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As astreintes e o novo Código de Processo Civil

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Agenda 21/04/2018 às 11:40

7 HIPÓTESES DE CABIMENTO                                                                 

As astreintes têm cabimento na execução das obrigações de entrega de coisa, na execução das obrigações de fazer e de não fazer. São devidas nas obrigações de fazer do tipo fungível, assim como nas do tipo infungível[7]. Exclui-se a sua aplicação, contudo, em relação às obrigações de emitir declaração de vontade, considerando-se que, nesse caso, a própria sentença, uma vez transitada em julgado, produz o efeito da vontade não declarada[8].

Nas obrigações de pagar importância em dinheiro o entendimento tradicional é pelo não cabimento da multa diária, valendo lembrar da existência de mecanismos próprios para expropriação de bens e da existência de multa específica no art. 523, do CPC, de 10% (dez por cento), para o caso de não pagamento da dívida no prazo de 15 (quinze) dias. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “A multa é meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial” (EREsp 770.969/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 28-06-2006, DJ 21-08-2006, p. 224).

O art. 139, inc. IV, do novo Código de Processo Civil, contudo, parece abrir novos rumos sobre a matéria, ao prever que incumbe ao Juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Tenho que a atipicidade dos meios executivos contemplada no preceptivo dá espaço para o Magistrado fixar astreintes também no caso de descumprimento de obrigação pecuniária. Nesse particular, merece profusa atenção os critérios de proporcionalidade e de razoabilidade na fixação do valor da multa notadamente porque havendo inadimplemento de obrigações pecuniárias já ocorrerá a incidência de juros moratórios e de correção monetária.

Demais, as astreintes podem ser fixadas nas execuções de títulos extrajudiciais de dar, de fazer e de não fazer (art. 806, §1º e 814), assim como no processo sincrético, seja no módulo cognitivo ou no executivo (art. 537). Vale mencionar ainda que a multa poderá ser fixada na sentença ou em decisão que conceda tutela provisória.


8 CREDOR DAS ASTREINTES                                                                    

No CPC de 1973 não havia dispositivo estabelecendo para quem o valor das astreintes deveria ser destinado, registrando Araken de Assis[9] que, no sistema alemão, as astreintes são devidas ao Estado. A orientação da doutrina sempre foi no sentido de que o valor das astreintes deve ser destinado ao credor[10]. Realmente, o maior prejudicado com a demora no cumprimento da obrigação, é o próprio credor, de modo que nada se afigura mais justo do que o valor dela ser revertido em seu proveito.

O art. 537, §2º, do novo Código de Processo Civil prevê que “O valor da multa será devido ao exequente”. Mas em se tratando de multa estabelecida em ação civil pública, o valor dela deverá ser destinado ao fundo mencionado no art. 13, da Lei n. 7.347/85. Por sinal, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “A multa cominatória, em caso de descumprimento da obrigação de não fazer, deverá ser destinada ao Fundo indicado pelo Ministério Público, nos termos do art. 13 da Lei n. 7.347/85” (REsp 794.752/MA, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16-03-2010, DJe 12-04-2010).


9 PERIODICIDADE DA MULTA                                                                 

As astreintes podem ser fixadas para incidência diária ou para qualquer outra unidade de tempo. O magistrado poderá até mesmo utilizar a hora como unidade para fins de incidência da multa. A cominação de astreintes, portanto, não encontra limite na unidade temporal “dia”. Daí o porquê de certo segmento da doutrina se referir às astreintes como multa periódica[11].

Sobre a matéria, a doutrina de qualidade afirma que “apesar de ser a periodicidade diária a mais frequente na aplicação da multa coercitiva, o juiz poderá determinar outra periodicidade – minuto, hora, semana, quinzena, mês-, bemo como determinar que a multa seja fixa...”[12].


10 CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO

O CPC de 1973 não estabelecia um critério para fixação do valor das astreintes, mas a jurisprudência supriu a lacuna apontado os critérios de razoabilidade e de proporcionalidade como balizadores para fixação do quantum. Por sinal, o colendo Superior Tribunal de Justiça assentou que “Somente em casos excepcionais, quando a quantia arbitrada se mostrar exorbitante ou insignificante, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, admite-se rever o valor da multa diária aplicada pelas instâncias ordinárias” (AgInt no AREsp 747.974/MS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 22-08-2017, DJe 03-10-2017).

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O novo Código de Processo Civil no art. 537 prevê critérios expressos para fixação do valor da multa, ao estabelecer que ela deve ser “suficiente e compatível com a obrigação”. Entendo que “Suficiência” e “compatibilidade” são expressões que não destoam dos critérios já adornados pela jurisprudência de proporcionalidade e de razoabilidade, valendo mencionar ainda que o novo Código de Processo Civil estabelece no art. 8º que “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

Nelson Nery Júnior[13] sustenta que “o valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória”. Parece, data venia, que a multa não deve ser obrigatoriamente alta, devendo adequar-se ao caso concreto porque uma multa de mil reais por dia de atraso, por exemplo, para um devedor que recebe quinhentos reais por mês provavelmente não terá qualquer eficácia. Por isso mesmo, a multa deve ser fixada em valor adequado para o caso concreto, devendo o magistrado pautar-se nos elementos de prova dos autos e nos critérios de razoabilidade e de proporcionalidade.

Sobre a matéria, Daniel Amorim Neves afirma que “a tarefa do Juiz, no caso concreto, não é das mais fácil. Se o valor da multa não pode ser irrisório, porque assim sendo não haverá nenhuma pressão sendo efetivamente gerada, também pode ser exorbitante, considerando que um valor muito elevado também desestimula o cumprimento da obrigação”[14].

Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “O arbitramento da multa coercitiva e a definição de sua exigibilidade, bem como eventuais alterações do seu valor e/ou periodicidade, exige do magistrado, sempre dependendo das circunstâncias do caso concreto, ter como norte alguns parâmetros: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e de resistência do devedor; iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss)” (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Rel. p/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17-11-2016, DJe 14-12-2016).


11 FIXAÇÃO E MODIFICAÇÃO EX OFFICIO DA MULTA

Considerando-se que as astreintes têm a finalidade de conceder maior efetividade às decisões judiciais, não há óbice em relação à fixação delas ex officio. Na verdade, como a situação é de cumprimento de uma determinação judicial e há interesse do Estado no bom desenvolvimento da atividade jurisdicional, não se podendo vislumbrar nenhum óbice na fixação da multa de ofício[15]. Demais, não se pode deixar de mencionar que o próprio art. 537, caput, do CPC dá respaldo, no particular, à atuação extrapetição do Julgador.

Também não há óbices à modificação do valor da multa ou da sua periodicidade sem que haja pedido da parte, havendo previsão de tal possibilidade no art. 537, §1º, do CPC. Lembro que a decisão que estabelece as astreintes contém implicitamente a cláusula rebus sic stantibus processual, a qual legitima a modificação da decisão diante da alteração do cenário fático no qual ela foi proferida.

No mais, não se pode deixar de mencionar que existe interesse do Estado, assim como de toda a sociedade, na efetivação da tutela jurisdicional, tendo em vista o monopólio de atuação jurisdicional e a vedação à justiça privada. Nessa ordem de ideias, como as astreintes representam um mecanismo para efetivação da tutela jurisdicional, é recomendável que o magistrado mantenha o valor delas sempre adequado ao caso concreto.

Por sinal, sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que é pacífico na Corte de que o valor da multa cominatória “pode ser alterado pelo magistrado a qualquer tempo, até mesmo de ofício, quando irrisório ou exorbitante, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada” (AgInt no AREsp 162.145/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 28-03-2017, DJe 19-04-2017).


12 ALTERAÇÃO E EXCLUSÃO DA MULTA

O art. 537, §1º, do CPC prevê que “O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento”. A primeira observação a ser feita é que o dispositivo reporta-se à possibilidade de modificação do valor ou da periodicidade da multa vincenda. Em linha de princípio, portanto, a modificação do valor da multa não pode ter efeito ex tunc, ou seja, retroativo, mas apenas ex nunc.

Cumpre mencionar que orientação do Superior Tribunal de Justiça construída sob a égide do CPC anterior é no “sentido de que a decisão que comina a multa diária não preclui nem faz coisa julgada material”, sendo possível “a modificação do valor dessa sanção até mesmo de ofício, a qualquer tempo, inclusive na fase de execução, quando irrisório ou exorbitante” (AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1589503/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellize, Terceira Turma, julgado em 06-06-2017, DJe 23-06-2017). Tal orientação permite concluir pela possibilidade de modificação do valor da multa com efeitos retroativos, ou seja, ex tunc, notadamente porque a decisão que estabelece  astreintes não precluiu e nem adquire a condição de res judicata. Nessa ordem de ideias, o art. 537, §1º, do novo CPC, caso seja interpretado de forma literal, deverá conduzir à necessidade de ser repensada a orientação formada no Superior Tribunal de Justiça porque a modificação das astreintes, de acordo com a novel codificação, somente poderá ser realizada em relação à “multa vincenda”.

A propósito, na doutrina há entendimento no sentido de que “só se pode reduzir ou aumentar multa vincenda, não sendo admissível a alteração de valor de multa já vencida, o que implicaria a redução do valor de um crédito já configurado do demandante, violando-se um seu direito adquirido”[16].

Parece-me, entretanto, que o art. 537, §1º, do CPC, ao prever a possibilidade de “exclusão” da multa, acabou por não proibir a modificação da multa vencida. Ora, se ao Juiz afigura-se possível realizar o mais, que é excluir a multa, por que não lhe seria lícito fazer o menos, que é reduzir o valor da multa? Desnecessário salientar que a exclusão da multa vencida é admitida porque se a intenção do legislador fosse permitir apenas a exclusão da multa vincenda teria certamente adotado redação diversa no art. 537, §1º, do CPC, prevendo, por exemplo, que “O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade ou excluir a multa vincenda...”.

De toda sorte, a redução ou exclusão da multa deverá ser feita com extrema cautela pelo Julgador sob pena de representar verdadeiro descrédito para o Poder Judiciário. Acredito que somente em situações excepcionais, nas quais não haja culpa do executado quanto ao cumprimento extemporâneo da obrigação, deverá o magistrado reduzir o valor total da multa.

Sobre o autor
Daniel Roberto Hertel

Daniel Roberto Hertel possui graduação em Administração e em Direito, especialização em Direito Público, especialização em Direito Processual Civil e mestrado em Garantias Constitucionais (Direito Processual) pela Faculdades Integradas de Vitória - FDV. Fez curso de aprofundamento em Direito Processual, com bolsa de estudos, na Universidade Pública Pompeu Fabra,Espanha, promovido pelo Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal e pela Fundación Serra Domínguez, sendo selecionado a partir de processo seletivo internacional. Recebeu certificados de Honra ao Mérito pelo melhor desempenho acadêmico nos cursos de Direito e de Administração, sendo a sua dissertação de Mestrado aprovada com distinção. Recebeu certificado Egresso de Sucesso em razão do desempenho obtido na carreira profissional. Recebeu título de Acadêmico de Honra da Academia e Letras Jurídicas do Estado do Espírito Santo. Foi aprovado nos concursos públicos para o cargo de advogado da Petrobras Distribuidora S. A. e para o cargo de professor de Direito Processual Civil da Faceli - Faculdade de Ensino Superior de Linhares, logrando a primeira colocação neste último certame. É professor Adjunto X de Direito Processual Civil e de Prática Jurídica Cível da Universidade Vila Velha - UVV. É professor convidado de Direito Processual Civil da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo. É professor convidado de Direito Processual Civil do curso de Pós-Graduação da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST). É professor convidado de Direito Processual Civil do curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). É autor de mais de uma centena de artigos publicados em jornais, revistas especializadas, no Brasil e no exterior, e dos livros Técnica processual e tutela jurisdicional: a instrumentalidade substancial das formas, Curso de Execução Civil e Cumprimento da sentença pecuniária. Já integrou, na condição de examinador representante da OAB-ES, a Banca Examinadora de Concurso Público para ingresso na carreira de Promotor de Justiça. Foi advogado militante por dez anos e, atualmente, é Assessor para Assuntos Jurídicos do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo ( TJES ). / ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9096-2884

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HERTEL, Daniel Roberto. As astreintes e o novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5407, 21 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65543. Acesso em: 25 dez. 2024.

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