo adotasse as providências legislativas necessárias, com vistas a regulamentar norma carente de disciplina constitucional.
Ultrapassado o lapso temporal fixado, o impetrante do mandado de injunção e titular de direitos e liberdades constitucionais, e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, imediatamente passaria a exercer aquilo que até então o estava obstando.
Esse entendimento foi, mais uma vez, sustentado pelo Ministro Moreira Alves, relator do presente processo, que afirma não haver dúvidas da edição da lei aludida no § 7º do artigo 195 da Constituição, e que, por isso,
e tendo em vista o disposto no artigo 5º do Ato das Disposições Constituição Transitórias, está caracterizada a mora inconstitucional do Congresso.
Assim, conheço, em parte, do pedido, e, nessa parte, o defiro para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar a requerente a gozar da imunidade requerida. (STF, DJ de 27-3-92, MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-8-91.)
Concluindo pela fixação do prazo e vencido o mesmo com o cumprimento da obrigação determinada, vindo a tona o diploma legal provocado, adverte o Ministro Marco Aurélio que haverá uma alcance ilimitado quanto as partes envolvidas no mandado de injunção, contrariando a mens legis da norma constitucional, que outro não é senão tornar eficaz um direito previsto na Carta, beneficiando apenas o impetrante.
3.3 – Mandado de injunção 283
Com o MI 283, o prazo para que o legislador ultimasse o processo legislativo da lei regulamentadora diminuiu, passando a ser de quarenta e cinco dias, mais quinze dias para sanção presidencial. Caso não fossem tomadas as providências cabíveis nos prazos assinados, ficaria reconhecida ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida pelas perdas e danos que se arbitrassem.
Quem definiu os contornos desse entendimento foi o Ministro Sepúlveda Pertence, relator do processo, assim julgando:
Verificando iniludivelmente a superação do prazo constitucional assinado para a edição da lei, concede-se o mandado de injunção com seus efeitos específicos de declarar a mora legislatoris inconstitucional e comunicar a decisão ao Congresso Nacional para que supra a omissão.
Como, entretanto, a persistência da omissão legislativa pode acarretar frustração irreparável à expectativa de gozo pelo impetrante da reparação reparatória devida pela União, cabe acautelá-los dos riscos da demora, na medida do possível.
Para isso, acolho solução arbitrada, nos seguintes termos:
a) assino prazo de 45 dias, mais 15 dias para sanção presidencial, afim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada pelo art. 8º, § 3º, ADCT;
b) ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconheço ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrarem;
c) declaro que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável. (TF, DJ de 14-11-91, MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 20-03-1991.)
3.4 – Mandado de injunção 284
Com o MI 284, cuja causa de pedir é semelhante à causa de pedir do MI 283, cessado o prazo de 45 dias, mais os 15 dias para sanção presidencial, sem que fosse adimplida a obrigação de legislar do Congresso Nacional, não seria necessária nova comunicação, assegurando ao impetrante a possibilidade de ajuizar, imediatamente, ação de rito ordinário para se buscar a reparação.
Esse entendimento foi assim esposado:
Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional — único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada — e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n. 283, rel. Min. Sepúlveda Pertence, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório. (STF, DJ de 26-6-92, MI 284, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-91)
3.5 – Mandado de injunção 361
Ao ver que o descumprimento tanto do Legislativo quanto do Executivo comprometeria a seriedade de suas decisões, culminando com a sua vulgarização, a não fixação de prazo para o suprimento da omissão legislativa seria a tônica nas ações de mandado de injunção na Suprema Corte, ainda que, tal postura se revestisse de uma coercitividade mitigada.
Esse precedente foi aberto pelo MI 361, após dissidência do Ministro Sepúlveda Pertence, in verbis:
Mora legislativa: exigência e caracterização: critério de razoabilidade. A mora — que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa — é de ser reconhecida, em cada caso, quando, dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário à efetividade da Lei Fundamental; vencido o tempo razoável, nem a inexistência de prazo constitucional para o adimplemento do dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumpri-lo podem descaracterizar a evidência da inconstitucionalidade da persistente omissão de legislar. (...) Mandado de injunção: natureza mandamental (MI 107-QO, M. Alves, RTJ 133/11): descabimento de fixação de prazo para o suprimento da omissão constitucional, quando, por não ser o Estado o sujeito passivo do direito constitucional de exercício obstado pela ausência da norma regulamentadora (v.g., MI 283, Pertence, RTJ 135/882) —, não seja possível cominar conseqüências à sua continuidade após o termo final da dilação assinada. (STF, DJ de 17-6-94, MI 361, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 8-4-94.)
3.6 – Mandado de Injunção 708
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mandado de injunção 708, determinou a aplicação de norma supletiva até que a omissão fosse regulamentada. O julgado trata da Lei nº 7.783/89 para assegurar o direito de greve dos servidores públicos.
O STF vem se posicionando de modo mais intenso no tocante a aplicabilidade do remédio constitucional, passando, então, a adotar uma nova postura, em que o decisum não mais declarava apenas a omissão do Legislativo quanto a edição de norma que regule determinado direito previsto na Carta Magna. Além disso, declarada a omissão, determina prazo para que seja sanado o vício, ou seja, a omissão e, decorrido tal prazo, seja aplicado lei que se aplica ao caso concreto de forma subsidiária, como o MI – 708.
O que o Supremo Tribunal Federal vem aplicando é uma quebra da estrutura política do Estado Brasileiro, mas tendo como guarida a solução de um direito, em detrimento da morosidade do Poder Legislativo. Importante trazer à baila a ementa do julgado:
MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS NOS 7.701/1988 E 7.783/1989. (STF, DJ DE 25/10/07, MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 31/10/08)
Denota-se, a partir deste precedente, que o STF adotou uma postura mais ativa, com relação a aplicação de um direito previsto constitucionalmente, mas que não havia previsão legal em razão da inatividade do Legislativo.
De todo o exposto, na decisão do MI 708, é de grande valia tecer alguns aspectos com relação as sentenças manipulativas de efeitos aditivos. Essas sentenças que guardam efeitos aditivos se caracterizam por conferir a uma norma que falta parte de texto normativo, sem a qual é declarada inconstitucional, o Judiciário atua no sentido de suprir a omissão legislativa, criando regras e, assim, garantindo a adequação da norma à Constituição e a aplicação da norma em questão ao caso concreto.
A decisão da Corte de aplicar aos servidores públicos civis as mesmas regras dos servidores privados, previstas nas Leis 7.701/1988 e 7.783/1989, e, também, a decisão de fixar prazo de 60 dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria caracterizam a sentença como aditiva.