A inimputabilidade por doença mental

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4. INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL

Dispõe o art. 26 do Código Penal:

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

Conforme já mencionado no critério biopsicológico, que é o adotado no Código Penal vigente, o diagnóstico de doença mental em relação ao agente, não basta para que seja configurada a inimputabilidade. Exige-se, em regra, que o indivíduo, em decorrência deste estado, seja completamente incapaz de entender a ilicitude do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

A doença mental é causa de exclusão da imputabilidade. A expressão doença mental, utilizada pelo legislador é relativamente vaga, tendo em vista que a conceituação de tal patologia para um leigo será desprovido de qualquer rigor científico.

Nesse entendimento, o médico Hélio Gomes, em Medicina Legal, referiu:

“[...] as codificações sempre lutaram com grandes dificuldades toda vez que tiveram de fazer referências aos doentes mentais. Não há na Psiquiatria uniformidade entre os autores a respeito do sentido exato das expressões que usa e emprega. Essa falta de uniformidade entre os técnicos não poderia deixar de se refletir sobre os leigos, que são, em geral, os legisladores, a respeito das questões psiquiátricas.” (GOMES, 1995, p. 799-800).

De acordo o com a doutrina de Mirabete, doença mental:

 “[...] abrange todas as moléstias que causam alterações mórbidas à saúde mental. Entre elas, há as chamadas psicoses funcionais: a esquizofrenia; a psicose maníaco-depressiva; paranoia etc. É também doenças mentais a epilepsia; a demência senil; a psicose alcóolica; a paralisia progressiva; a sífilis cerebral, a arteriosclerose cerebral; a histeria etc.” (Mirabete, 2004, p. 211).

Segundo a Psiquiatria, a psicose pode originar-se de disfunções cerebrais (origem orgânica – como, por exemplo: a paralisia progressiva e tumores cerebrais); comportamental (funcional – psicose senil, por exemplo) e tóxica (psicose alcóolica ou por medicamentos).

Poderá, de acordo com a duração do transtorno mental, ser crônico ou transitório.

É possível a ocorrência da semi-imputabilidade. Prevê o artigo 26, parágrafo único do Código Penal:

“A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Conforme entendimento de Mirabete a respeito do artigo citado, o agente era imputável e responsável por ter alguma consciência da ilicitude de sua conduta, entretanto, em decorrência de suas condições pessoais, será reduzida a pena, em virtude de sua capacidade diminuída. E acrescenta: “Embora se fale, no caso, de semi-imputabilidade, semi-responsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis de crítica.” (Mirabete, 2004, p. 213).

Segundo observa Delmanto, os requisitos da responsabilidade diminuída são:

“1. Causas. Perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. 2. Conseqüências. Falta de inteira capacidade de entender a ilicitude do fato ou de orientar-se de acordo com esse entendimento. 3. Tempo. Existência dos dois requisitos anteriores no momento do crime. ” (Delmanto, 1991, p. 48).

Ao citar “perturbação da saúde mental”, o legislador refere-se a todas as doenças mentais.

“Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter ilícito do fato. A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento, acarretando sua submissão ao art. 26, parágrafo único. Estão abrangidos também portadores de neuroses profundas (que têm fundo problemático por causas psíquicas e provocam alteração da personalidade), sádicos, masoquistas, narcisistas, pervertidos sexuais, além dos que padecem de alguma fobia [..], as mulheres com distúrbios mórbidos que por vezes a gravidez provoca etc.” (Mirabete, 2004, p. 213-214).

Fernando Capez entende que a semi-imputabilidade é a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

Ademais, em relação ao tratamento penal dado ao agente portador de doença mental, o médico legista Genival Veloso de França, em Medicina Legal, aduz que:

“A pena está totalmente descartada pelo seu caráter inadequado à recuperação e ressocialização do semi-imputável portador de personalidade anormal. A substituição do sistema do duplo binário – aplicação sucessiva da pena e da medida de segurança por tempo indeterminado – pelo regime de internação para tratamento especializado é o que melhor se dispõe até agora no sistema penal dito moderno. Este é um dos aspectos mais cruciais da Psiquiatria Médico-Legal, não somente no que toca ao diagnóstico e à atribuição da responsabilidade, como também quanto às perspectivas de reabilitação médica e social, já que a incidência criminal entre esses tipos é por demais elevada. As medidas punitivas, corretivas e educadoras, malgrado todo esforço, mostram-se ineficientes e contraproducentes, fundamentalmente levando em consideração a evidente falência das instituições especializadas. É preciso rever toda essa metodologia opressiva, injusta e deformadora. ” (FRANÇA, 1998, p. 359).

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Para Führer, a expressão "perturbação da saúde mental", mencionada no Código Penal para tratar do semi-imputável, equivale à doença mental, muito embora algumas perturbações mentais não mereçam o nome de doença.

O mencionado autor defende que, atualmente, a distinção entre doença e perturbação mental não é inflexível, visto que o conceito jurídico de doença mental é abrangente e se estende aos estados próximos, de modo que toda doença mental perturba a saúde mental, e toda perturbação da saúde mental deve receber tratamento de doença, no mundo jurídico.


5. PERÍCIA MÉDICO-LEGAL: IDENTIFICAÇÃO DA INIMPUTABILIDADE           

A perícia médico-legal é meio de prova para a comprovação do estado psíquico do agente. Ao julgar, o magistrado deve motivar sua decisão, embora seja livre para julgar de acordo com o seu convencimento.

Previstos nos artigos 158 ao 184, do Código de Processo Penal, os exames de corpo de delito e as perícias médico legais, tem por finalidade a produção de provas científicas, para a comprovação de um fato.

Em se tratando de inimputabilidade por doença mental, a saúde mental do agente deve ser verificada através de perícia médico-legal, uma vez que para constatação da doença mental, é necessário conhecimento específico, que geralmente, fogem ao juiz.

“Sendo o Direito uma ciência humana, é preciso, em primeiro lugar, que o profissional do Direito tenha bom conhecimento do que é o ser humano em sua totalidade. [...] Para isto, não é necessário que possua o saber de um profissional da área biomédica, mas tem que conhecer as bases daquela unidade.” (Gomes; 1995 p. 26).

Desta forma, em caso de dúvida sobre a integridade mental do agente, o juiz deverá de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do réu, requerer um exame médico-legal, ocasião em que suspenderá o processo até o resultado da perícia, conforme artigo 149 do Código de Processo Penal:

“Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.

§ 1o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.

§ 2o O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.”

Todavia, o magistrado poderá acatar ou rejeitar o laudo atestando a inimputabilidade do réu, mas deverá decidir fundamentadamente, e com a  livre valoração das provas, afastando-se das conclusões do laudo pericial e podendo formar sua convicção com base em outros elementos constantes dos autos. Ademais, poderá pedir a retificação do laudo, caso entenda que este é genérico, falho ou incompleto. Nesse sentido, o STJ entende:

“STJ - HABEAS CORPUS HC 215650 BA 2011/0190387-6 (STJ)

Ementa: PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. ART. 157, § 2º, INC. II, DO CP. NULIDADE DA SENTENÇA. LAUDO PERICIAL. INIMPUTABILIDADE AFASTADA. CONJUNTO PROBATÓRIO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de  ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Não é nula a sentença que, de forma fundamentada, faz prevalecer valoração das demais provas dos autos para afastar as conclusões do laudo pericial de inimputabilidade. 3. A livre valoração das provas permite ao Juiz afastar-se das conclusões do laudo pericial, podendo formar sua convicção com base em outros elementos constantes dos autos. 4. “Habeas corpus não conhecido.”

Ocorrendo a homologação do laudo pericial pelo juiz, este decidirá se o réu é, ou não, inimputável ou semi-imputável, reconhecendo, ou não a insanidade mental. Após, nomeará curador, nos termos do artigo 151 do CPP. O incidente de insanidade mental se processa em autos apartados e somente após a apresentação do laudo, será apenso ao processo principal, com fundamento no art. 153 do CPP.

Seguindo o rito do procedimento ordinário, ao sentenciar, o magistrado pode reconhecer a inimputabilidade do réu e, se assim o fizer, absolverá o réu, absolvição esta denominada imprópria, a qual submeterá o réu à medida de segurança em estabelecimento de custódia ou ambulatorial.

Já no rito do Júri, cumpre destacar o artigo 415, § único do CPP. Aduz que nos casos de inimputabilidade por doença mental, o acusado, na fase da pronúncia, não será absolvido sumariamente, exceto quando esta for alegada como única tese defensiva. Caso contrário, o juiz deverá pronunciar o acusado para que o Júri, com base nas provas, decida a questão. Nesse entendimento, Antonio Carlos da Ponte diz:

“Justifica a absolvição sumária a existência de prova cristalina, límpida, segura e incontroversa da existência de causa excludente da ilicitude ou dirimente da culpabilidade. A mínima dúvida extraída do conjunto probatório a respeito da veracidade de uma ou outra versão traz a certeza de que a absolvição liminar não tem lugar no processo, sendo caso de pronúncia. (Ponte, 2007, p. 110).”

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