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Legalidade do decreto de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros

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Agenda 22/04/2005 às 00:00

III. A Constitucionalidade do Decreto

Segundo Miguel von Behr (30),

(...)desde a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, a alteração (...) de qualquer tipo de unidade de conservação (...) só é possível por meio de Lei do Congresso Nacional. Além disso, a recente aprovação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SISNUC) [sic], pelo Congresso Nacional, permitirá maior participação da sociedade no processo decisório.

Mas, como veremos, a questão não é tão simples assim.

Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 1º inciso III (31),

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem para sua proteção; (grifos nossos)

A ampliação foi feita através de Decreto Presidencial. Teria esse decreto executivo força de lei, ou seria possível a ampliação através de tal instrumento normativo?

Primeiramente cabe ressaltar que o decreto inicial de criação do Parque Nacional do Tocantins foi devidamente legal. A Constituição de 1947 não fazia qualquer menção ao meio ambiente. Portanto, não proibia a criação de um Parque Nacional através de decreto.

De acordo com De Plácido e Silva (32) Vocabulário Jurídico 20ª ed. Atualizada por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, Ed. Forense, RJ 2002, p. 244,

Derivado do latim decretum (decisão, terminação, resolução, julgamento) revela toda decisão ou resolução, tomada por uma pessoa ou por uma instituição, a que se conferem poderes especiais e próprios para decidir ou julgar, resolver ou determinar.

Em sentido técnico, pois, o decreto, em qualquer conceito em que seja tido, implica necessariamente na existência de autoridade da pessoa ou instituição que o formulou, em virtude do que possui o mesmo força para impor a decisão, solução, resolução, ordem, ou determinação, que nele, decreto, se contém.

(...)

No entanto, o decreto legislativo, tal como o executivo, não se confunde com a lei. Não tem por função estabelecer direito novo, nem possui a natureza e o caráter orgânico, que é elementar na lei, embora se exteriorize sob a mesma forma. (grifo nosso)

É claro, então, que o Decreto Presidencial não tem força de lei. Mas, poderia uma unidade de conservação ser ampliada através de decreto do Executivo?

O texto constitucional é claro ao dispor que somente por intermédio de procedimento legislativo ordinário será possível alterar o tamanho de uma unidade de conservação. Com o advento do decreto sem número de 27 de setembro de 2001, o Presidente da República procedeu a alterações significativas no perímetro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Ao assim proceder, o Chefe do Poder Executivo, monocraticamente, por meio de decreto, procedimento regulamentar supostamente impróprio para o caso, efetivou alterações no tamanho do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

A Lei nº 9.985 de 18 de junho de 2000 regulamentou o art. 225, § 1º, incisos I, II e III da Constituição Federal, instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), e deu outras providências. Diz o art. 22 dessa lei (33):

Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.

§ 1º (VETADO)

§ 2º A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento.

(...)

§ 6º A ampliação dos limites de uma unidade de conservação, sem modificação de seus limites originais, exceto pelo acréscimo proposto, pode ser feita por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou a unidade, desde que obedecidos os procedimentos de consulta estabelecidos no § 2º deste artigo. (grifos meus)

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Apesar da redação do texto não ser de fácil compreensão (como ampliar os limites de um parque sem modificação de seus limites originais?), conclui-se que a ampliação de uma unidade de conservação pode ser feita por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou a unidade (no caso do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o Decreto Presidencial), desde que obedecidos os instrumentos de consulta estabelecidos no § 2º do art. 22.

Ao se analisar o artigo e os parágrafos citados, chega-se a duas conclusões quanto ao PNCV: primeiro, que a ampliação leva ao questionamento quanto à obediência do procedimento de consulta, o que já foi analisado. Em segundo lugar, a possibilidade de ampliação ou alteração de uma unidade de conservação ser procedida através de instrumento normativo inferior hierarquicamente à lei, vai de encontro ao art. 225, § 1º, inciso III da Constituição Federal, o que enseja a ilegalidade do § 6º do art. 22 da Lei nº 9.985/00.

O mestre Paulo Affonso de Leme Machado afirma que (34):

A Constituição inova profundamente na proteção dos espaços territoriais como parques nacionais, estaduais, municipais; reservas biológicas, estações ecológicas, áreas de proteção ambiental. Poderão ser esses espaços territoriais criados por decreto e/ou por lei, mas não poderão ser alterados e/ou suprimidos por decreto. Não podemos ter a ilusão de que essas unidades de conservação da natureza tornaram-se perenes pelo sistema constitucional ora introduzido, mas, sendo a alteração e a supressão somente através de lei, abre-se tempo e oportunidade para os ambientalistas fazerem-se presentes perante os parlamentares. A norma constitucional não abriu qualquer exceção à modificação dos espaços territoriais e, assim, mesmo uma pequena alteração só pode ser feita por lei. (...)

A Constituição Federal no aspecto aqui tratado já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, na ADIn 73-0-SP, que, por unanimidade, deferiu pedido de cautelar suspendendo decreto do governador do Estado de São Paulo. Oportuno citar-se o voto do relator Min. Moreira Alves: "Tendo em vista que possibilidade de danos ecológicos é de difícil reparação e, por vezes, de reparação impossível, está presente no caso o requisito do periculum in mora, que, aliado à relevância jurídica da questão, justificam a concessão da liminar" (Tribunal Pleno, DJU 15.9.1989). O decreto paulista possibilitava a modificação de parque estadual somente com o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, sem que houvesse lei autorizando a modificação. (grifos nossos)

Cabe ressaltar que o mérito da ADIn 73-0-SP ainda não foi julgado.

Essa não é a visão de Antônio Herman Benjamin (35). Ele discorre sobre a ampliação de unidades de conservação, entendendo que:

A exigência de lei em sentido estrito vale tão-só para aquelas hipóteses em que o Poder Público ameaça a existência de uma unidade de conservação já estabelecida, seja com supressão ou descaracterização, seja com redução de sua área. Tal requisito foi posto no texto constitucional com o intuito de assegurar maior controle desses atos do administrador, controle ampliado esse que se entendeu dispensável contra atos de criação de unidades de conservação, pois contra estes bastaria o próprio exercício, pelo proprietário que se sinta lesado, das ações civis tradicionais, colocadas à sua disposição pelo ordenamento.

Continua, discorrendo que a Lei nº 9.985/00 permite a ampliação dos limites de uma unidade de conservação por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou essa unidade. Adiante (36):

Assim sendo, instituída por resolução ou decreto, a unidade de conservação não demanda lei em sentido estrito para a sua ampliação – física (área) ou de regime jurídico (adoção de um regime mais restritivo), exigindo-a, todavia, para alteração negativa de sua natureza jurídica, qualquer que ela seja, como já aludimos.

No entanto, o autor não se atenta para o fato de a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 1º, inciso III, dizer que a "alteração e a supressão são permitidas somente através de lei" (37).

Ora, a palavra usada pela lei é "alteração", em seu sentido amplo, sem restrições. Alteração significa, no caso, mudança de tamanho para maior ou menor, ou mudança de seus objetivos. Portanto, para se alterar o tamanho de uma unidade de conservação, é necessária lei ordinária.

Poderia-se ainda entender que uma solução para o Poder Público, que teve o decreto de ampliação anulado pelo julgamento do STF, seria a criação de uma nova unidade de conservação. Criar-se-ia uma Floresta Nacional no lugar do Parque Nacional, aumentando-se os seus limites e estaria resolvido o problema, já que a criação de uma unidade de conservação não precisa ser feita através de lei ordinária.

Entretanto, se não pensarmos somente em criação de uma Floresta Nacional, mas tendo em mente a unidade de conservação estabelecida anteriormente, nota-se que, na prática, o que acontece é que se muda a unidade de conservação de proteção integral, como é o Parque Nacional, ou seja, uma "unidade de conservação que tem como finalidade resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para objetivos educacionais, recreativos e científicos" (38) para unidade de uso sustentável, como é o caso da Floresta Nacional, ou seja,

área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas que tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. (39)

Talvez fosse uma solução que satisfizesse as populações locais, pois a Floresta Nacional tem como propósito o uso múltiplo sustentável, permitindo que os moradores continuassem usufruindo a terra. No entanto, a mudança de finalidade, significaria alteração na unidade de conservação, indo contra o art. 225, § 1º, inciso III, da CF/88 (40).

Esse é o entendimento de José Afonso da Silva (41).

A Constituição impõe ao Poder Público o dever de definir, em todas as unidades da Federação, Espaços Territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. (grifos meus)

E mais adiante (42):

A lei (n.a.: 9.985/00) não definiu a natureza do ato de criação das unidades de conservação. Seu projeto, aprovado pelo Congresso Nacional indicava que a criação se desse por lei, ao dizer que na lei de criação deveriam constar seus objetivos básicos, o memorial descritivo do perímetro da área, o órgão responsável pela sua administração e, no caso das Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e, quando fosse o caso, das Florestas Nacionais, a população tradicional destinatária (art. 22, §1º). Esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, de tal sorte que a questão ficou na dependência do que dispuser o regulamento referido supra. A compreensão do texto, assim, leva à conclusão de que as unidades serão criadas por decreto do Poder Executivo Federal, estadual ou municipal, conforme o caso. Essa conclusão harmoniza-se com o disposto no § 6º do art. 22 da Lei nº 9.085, de 2000. Apesar disso, é de afirmar que o mais apropriado seja a criação por via de lei, já que o ato impõe obrigações e restrições de direitos, até porque, segundo a Constituição, a alteração e a supressão dos espaços territoriais e seus componentes especialmente protegidos só são permitidas através de lei (art. 225, §1º, III). Ora, assim sendo, o intérprete fica muito propenso a enxergar um incongruência na possibilidade de o ato fundamental – a criação – ser feito por decreto e as modificações terem que ser feitas por lei. Isto leva o intérprete a resolver a incongruência com a assertiva de que a criação de Unidades de Conservação depende de lei, tanto quanto suas modificações posteriores. Por tudo isso, é de duvidosa pertinência constitucional o teor do já mencionado § 6º do art. 22 da Lei nº 9.085, de 2000, quando declara que a "ampliação dos limites de uma Unidade de Conservação, sem modificação dos limites originais, exceto pelo acréscimo proposto, pode ser feita por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou a unidade, desde que obedecidos os procedimentos de consulta estabelecidos no § 2º deste artigo". Não é fácil entender como uma ampliação de limites pode dar-se sem modificação dos limites originais... O certo é que aqui, como dissemos acima, se admite a criação de Unidades de Conservação por instrumentos normativos inferiores à lei ou, até mesmo, inferiores ao decreto. É certo também que uma ampliação por instrumento normativo inferior á lei esbarra com o disposto no art. 225, § 1º, III, da Constituição, que exige lei para a alteração e supressão de espaços Especialmente Protegidos, como são as Unidades de Conservação. (grifos meus)

A alteração de que fala a Constituição não especifica a que tipo de alteração se refere, portanto, se refere a qualquer alteração, seja no tamanho ou na finalidade.

Conclui-se do acima exposto, portanto, que o instrumento do Decreto Executivo utilizado para alteração da área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi, inequivocamente, irregular, eis que somente poderia ser realizado mediante procedimento legislativo do Congresso Nacional.

Assim, o § 6º, do art. 22, da Lei nº 9.985/00 poderá ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal. Os impetrantes do Mandado de Segurança não suscitaram a inconstitucionalidade porque não têm a legitimidade definida no art. 103 da Constituição e por que o Supremo não pode se pronunciar quanto à constitucionalidade em um caso concreto. Seria questão que só poderia se resolver no controle difuso de constitucionalidade, nas instâncias próprias, diferentemente do controle in abstracto da Ação Direita de Inconstitucionalidade. No entanto, como o STF era a instância primeira para o julgamento de qualquer questão envolvendo o decreto em razão do foro privilegiado do Presidente da República, autoridade coatora e quem editou o decreto, os impetrantes poderiam ter pedido a inconstitucionalidade no caso concreto do decreto de ampliação. Já as entidades relacionadas no art. 103 da CF/88 como legítimas para propor Ação Direita de Inconstitucionalidade poderiam requerer a inconstitucionalidade do § 6º, do art. 22, da Lei nº 9.985/00. Portanto, a ressalva feita pelo STF, possibilitando a edição de novo decreto que suprisse os erros apontados, é bastante duvidosa. A ressalva pode ter sido feita em razão do julgador não poder se pronunciar de ofício sobre uma questão, ou seja, se pronunciar sobre algo que não tenha sido suscitado, ou por não terem notado a inconstitucionalidade do dispositivo (43).

Sobre o autor
Rodrigo Bulhões Pedreira

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDREIRA, Rodrigo Bulhões. Legalidade do decreto de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 654, 22 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6612. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada como exigência final do curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direito Ambiental e Recursos Hídricos da Universidade Cândido Mendes, sob orientação da professora Maristela Chicharo de Campos.

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