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A inimputabilidade por doença mental

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Agenda 21/05/2018 às 16:29

Reflexões sobre o instituto da inimputabilidade penal e a forma como vem sendo feito o tratamento, por parte do Estado, em relação ao inimputável nesta condição.

INTRODUÇÃO

O referido artigo consiste no estudo do instituto da inimputabilidade penal, com ênfase na inimputabilidade por doença mental, e serão abordadas as hipóteses de exclusão de imputabilidade prevista na atual legislação vigente. Serão analisados os critérios de aferição de inimputabilidade possíveis, e qual o critério utilizado em nosso ordenamento jurídico.

A imputabilidade refere-se à capacidade de ser culpável, isto é, o agente ser capaz de compreender o caráter ilícito do fato, bem como a capacidade de controlar e comandar a própria vontade.

No entanto, inimputabilidade é a incapacidade de se determinar-se em relação à ilicitude do fato, sendo, neste caso, isento de pena pela ausência de culpabilidade. Dessa forma, é necessário que o agente, seja portador desta condição, no momento da prática do crime, e tal condição será comprovada através de laudo realizado por perito.

 O Código Penal dispõe que as causas de exclusão da imputabilidade, sendo elas: a doença mental, desenvolvimento metal incompleto ou retardado e a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior; as três primeiras hipóteses encontram-se no art. 26, caput; e a quarta no art. 28, § 1° do referido código.

 Nesse entendimento, sendo constatada qualquer uma das hipóteses acima elucidadas, o agente será absolvido e remetido, obrigatoriamente, à medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado.


1.    IMPUTABILIDADE           

O nosso ordenamento jurídico não conceituou imputabilidade, cabendo à jurisprudência e à doutrina preencher essa lacuna.  

Imputabilidade é a capacidade de compreender o caráter ilícito do fato por ele perpetrado, assim como determinar-se de acordo com esse entendimento. "Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável." (Mirabete, 2001, p. 210).

O agente deve ter capacidade deve ter capacidade plena de entendimento, além de apresentar condições de controle sobre sua vontade.  

"Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível." (Damásio, 1998, p.465).

Fernando Capez faz a distinção entre imputabilidade e capacidade, afirmando que:

 “a capacidade é gênero do qual do qual a imputabilidade é espécie. Com efeito, capacidade é uma expressão muito mais ampla, que compreende não apenas a possibilidade de entendimento e vontade (imputabilidade ou capacidade penal), mas também a aptidão para praticar atos na órbita processual, tais como oferecer queixa e representação, ser interrogado sem assistência de curador etc. (capacidade processual). A imputabilidade é, portanto, a capacidade na órbita penal. Tanto a capacidade penal (CF, art. 228, e CP, art. 27) quanto a capacidade processual plena são adquiridas aos 18 anos”. (Capez, 2013, p. 333).

O agente que não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, caso em que há exclusão da culpabilidade.

Segundo Damásio E. de Jesus:

 "A imputabilidade deve existir no momento da prática da infração. Daí dizer o artigo 26, caput do Código Penal, ao tratar das causas de exclusão da imputabilidade, que a deficiência deve existir ao tempo da ação ou da omissão." (Damásio, 1998, p. 467).


2. INIMPUTABILIDADE

Ao contrário da imputabilidade, a inimputabilidade é a incapacidade de o agente entender o caráter criminoso do que realizou e de determinar-se de acordo com esse entendimento, isto é:

"é a incapacidade para apreciar o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com essa apreciação. Se a imputabilidade consiste na capacidade de entender e de querer, pode estar ausente porque o indivíduo, por questão de idade, não alcançou determinado grau desenvolvimento físico ou psíquico, ou porque existe em concreto uma circunstância que a exclui. Fala-se, então, em inimputabilidade." (Damásio, 1998, p. 467).

A capacidade de compreensão da ilicitude do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, está relacionada à existência de fatores biológicos (maioridade penal), psicológicos (discernimento pleno e autodeterminação), psiquiátricos (sanidade mental) e antropológico (padrões do meio social que o indivíduo convive).

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Segundo Delmanto: 

“Imputabilidade é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e de agir de acordo  com esse entendimento. [...] não basta a prática de fato típico e ilícito para impor pena. É necessária, ainda, para que a sanção seja aplicada, a culpabilidade, que é a reprovabilidade da conduta. Por sua vez, a imputabilidade é pressuposto da culpabilidade, pois esta não existe se falta a capacidade psíquica de compreender a ilicitude. Por isso, este art. 26 dispõe que há isenção da pena se o agente, por doença mental ou carência de desenvolvimento mental era – ao tempo de sua conduta – incapaz de compreender a ilicitude do fato ou de conduzir-se de conformidade com essa compreensão. Assim, inimputáveis (não-imputáveis) são as pessoas que não têm aquela capacidade (imputabilidade)”. (DELMANTO, 2010, p. 47).

Quando o agente tem conhecimento da ilicitude de sua conduta, caracteriza-se a potencial consciência da ilicitude, visto que para tal, é necessário a capacidade de discernimento e sanidade mental. Nesse sentido, decidiu o TRF:

TRF-1 - APELAÇÃO CRIMINAL ACR 9012 PA 2002.39.00.009012-0 (TRF-1)

Data de publicação: 04/09/2007

Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CORRUPÇÃO PASSIVA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. ALEGAÇÃO DE ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO. INIMPUTABILIDADE MENTAL. NÃO ACOLHIMENTO. 1. Autoria e materialidade delitivas demonstradas pelo exame documentoscópico e pelas demais provas apuradas nos autos e valoradas na sentença, que não deixam dúvidas quanto à participação do recorrente no evento. 2. Não acolhimento da tese do recorrente, de que teria sido coagido pelo segundo denunciado, à míngua de prova nos autos. 3. As alegações de erro sobre a ilicitude do fato e de inimputabilidade penal, em razão de problemas psicológicos, que se encontram desamparadas de base fática idônea, não devendo ser aproveitadas em desabono da sentença, que, inclusive, já afastou, como questões preliminares, tais alegações. 4. Apelação improvida.  

Para que o indivíduo seja considerado culpável por um crime, é necessário que o tenha praticado em condições normais, na qual era possível exigir do agente conduta diversa (o que não se confunde com desconhecimento da lei), isto é, o indivíduo teve a chance de praticar comportamento diverso do adotado, todavia, optou pelo caminho do crime.

Cumpre esclarecer que o simples desconhecimento da ilicitude do fato, por si só, não exclui a culpabilidade, bem como não impede a aplicação de pena; o que ocorreu no julgamento acima exposto.

Cumpre ressaltar que a imputabilidade é a regra, de modo que a inimputabilidade é a exceção, ou seja, será inimputável o indivíduo que se enquadrar em umas das causas de exclusão da imputabilidade.

O Código Penal dispõe que são causas de exclusão da imputabilidade:

a) doença mental;

b) desenvolvimento mental incompleto;

c) desenvolvimento mental retardado;

d) embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

As três primeiras causas encontram-se elencadas no art. 26, caput, e a quarta, no art. 28, §1°, todos do CP.

Elucida o art. 27 do CP que os menores de 18 anos de idade são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente e leis complementares). Portanto, a menoridade penal constitui causa de exclusão da inimputabilidade, visto que está enquadrada no rol de desenvolvimento mental incompleto.

No processo penal, a inimputabilidade poderá ser verificada ainda na fase de inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente, nos termos do art. 149, § 1° do Código de Processo Penal. O referido exame poderá ser requerido de ofício pelo juiz ou a requerimento do Ministério público do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do autor.           


3. CRITÉRIOS DE AFERIÇÃO DA INIMPUTABILIDADE

3.1 Critério biológico

No sistema biológico (ou etiológico) apenas é relevante se o agente é portador de alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, bastante isso para a caracterização da inimputabilidade, não se importando se o indivíduo tem, ou não, capacidade de compreensão do ilícito cometido. Conforme elucida Mirabete:

 “aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a vontade do momento do fato.” (Mirabete, 2004, p. 210).

Conforme Guilherme de Souza Nucci:

“[...] por este critério, será considerada inimputável a pessoa que apresentar anormalidade mental, consistente em doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.” (Nucci, 2008, p. 275).

Excepcionalmente, esse sistema foi adotado no caso de agente menor de 18 anos, visto que a esses indivíduos presume-se a incapacidade de entendimento e vontade, conforme art. 27 do Código Penal. Para Fernando Capez:

“[...] pode até ser que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso do homicídio, roubo ou estupro, por exemplo, que pratica, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe o que faz, adotando claramente o sistema biológico nessa hipótese”.

3.2 Critério psicológico

Esse critério verifica apenas as condições psíquicas do agente no momento do fato, excluindo-se a existência ou não de doença mental, isto é, não leva em consideração a causa. Se o autor não tinha capacidade de compreensão ou de autodeterminação, será considerado inimputável.

Nesse sentido, Fernando Capez exemplifica tal critério:

“[...] à título de ilustração, se fosse adotado o critério psicológico entre nós, a supressão total dos sentidos pela emoção, que não está prevista em lei como causa dirimente, poderia levar à exclusão da imputabilidade do agente, quando retirasse totalmente a capacidade de entender ou a de querer. Exemplo: a mulher que flagrasse o marido em adultério e, completamente transtornada, com integral alteração de seu estado físico psíquico, o matasse, poderia ter excluída a culpabilidade, se ficasse demonstrada a ausência da capacidade intelectiva ou volitiva no momento da ação [...]”. (Capez, 2013, p. 336-337).

O Código Penal vigente, não adotou esse sistema.

3.3 Critério Biopsicológico

Esse sistema é a junção dos dois primeiros.

“Toma em consideração a causa e o efeito. Só é inimputável o sujeito que, em consequência de anomalia mental, não possui capacidade de compreender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com essa compreensão. A doença mental, por exemplo, por si só não é causa de inimputabilidade. É preciso que, em decorrência dela, o sujeito não possua capacidade de entendimento ou de autodeterminação.” (Damásio, 1998, p. 498).

A jurisprudência também é clara, nesse sentido:

TRF-1 - APELAÇÃO CRIMINAL ACR 16417 MG 0016417-26.2011.4.01.3800 (TRF-1)

Ementa: PROCESSO PENAL. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. ALCOOLISMO. INTOXICAÇÃO CRÔNICA. DOENÇA. ART. 26 , CP . INIMPUTABILIDADE. TEORIA BIOPSICOLÓGICA. LAUDO PERICIAL. ART. 149 , CPP . DEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. Na quadra de intoxicação crônica do organismo, o alcoolismo, para o direito penal, é doença passível de conferir inimputabilidade ao agente, devido à ausência de higidez mental. 2. O Código Penal , em termos de sanidade mental do autor do fato delitivo, adota a teoria biopsicológica, por não restringir a ação do Juiz, vinculando-o sempre ao laudo médico (teoria puramente biológica), assim como afastando a possibilidade de decisões arbitrárias do Magistrado acerca da capacidade do agente de entender o caráter da ilicitude do fato e de comportar-se conforme tal (teoria puramente psicológica). 3. Sem prejuízo do direito do réu de produzir prova judicial, a despeito da questionável dúvida sobre sua higidez mental ao tempo dos fatos, é de ser instaurado o incidente de insanidade requerido, tendo em vista o laudo médico oficial ser o instrumento jurídico apropriado para aclarar a questão. 4. Apelação provida.  

STJ - HABEAS CORPUS HC 33401 RJ 2004/0011560-7 (STJ)

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 26 , CP . INIMPUTABILIDADE. CRITÉRIO BIOPSICOLÓGICO NORMATIVO. I - Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora, entre nós, o critério biopsicológico normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g. perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa. II - A constatação da inimputabilidade do ora paciente, no momento da prática do delito, escapa aos limites da estreita via do habeas corpus, visto que exige prova pericial específica. Writ denegado.

Com exceção ao menor de 18 anos, em que o critério adotado foi o biológico, para todos os demais casos, o Código Penal, claramente, adotou o sistema biopisicológico, à luz dos arts. 26, caput, e 28, § 1°.

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