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Proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e adolescentes

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Você sabia que as crianças e adolescentes também têm esses direitos? Entenda sobre a competência para as chamadas ações civis públicas, prevista no ECA, e demais particularidades desse outro viés de proteção ao menor.

Resumo: O artigo examina a proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e adolescentes disciplinada nos artigos 208 a 224 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como instrumentos extrajudiciais de proteção de interesses coletivos (Inquérito Civil Público e o Termo de Ajustamento de Conduta) e a Ação Civil Pública.

Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Proteção judicial. Tutela extrajudicial. Ação Civil Pública.

Sumário: Introdução. 1. Os direitos individuais, difusos e coletivos na ordem jurídica de 1988. 2. A tutela de direitos na justiça âmbito da Justiça da Infância e da Juventude. 3. Proteção extrajudicial dos direitos coletivos e difusos: o Termo de Ajustamento de Conduta. 4. Ação civil pública para a defesa dos direitos individuais e coletivos das crianças e adolescentes. 5. Procedimento judicial nas Varas da Infância e da Juventude. Conclusão.


Introdução

A proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e adolescentes encontra-se disciplinada nos artigos 208 a 224 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Referidos dispositivos trazem normas específicas para o procedimento judicial nos Juízos da Infância e da Juventude, partindo da premissa de que é necessário tratamento diferenciado no plano processual, à luz das especificidades do direito material assegurado, que tem como elemento nuclear o princípio da proteção integral e da absoluta prioridade dos interesses do menor.

Neste estudo, analisa-se, pormenorizadamente, os dispositivos mencionados, com vista a uma compreensão adequada das regras específicas em torno da tutela judicial dos direitos individuais e coletivos das crianças e adolescentes. No ensejo, são examinados instrumentos extrajudiciais de proteção de interesses coletivos (Inquérito Civil Público e o Termo de Ajustamento de Conduta) e a Ação Civil Pública, como forma especial de procedimento judicial apto à defesa de direitos difusos e coletivos stricto sensu.


1. Os direitos individuais, difusos e coletivos na ordem jurídica de 1988

A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu título II, trata dos chamados Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Tais direitos não se restringem aos constantes no art. 5º da Carta Magna, podendo ser encontrados ao longo do texto constitucional, expressos ou decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição, ou ainda, provenientes de tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja parte. (LENZA, 2014, p. 1055)

“Os direitos individuais correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como, por exemplo, o direito à vida, à dignidade, à liberdade” (PAULO; ALEXANDRINO, 2012, p. 111). Tais direitos estão previstos no art. 5º da Constituição, que abrange os direitos fundamentais, inclusive os coletivos, dos quais são exemplos o direito de reunião, o direito de associação e o mandado de segurança coletivo.

Acerca dos direitos individuais, difusos e coletivos, Adão Bonfim Bezerra (2010, p. 1) traz a seguinte diferenciação:

a) Interesse individual – é o que se refere a um só indivíduo e, por essa razão, sujeita-se, quase sempre, à manifestação do próprio interessado diretamente em juízo. Os interesses individuais relativos à infância e à adolescência são indisponíveis, por isso compreendidos na esfera de atribuição. O Ministério Público, à luz do art. 201, V, do ECA, e  veja-se com exclusividade, porquanto o ECA, em seu art. 210, ao elencar os legitimados para a ação civil concorrentemente com o Ministério Público, limitou-se às ações fundadas em interesses coletivos e difusos, coerentemente com a linha adotada pela Lei 7.347, de 24.7.85. Isto faz concluir que a única legitimação para a ação civil fundada em direito individual relativo à infância e à juventude é estabelecida com exclusividade para o Ministério Público, ao cotejo da regra de legitimação do art. 210 c/c o art. 201, V,do ECA, consonantemente com o art. 127, caput, da CF, mesmo que a indisponibilidade seja por inferência legal; isto é, se algum interesse relativo à infância e à juventude não for indisponível conceitualmente, sê-lo-á por ficção legal.

b) Interesse difuso – diz respeito a uma pluralidade de pessoas, sem que uma só delas tenha legitimação para defendê-lo em seu próprio nome. Por natureza, o interesse difuso é imensurável em termos de manifestação de seus destinatários. Não se pode determinar com precisão quais os indivíduos que se encontram concretamente em situação de interesse comum. É o que se dá no art. 220, § 311,lI, da CF quanto à produção e programação das emissoras de rádio e televisão, atendendo aos princípios de preferência e finalidades, promoção da cultura nacional e regional e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, consagrados no art. 221 da mesma CF. O interesse difuso, sobre o individual e o coletivo, é o que mais se avulta como interesse público, porque não se contém no universo de um grupo determinado.

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c) Interesse coletivo – a soma de interesses individuais faz o interesse coletivo, o que equivale a poder ser definido em relação a um só indivíduo como em relação a qualquer de seus beneficiários. Contrariamente ao interesse difuso, o interesse coletivo é de possível quantificação quanto a quem o possa invocar individualmente. Antes do advento da Constituição Federal de 1988, o exercício da defesa do interesse coletivo se dava pela ação das várias individualidades a quem assistia.

O art. 5º da CF/88 em seu caput enumera cinco direitos fundamentais que são básicos, dos quais os demais direitos são desdobramentos, a saber: a) direito à vida; b) direito à igualdade; c) direito à liberdade; d) direito à segurança; e, e)  direito à propriedade. Esses direitos são assegurados aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil.


2. A tutela de direitos na justiça âmbito da Justiça da Infância e da Juventude

Em se tratando de crianças e adolescentes, compete à Justiça da Infância e da Juventude a apreciação da violação de direitos individuais, assim como dos direitos coletivos e difusos. Ademais, é da competência desses órgãos jurisdicionais o exercício do controle de entidades de atendimento por meio de fiscalização e aplicação das medidas cabíveis às instituições que infrinjam preceitos garantidores de direitos das crianças e dos adolescentes. (VANNUCHI; OLIVEIRA, 2010, p. 68)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), depois de disciplinar todas as medidas de proteção judicial dos interesses do menor, sejam eles individuais, coletivos ou difusos, passa a dispor nos arts. 208 a 224 sobre as regras aplicáveis para as ações em defesa desses interesses. Tais procedimentos, encontram-se dispostos no capítulo intitulado “Da proteção judicial do Interesses Individuais, Difusos e Coletivos”. Trata-se de tópico relevante, pois leva em conta os fins sociais, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e, mais importante: a proteção integral e o respeito à condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento que necessitam de proteção.

Abre-se espaço à intervenção do Poder Judiciário como forma de garantir sua plena efetivação à proteção integral infanto-juvenil, prometida no art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante da extrema relevância dos direitos e interesses que estão em jogo, assim como da clareza dos deveres impostos fundamentalmente ao Poder  Público para com suas crianças e adolescentes e do alcance do princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, a mencionada intervenção judicial pode se dar da forma mais ampla possível, através de todas as espécies de ações pertinentes (art. 212, do ECA), tanto no plano individual quanto coletivo. (DIGIÁCOMO, 2013, p. 308)

No artigo inaugural deste capítulo do Estatuto (art. 208), o legislador trata dos direitos individuais da criança e do adolescente. Aborda sobre o ensino obrigatório, o atendimento especializado para portadores de deficiência, creche, ensino noturno, programas suplementares, serviço de assistência social, saúde e profissionalização. In verbis:

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

I - do ensino obrigatório;

II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;

III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

IV - de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

V - de programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental;

VI - de serviço de assistência social visando à proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem;

VII - de acesso às ações e serviços de saúde;

VIII - de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.

IX - de ações, serviços e programas de orientação, apoio e promoção social de famílias e destinados ao pleno exercício do direito à convivência familiar por crianças e adolescentes. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) X - de programas de atendimento para a execução das medidas socioeducativas e aplicação de medidas de proteção. (Incluído pela Lei nº 12.594, de 2012)

§ 1o As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei. (Renumerado do Parágrafo único pela Lei nº 11.259, de 2005)

§ 2o A investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido.  (Incluído pela Lei nº 11.259, de 2005) (BRASIL, 1990, p. 1)

Nesse dispositivo, é perceptível a preocupação do legislador sobretudo com a educação, aliás pertinente, porque esta é um dos campos que mais contribuem para que acriança ou adolescente desenvolva plenamente sua personalidade. Sobre essa temática, Roberto João Elias faz importantes comentários sobre os incisos do art. 208 do Estatuto. Segundo o autor, o inciso I trata do ensino obrigatório, também conhecido como ensino fundamental, antes denominado de “primeiro grau”, e que, consoante o art. 208, I, da CF/88, deve ser obrigatório e gratuito. O inc. II, por sua vez, assegura a educação especializada aos portadores de deficiência, já que a Constituição se limita a tratar o assunto de forma ampla (art. 227, § 2º). O inc. IV refere-se ao ensino noturno, que é preceito constitucional (art. 2017, VI), de forma que o adolescente que trabalha possa continuar estudando.

Há preocupação, ainda, com a escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade, e com a convivência familiar (incisos VIII e IX), possibilitando a transformação pelo estudo daqueles que cometeram atos infracionais e, em ação socioeducativa, sofreram medida de internação ou de semiliberdade. O inciso III trata do atendimento em creche e pré-escola, que é direito das crianças de zero a seis anos, conforme o art. 208, IV, da Lei Maior. No que tange à área educacional, há também a questão do material didático, do transporte e da assistência à saúde, sempre em consonância com o princípio fundamental da legislação, que é a proteção integral do menor. Os incisos VI e VII referem-se a direitos que atingem, além da criança e do adolescente, sua família. Isso com respeito ao princípio do art. 227 da Constituição, que também é cuidado nos arts. 19 a 24, referentes ao direito à convivência familiar e comunitária. O inc. IX referência à convivência familiar, direito fundamentalmente consagrado pela Constituição. (ELIAS, 2010, p. 286-287)

Considerando ainda o mesmo dispositivo, verifica-se, de seu parágrafo primeiro, que o rol disposto no artigo 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente não é exaustivo. Portanto, qualquer outro direito reconhecido pela ordem jurídica pode ser demandado através do Judiciário. Importa que os adolescentes e as crianças sejam concedidos todos os direitos que constam no ECA e na Carta Magna.

O parágrafo segundo do mesmo art. 208 do ECA reflete a preocupação legislativa de que o desaparecido, seja criança ou adolescente, seja levado para outra localidade. Desse modo, deve ser providenciada, imediatamente, a notificação do fato não só à polícia, mas também a outros órgãos, com a finalidade localizar o menor o mais rápido possível. Portos, aeroportos e companhias de transporte internacional também devem, de igual modo ser comunicadas, para que fiquem em estado de alerta, tudo com o fito de impedir uma transferência indevida.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao enumerar as ações de responsabilidade resultantes do não oferecimento ou da oferta irregular de serviço público necessário ao cumprimento da proteção integral à criança e ao adolescente, o fez de forma exemplificativa, tanto que o parágrafo único do art. 208 expressamente o diz, na medida em que afirma que aquelas hipóteses que não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da criança e do adolescente, protegidos pela Constituição e pela lei.

Nesse rol de ações visando a outros interesses próprios da criança e do adolescente protegidos pela ordem jurídica, são enumeradas várias ações, dentre elas: ações destinadas a promover reforma em entidades de atendimento à criança e ao adolescente; ações destinadas a promover a construção de casas de abrigo e internação para crianças e adolescentes; ações na área da saúde, dentre outras. (BEZERRA, 2010, p. 1)


3. Proteção extrajudicial dos direitos coletivos e difusos: o Termo de Ajustamento de Conduta

Por interesses coletivos deve-se entender aqueles que se referem a um determinado número de pessoas, ligadas por um mesmo vínculo jurídico. A tutela dos interesses coletivos é uma das atribuições precípuas do Ministério Público, não obstante este também possa atuar para a defesa dos interesses individuais, desde que indisponíveis (art. 201, V, CF/88). No caso dos interesses coletivos e difusos das crianças e adolescentes, como visto, a legitimidade é concorrente entre o Ministério Público e as pessoas da União, Estados, Distrito Federal e Territórios, além das associações legalmente constituídas há pelo menos um ano que tenham em seus objetivos a defesa dos interesses protegidos pelo ECA.

No caso dos órgãos legitimados para a propositura de ação coletiva em defesa dos interesses coletivos e difusos, a tutela pode ocorrer, inicialmente, em uma fase pré-processual, consistente na instauração de um procedimento administrativo de finalidade investigatória e instrutória, que, no âmbito do Ministério Público, recebe o nome Inquérito Civil Público. Diversos instrumentos de controle são passíveis de utilização nesse contexto, a exemplo da Recomendação e, com especial destaque, do Termo de Ajustamento de Conduta, este último com previsão expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 211. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial. (BRASIL, 1990, p. 1)

O compromisso que trata o art. 211, somente pode ser tomado por órgãos públicos. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é um título executivo extrajudicial, no qual o investigado se compromete a cessar a causa de dano de imediato, ou em fixar algumas condições e prazos para cessar tal causa. “Não pode o MP acordar a permissão de se praticar a conduta lesiva, ou seja, não pode dispor do interesse público, mas tão somente ajustar condições de seu atendimento”. (DIBO, 2006, p. 1)

No caso de descumprimento das obrigações e cláusulas estabelecidas no TAC, o celebrante pode sofrer astreintes, como a execução de multa fixada no próprio termo, além de execução forçada da obrigação de fazer ou de não fazer a qual se obrigou. (DIBO, 2006, p. 1)

Sobre a autora
Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva Lima

Advogada inscrita na OAB/PE. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE), Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro/RJ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Maceió/AL. Bacharel em Secretariado Executivo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Erika Cordeiro Albuquerque Santos Silva. Proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e adolescentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5587, 18 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65267. Acesso em: 24 nov. 2024.

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