No dia 25 de abril é comemorado o combate mundial à malária, tema que, por si, invoca tristezas incomensuráveis para diversas famílias em todo território brasileiro, em especial na região da Amazônia Legal. Portanto, inegável a necessidade de tecer alguns comentários, nesse dia, sobre o estado geral da situação no Estado do Acre.
E não por acaso, considerando que a doença, transmitida pelo mosquito anopheles (mosquito-prego no Brasil), pode ser considerada uma verdadeira arma de destruição em massa que atinge elevadas comunidades populacionais, provocando óbitos, sofrimentos e perdas sociais incalculáveis.
Nesse sentido, não é incomum, ao visitar comunidades do Juruá ou de áreas rurais do Estado do Acre, conhecer pessoas que contraíram a doença reiteradas vezes ou, no mais das vezes, perderam familiares para a doença. Em áreas indígenas isoladas, o problema é ainda mais grave diante da alta incidência de vetores, da dificuldade da chegada do aparato estatal em locais longínquos e a vulnerabilidade dos grupos atingidos.
Além das perdas sociais, a doença atinge massivamente o campo econômico, face ao período de repouso imposto aos trabalhadores prejudicados; dinamita altos investimentos na área empresarial e aflige o setor turístico, minimizando os potenciais paisagísticos do Estado para captação de recursos.
Apenas em 2015, segundo dados financiados pela Fundação Bill e Melinda Gates, cerca de 730.000 (setecentas e trinta mil) pessoas em todo o globo perderam a vida em decorrência da doença[1], que é endêmica no Brasil, com elevado risco de transmissão na região da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).
Conquanto resultados positivos tenham sido alcançados, sobremaneira com a implementação do Plano de Intensificação das Ações de Controle da Malária (2000) e do Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária (2003) ainda sobrelevam déficits de ordem sistêmica, cujas consequências, nos últimos tempos, têm preocupado a comunidade científica face ao aumento na contabilização dos casos positivos da doença e a resignação do Estado em implementar medidas preventivas, campanhas de informação e constante monitoramento da situação.
Tal cenário restou confirmado após recente alerta da comunidade internacional, por meio da OMS, que, na véspera do Dia Mundial da Luta contra a Malária, encaminhou informe com caráter de urgência ao Brasil (e também a Venezuela, cuja situação é descrita como “alarmante”), noticiando a preocupação com o agravamento do número de casos, e especialmente a falta de campanhas para prevenção e tratamento da doença, e a falta de recursos direcionados para a questão.
Não por acaso, anualmente a União promove o repasse – constitucional - de recursos do Fundo Nacional de Saúde (repasse fundo a fundo), destinados à operacionalização de ações de eliminação da doença (malária), tendo sido divulgado, no dia 12/12/2016, que o Ministério da Saúde anunciou o repasse de R$ 11,9 milhões de reais em nove estados, que concentram 99% dos registros da doença: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Para além disso, ressalte-se que a imprensa local noticiou, no dia 26/06/2017, que o Estado do Acre investiria mais de 2,6 milhões para combater a doença, recurso que foi liberado pelo Ministério da Saúde[2].
O Estado do Acre noticia que tem intensificado as ações de combate à malária, mas os fatos têm indicado que a política ainda não fixou a temática como prioritária na saúde pública brasileira. De acordo com dados da saúde, em maio do ano de 2017, o Estado do Acre contabilizou 12.313 (doze mil e trezentos e três) casos positivos da doença.
É o exemplo, em nosso Estado, do município de Mâncio Lima - com população estimada de 16 (dezesseis mil) habitantes - o qual recentemente decretou estado de emergência, após registrar 9.142 (nove mil, cento e quarenta e dois) casos da doença em 2017 (!). Sendo quem em janeiro de 2018, 600 (seiscentos) casos já haviam sido notificados às autoridades.
Outros municípios não ficam atrás dessa triste estatística. Conforme dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica – SIVEP, base de dados que congrega o número de notificações efetuadas, constam os seguintes municípios com casos registrados (atualizado até 19/05/2017)[3]:
Município |
População |
Notificações - 2015 |
Notificações – 2016 - 2017 |
Acrelândia |
14120 |
32 |
27 |
Assis Brasil |
6863 |
2 |
2 |
Brasileia |
24311 |
3 |
0 |
Bujari |
9503 |
17 |
48 |
Capixaba |
10820 |
9 |
7 |
Cruzeiro do Sul |
82075 |
13940 |
19033 |
Epitaciolândia |
17038 |
2 |
0 |
Feijó |
32372 |
9 |
4 |
Jordão |
7685 |
15 |
9 |
Mâncio Lima |
17401 |
5383 |
7656 |
Manoel Urbano |
8765 |
0 |
0 |
Marechal Thaumaturgo |
17401 |
63 |
64 |
Plácido de Castro |
18336 |
48 |
28 |
Porto Walter |
11059 |
522 |
315 |
Rio Branco |
377057 |
105 |
130 |
Rodrigues Alves |
17464 |
5343 |
5997 |
Santa Rosa do Purus |
6021 |
1 |
1 |
Senador Guiomard |
21369 |
153 |
197 |
Sena Madureira |
42451 |
5 |
2 |
Tarauacá |
39427 |
950 |
819 |
Xapuri |
17894 |
6 |
0 |
Porto Acre |
17111 |
38 |
17 |
Obviamente, alguns municípios apresentam baixam incidência de notificação, a exemplo de Santa Rosa do Purus, em detrimento de outros municípios como Cruzeiro do Sul, com alta incidência de casos notificados. Alguns fatores incidem na desproporção, entre tantos, cita-se a migração de enfermos aos municípios mais bem equipados no setor da saúde. Independentemente do caráter gradual das cifras, resta indeclinável que as incidências não tiveram recuo nos anos avaliados pelo relatório, mas ao contrário, sucessivos aumentos (a notificação pode ser feita através do número 0800-644-6645 e/ou pelo e-mail notifica@saude.gov.br).
A região amazônica, por figurar como epidêmica e prioritária no combate à malária, impõe o contínuo trânsito de informações epidemiológicas, permitindo a identificação dos setores locais mais dependentes da atuação estatal, a fim de possibilitar a definição de estratégias concretas de atuação.
Nesse sentido, a atuação em parceria da União, por meio do Ministério da Saúde, estados e municípios revela-se como profícua para sucesso em qualquer empreitada no segmento. As ações de vigilância em saúde são essenciais para definição e priorização de metas, após a identificação das áreas com maior incidência do vetor.
Nesse cenário, refere-se aos agentes de endemia, grupo minoritário que se revelam como verdadeiros soldados de linha de frente. Ao atuarem in loco no controle vetorial, os entes públicos têm utilizado não apenas sua força de trabalho, mas seus corpos na tentativa de controlar os vetores (captura do mosquito pelo método da “atração humana” - human bait - é um exemplo da questão).
Reforça-se, assim, a relevância do seu labor, face a periculosidade, sempre presente, de contrair a doença, tudo somado a indicar que a demanda pela idônea proteção por equipamentos de proteção individual (EPI) não merece ser encarada como um mero favor estatal, mas uma obrigação incontornável, conforme o Guia para Gestão Local do Controle da Malária (2009)[4].
Finalmente, roga-se que o tema não seja esquecido pelas autoridades e que não sejam renovadas quadras históricas passadas, onde residia, em lugar comum, a deterioração das condições de monitoramento e controle da malária, o crescimento desproporcional de casos, o alastramento de epidemias em municípios e o pior dos cenários, o risco crescente para a população urbana.
Notas
1Acesso em 25/04/2018: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27733281
2 Acesso em 14/08/2017: http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/com-mais-de-12-mil-casos-de-malaria-acre-deve-investir-mais-26-milhoes-para-combater-a-doenca.ghtml
3Acesso em 25/04/2018: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/maio/19/Lista-de-municipios-pertencentes-as-areas-de-risco-ou-endemicas-para-malaria.pdf
4Acesso em 25/04/2018: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/junho/11/Guia-da-Gest--o-Local-de-Controle-Vetorial-final-semISBN.pdf