Não se sabe ao certo a partir de quando os seres humanos passaram a discutir sobre qual o conceito de dignidade enquanto valor intrínseco, que torna o homem, um ser ímpar entre os demais animais. Porém, há relatos históricos de que o embrião dessa terminologia foi gerado no mundo antigo, através do ideal grego de construir um homem com validade universal e normativa.
Os Códigos de Hammurabi e Manu e as Leis das XII Tábuas são entendidos como os códigos mais primitivos a trazer o conceito de dignidade da pessoa humana.
Conforme Sarlet, na antiguidade o termo dignidade (dignitas), possuía um sentido de quantificação e modulação, uma vez que era atribuída pela posição ocupada pelo indivíduo na sociedade, bem como o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, possibilitando determinar a existência de pessoa mais digna ou menos digna.
Foi somente com (São) Tomás de Aquino, centrado na ideia de que o homem, enquanto pessoa e imagem de Deus, além de existir por si é capaz em virtude da sua racionalidade, agir por si, ou seja, por causalidade própria, que esta palavra assumiu uma conotação de qualidade ínsita do ser humano. Esse livre arbítrio de determinar a sua própria existência e o seu destino, lhe confere uma superioridade em relação a todas as outras criaturas. Superioridade essa, que Tomás de Aquino intitulou de dignidade.Esse ideal de dignidade provinda de uma natureza humana e racional foi consolidada por Immanuel Kant, que contextualiza essa abordagem, explicando a diferenciação entre os seres irracionais (susceptíveis de serem avaliados como objetos) e racionais (que caracterizam-se com fim em si mesmo. Não pode ser empregado como simples meio desta ou daquela vontade).
Kant compreende que a racionalidade do homem o permite desfrutar de uma liberdade (autodeterminação) para legislar e, ao mesmo tempo, só obedecer àquelas leis que ele mesmo se dá. Essa liberdade – que faz o homem se – Kant a denominou de autonomia da vontade, princípio supremo da moralidade.
Atualmente, o princípio da dignidade da pessoa humana é baliza fundamental para uma sociedade democrática de direito, consagrada em vários textos e tratados internacionais e um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
De forma brilhante, Alexandre de Moraes discorre sobre o tema:
“A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.”.
Do Processo de construção histórica dos direitos humanos até os dias atuais, vedam qualquer discriminação associada ao exercício pleno dos direitos civis, culturais, econômicos, sociais e políticos, e os direitos sexuais (orientação sexual, identidade de gênero etc.) é parte indissolúvel da promoção da igualdade entre homem e mulher e, por tal motivo, cabe ao Estado adotar as medidas necessárias para eliminar toda a forma de preconceito ou discriminação.
Esses direitos são relacionados ao desenvolvimento ou progresso, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e ao direito de comunicação.
O Estado de São Paulo, em 05 de novembro de 2001, publicou a Lei 10.948/01 com o fito do atender o mandamento constitucional que estabelece como sendo a liberdade, a igualdade e a autonomia individual princípios orientadores da atuação do Estado e impõe que políticas públicas sejam destinadas à promoção da cidadania e respeito às diferenças humanas, incluídas as diferenças sexuais.
O referido estatuto legal estabelece punições a serem aplicadas quando da ocorrência de práticas discriminatórios de orientação sexual, além de elencar outras providências que deverão ser seguidas.
As punições às práticas de atos discriminatórios alcançam todos os cidadãos, servidores públicos ou não, e até mesmo as organizações sociais ou empresas privadas, com ou sem fins lucrativos.
O ato discriminatório será apurado por meio de processo administrativo instaurado pela Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, e as punições aplicadas são de: advertência; multa; suspensão da licença pelo período de 30 (trinta) dias; cassação da licença, se empresa privada. Já para os servidores e empresas públicas serão aplicadas as penalidades constantes no estatuto dos servidores públicos do Estado de São Paulo.
Visando estender as garantias concedidas, em 17 de março de 2010, foi editado em São Paulo o Decreto 55.588/10 estabelecendo o tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis devem pelos órgãos públicos do Estado de São Paulo
Sobre a aplicação do regramento, estabelece seu artigo 1º:
Fica assegurado às pessoas transexuais e travestis, nos termos deste decreto, o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito da Administração direta e indireta do Estado de São Paulo.
A escolha do prenome caberá à pessoa indicada, independentemente de decisão judicial e deverá constar no seu cadastro e utilizado como forma de chamamento pessoal.
Nos documentos oficiais, além do prenome anotado no registro civil, deverá constar também o prenome escolhido. Vale destacar que nos documentos obrigatórios de identificação e de registro civil serão emitidos respeitando as legislações próprias.
O descumprimento da norma acarretará na instauração de processo administrativo funcional, a ser apurado pelo órgão responsável nos termos estabelecidos pelo Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo, Lei 10.261/68.
Confirmando a sua busca histórica no respeito supremo aos direitos humanos e às liberdades individuais, a Secretaria de Administração Penitenciária Paulista, em 30 de janeiro de 2014, publicou a Resolução SAP n.º 11 elevando ainda mais a atenção às travestis e transexuais no âmbito do Sistema Penitenciário Paulista.
Seu objetivo, portanto, é a preservação do direito de orientação sexual e de identidade de gênero , quer seja do preso ou da presa e de seus visitantes.
Nesse diapasão, o referido ato administrativo normativo preconiza as seguintes garantias, ressalvadas as devidas observâncias de segurança e disciplina, considerando as particularidades de cada estabelecimento prisional:
• A utilização de peças de roupa íntima, feminina ou masculina, de acordo com o gênero sexual.
• A facultatividade às travestis femininas da manutenção do cabelo na altura dos ombros, durante a manutenção da prisão provisória ou durante a execução penal.
• Havendo interesse por parte de presos ou presas travestis ou transexuais, as Unidades Penais poderão viabilizar, mediante a devida análise, a criação cela ou ala específica para os mesmos, desde que tal medida não caracterize segregação social ou forma de discriminação negativa em razão da identidade de gênero ou orientação sexual.
• A pessoa submetida à “cirurgia de redesignação sexual” privada de sua liberdade em decorrência de decisão da Justiça Criminal poderá ser incluída em Unidades Penais correspondente ao seu sexo, devendo ainda ser providenciado, por ato de ofício da Administração Penitenciária, a regularização do prenome social de registro civil.
• No ato da inclusão na Unidade Penal, o travesti e o transexual deve ser informado do seu direito de receber o tratamento nominal correspondente ao seu gênero sexual e solicitar o uso do prenome social no formulário de admissão prisional e durante todos os atos e procedimentos formais da SAP.
• O prenome social deverá ser inserido em campo específico nos sistemas informatizados de registro e controle da população prisional, assim como deverá acompanhar o prenome anotado no registro civil do preso ou da presa travesti ou transexual, quando da emissão de documentos oficiais.
• A possibilidade de manifestar, por escrito ou verbalmente a qualquer funcionário, durante a manutenção da prisão provisória ou da execução penal, o interesse da adoção do prenome social.
Já com relação aos travestis ou transexuais qualificados como visitantes de presos, a Resolução SAP n.º 11/2014, assegura as seguintes condições:
• Devem ser informados do seu direito de receber o tratamento nominal correspondente ao seu gênero sexual e solicitar o uso do prenome social no formulário de cadastramento de visitantes e durante todos os atos e procedimentos formais da SAP.
• O prenome social, sem prejuízo do prenome constante no registro civil, deve ser inserido em campo específico nos sistemas informatizados de controle de visitantes.
• O procedimento de revista para ingressar nas Unidades Penais para visitação deve ser realizado por Agente de Segurança Penitenciária do mesmo sexo biológico da visitante travesti ou transexual.
• Quando se tratar de visitante submetida à cirurgia de redesignação sexual, o procedimento de revista para o ingresso na Unidade Penal deverá ser efetuado por Agente de Segurança Penitenciária do mesmo sexo.
Por fim, imperioso destacar que o ato administrativo normativo em apreço, também preconizou as seguintes regras programáticas:
• As Unidades Penais, por meio de seus Setores de Saúde, providenciará a atenção à saúde e cuidados dos presos e das presas travestis e transexuais, conforme suas necessidades.
• À Coordenadoria de Saúde do Sistema Penitenciário caberá definir e harmonizar os procedimentos a serem adotados em todas as Unidades Prisionais, respeitando à diversidade, articulando com a Rede de Saúde Pública para adequado atendimento da demanda.
• Deverão ser tomadas providências no âmbito das Unidades Penais no sentido de assegurar aos presos e às presas travestis e transexuais, a oportunidade de participarem de cursos de educação e qualificação profissional, bem como de atividade laborativa, de modo a contribuir para o processo de reintegração social e autonomia econômica.
• Ficará a encargo da Escola de Administração Penitenciária o desenvolvimento de atividades formativas junto ao corpo funcional, para a efetivação dessa resolução e realização de campanhas educativas sobre a temática diversidade e orientação sexual e identidade de gênero.
A resolução SAP nº 11, editada pela Secretaria de Administração Penitenciária, buscou enfatizar a necessidade do respeito à proteção da diversidade sexual pelos seus servidores, com plena obediência ao princípio constitucional da legalidade e nos termos de sua competência.
“As Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica.”.
A resolução nº 11 complementou assunto já tratado na lei estadual nº 10.948/01 e Decreto Paulista 55.588/10, disciplinando a forma de atuação na atividade penitenciária, visando garantir o direito de orientação sexual.