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A teoria do planejamento tributário e a mudança da jurisprudência na Receita Federal

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Agenda 26/05/2019 às 13:50

5. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 116 DO CTN

Em 2001, A Lei Complementar 104/2001 acrescentou ao artigo 116 do CTN o seguinte dispositivo:

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

Pela simples leitura do dispositivo, constata-se a criação de uma norma de eficácia limitada, carecendo de regulamentação por lei. A Medida Provisória número 66 de 2002 tentou regulamentá-la, no entanto parte do texto original referente à matéria não foi convertida em lei, perdendo a eficácia.

Neste contexto, a norma em questão, a princípio, foi recebida pelo meio político com uma norma anti-elisão, que permitiria ao Fisco desconsiderar atos praticados pelo contribuinte com a finalidade de dissimular a ocorrência de uma fato gerador de um tributo.

Entretanto, esta possibilidade é rechaçada pela maioria da doutrina, baseado nos princípios da legalidade e da tipicidade fechada, entende a maior parte deles que a norma do parágrafo 116 somente funciona como um dispositivo anti-simulação, autorizado de forma expressa no artigo 149 do Código Tributário Nacional(CTN), ou seja, tem-se somente uma norma anti-evasiva.

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

VII — quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

Cite-se Godoi e Ferraz(2012) sobre o tema:

“Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina se divide em duas posições. Para a posição tradicional e majoritária, somente em caso de simulação – tal como conceituada pelo direito civil – o fisco pode desconsiderar atos e negócios praticados com a finalidade de evitar ou reduzir a incidência tributária; não havendo simulação nem qualquer outro tipo de dolo ou fraude (sonegação), considera-se que o contribuinte pratica elisão tributária plenamente legítima e eficaz, que somente pode ser combatida por normas específicas que pouco a pouco vão preenchendo as lacunas da lei exploradas pelo planejamento tributário.”

Ressalta-se que nomes de peso da doutrina Nacional são enfaticamente contrários a aplicação do parágrafo único do artigo 116 do jeito que se encontra inserido no regime pátrio e ainda apontam a referida norma de sérias suspeitas de inconstitucionalidade.

Entre eles, Xavier (2001) defende que a regra antielisiva não seria possível no ordenamento jurídico pátrio por várias razões, entre elas, o direito à livre iniciativa, à propriedade e à liberdade econômica constitucionalmente previstos.

Xavier adota como fundamento a denominação de “negócio jurídico menos oneroso” para qualificar os atos jurídicos praticados pelos particulares como propósito de pagar menos impostos. Para o autor, somente normas expressamente proibitivas podem ensejar situações de fraude à lei, não havendo espaço para a “interpretação econômica” ou da expressão da capacidade contributiva na norma de incidência tributária.

Para o aclamado doutrinador, o efeito desta norma somente permite ao fisco desconsiderar o ato simulado sem ter que previamente demandar a nulidade do ato ao poder judiciário.

A Confederação Nacional do Comércio ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade(ADI) contra o parágrafo único do Artigo 116 do CTN que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal desde 2001.

Por outro lado, há quem defenda a sua constitucionalidade e que o dispositivo trata-se verdadeiramente de uma norma anti-elisiva. Essa corrente minoritária é liderada por Marco Aurélio Greco(2008) que na sua brilhante obra tutela a consideração de outras figuras, além da simulação, para interpretar os limites do planejamento tributário, quais sejam, o abuso de direito e a fraude à lei.

Em suas palavras:

Em suma, a meu ver, a aplicação das figuras do abuso do direito e da fraude à lei em matéria tributária, no ordenamento positivo brasileiro, pode ocorrer independente de lei expressa que as autorize, pois elas são decorrência da legalidade e da imperatividade do ordenamento. Ainda que fosse indispensável uma lei autorizando a aplicação de tais categorias, este requisito estaria atendido pelo parágrafo único do artigo 116 aqui comentado.

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Greco preceitua que direito de auto-organização será condicionado pelos valores de igualdade, solidariedade e justiça. Sob esta justificativa, conclui que será abusivo o exercício do direito de livre iniciativa quando seu uso ou o seu resultado deixar de atender a esses novos valores sociais trazidos pela Carta Magna de 1988.Para o autor, o fenômeno tributário não deve mais ser visto como simples agressão ao patrimônio individual, mas como instrumento ligado ao princípio da solidariedade social.

De acordo com Greco(2008):

Tributo justo não será mais apenas aquele que resultar da aplicação da lei a todos os fatos geradores aos quais se referir. Ao contrário, a legalidade pode se transformar em instrumento de dominação. Tributo justo será também aquele que, efetivamente, captar a capacidade contributiva demonstrada pelos fatos geradores escolhidos pelo legislador ou que atender aos princípios da solidariedade e da isonomia, e assim por diante.”

Esta situação demonstra claramente o embate doutrinário entre a legalidade estrita, os princípios da reserva absoluta de lei em sentido formal, da tipicidade fechada e da proibição de tributação mediante analogia defendida por Xavier contra a teoria do tributo como instrumento de justiça social embasada na capacidade contributiva tutelada por Greco.


6. JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA

Considerando as poucas manifestações do Poder Judiciário sobre o tema, somada à falta de regulamentação normativa sobre o assunto, as decisões do CARF e CSRF (representando tribunal administrativo de segunda e última instância) ganham importância para o planejamento tributário e podem delinear o comportamento do contribuinte, uma vez que passa a ser um das poucas produções sobre o tema.

Nesta linha, parece importante a definição de critérios que permitam identificar quais operações têm a proteção do Fisco e quais não possuem tal benesse. Ressalte-se que estes critérios não trarão respostas prontas, mas servirão de instrumento para análise de cada caso específico na solução de divergências entre o Estado e o contribuinte.

Por um período longo as decisões administrativas, apesar da ausência de padrão na sua fundamentação, pautaram, na sua maioria, pela legalidade estrita, por meio do qual somente as hipóteses expressamente positivadas na lei estariam sujeitas à tributação. A liberdade de auto-organização do contribuinte era maior e somente atos ilícitos (dolo, fraude e simulação) eram invalidados pelas autoridades administrativas.

Abaixo, destaca-se a transcrição de alguns acórdãos do tribunal administrativo:

Acórdão nº 106-09.343 – 1997 IRPF – GANHO DE CAPITAL – SIMULAÇÃO. Para que se possa caracterizar a simulação, em atos jurídicos, é indispensável que os atos praticados não pudessem ser realizados, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a realização de aumento de capital, a efetivação de incorporação e de cisões, tal como realizadas e cada um dos atos praticados não é de natureza diversa daquele que de fato aparenta, não há como qualificar-se a operação como simulada. Os objetivos visados com a prática dos atos não interferem na qualificação dos atos praticados, portanto, se os atos praticados eram lícitos, as eventuais consequências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como elisão fiscal e não evasão ilícita.

Acórdão n°.:101-94.127-2003(IRPJ — SIMULAÇÃO NA INCORPORAÇÃO)

Para que se possa materializar, é indispensável que o ato praticado não pudesse ser realizado, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a realização da incorporação tal como realizada e o ato praticado não é de natureza diversa daquela que de fato aparenta, não há como qualificar-se a operação de simulada. Os objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualificação do ato praticado. Portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais consequências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos de elisão fiscal e não de “evasão ilícita.” (Ac. CSRF/01— 01.874/94). IRPJ— INCORPORAÇÃO ATÍPICA— A incorporação de empresa superavitária por outra deficitária, embora atípica, não é vedada por lei, representando negócio jurídico indireto.

Acórdão nº 106-14.483 – 2005 (Doação / antecipação de legitima) GANHO DE CAPITAL. SIMULAÇÃO. PROVA. A ação do contribuinte de procurar reduzir a carga tributária por meio de procedimentos lícitos, legítimos e admitidos por lei releva o planejamento tributário. Para a invalidação dos atos ou negócios jurídicos realizados, cabe à autoridade fiscal a ocorrência do fato gerador ou que o contribuinte tenha usado de estratagema para revesti-lo de outra forma. Não havendo impedimento legal para a realização das doações, ainda que delas tenha resultado a redução de ganho de capital produzido pela alienação das ações recebidas, não há como qualificar a operação de simulada. A reduzida permanência das ações no patrimônio dos donatários/doadores e doadores/donatários, por si só, não autoriza a conclusão de que os atos e negócios jurídicos foram simulados. No ano-calendário de 1997 não havia a incidência de imposto sobre ganho de capital produzido pela diferença entre o custo de aquisição pelo qual o bem foi doado e o valor de mercado atribuído no retorno do mesmo bem.

Nos acórdãos acima nota-se a prevalência do critério da licitude do ato, da temporalidade na ocorrência do fato gerador e da estrita legalidade formal. Além disso, havia uma polarização entre elisão e evasão fiscal, sem uma padronização, com um conceito de simulação mais restrito do que aquele observado atualmente.

Entretanto, com o surgimento de novas teorias acerca do planejamento tributário, que vão além do positivismo e da legalidade estrita, nota-se uma mudança na análise dos defeitos do negócio jurídico, inserindo-se elementos novos aos já citados.

Percebe-se que a obra de Marco Aurélio Greco(2008) foi preponderante para a mudança de paradigma administrativa, uma vez que foi uma das precursoras da teoria do “propósito negocial” na análise da incidência tributária pátria, defendendo a possibilidade de cobrar o tributo quando o contribuinte não tiver outra justificativa para praticar o negócio além da questão fiscal.

Nesta linha, a ausência de motivação extratributária tem sem tornado questão central nas decisões mais recentes do CARF, entretanto, segundo Greco(2008) para tal conclusão a operação deve ser vista como um todo e não como um ato isolado.

Dentro desta cadeia de atos a presença de elementos relevantes como: economia de tributos; negócio jurídico indireto; reversão dos negócios praticados; operações invertidas; operações entre partes relacionadas; curto período de tempo; o uso de pessoas jurídicas “laranjas”; operações estruturadas em sequência, em que uma etapa não tem sentido a não ser quando vista do conjunto de etapas além da falta de propósito negocial podem indicar a existência de um negócio não eficaz perante o Fisco.

No processo de análise dos acórdãos abaixo, percebe-se que o elemento falta de propósito negocial precede as demais motivações, deslocando-se para uma fase posterior o enquadramento o negócio jurídico como ilícito ou atípico(simulação, fraude, abuso de direito, abuso de forma).

Acórdão CSRF nº 9101-002.429 – 2016 (Venda de Imóveis / Estoque) Normas Gerais de Direito Tributário Ano-calendário: 2006, 2008 OPERAÇÕES DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. FALTA DE PROPÓSITO NEGOCIAL. INADMISSIBILIDADE. Não se pode admitir, à luz dos princípios constitucionais e legais – entre eles os da função social da propriedade e do contrato e da conformidade da ordem econômica aos ditames da justiça social –, que, a prática de operações de reorganização societária, seja aceita para fins tributários, pelo só fato de que há, do ponto de vista formal, lisura per se dos atos quando analisados individualmente, ainda que sem propósito negocial. GANHO DE CAPITAL. CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE SEM PROPÓSITO NEGOCIAL. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO. O sólido e convergente acervo probatório produzido nos autos demonstra que o contribuinte valeu-se da criação de uma sociedade, para a alienação de bens classificados em seu ativo permanente, evadindo-se da devida apuração do respectivo ganho de capital, por meio de simulação, que é reforçada pela ausência propósito negocial para sua realização. MULTA DE OFÍCIO QUALIFICADA. SIMULAÇÃO. Comprovadas a simulação e o intuito fraudulento, caracterizado pelo dolo específico, impõe-se a aplicação da multa de 150%. Recurso Especial do Contribuinte Negado.

Acórdão CSRF nº 9101-002.397 – 2016 (Segregação de PJs) Normas Gerais de Direito Tributário Ano-calendário: 2005 SIMULAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DE SEGREGAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS SIMULADA. DOLO DE EVASÃO FISCAL. Demonstrada a simulação da segregação de fontes de rendimentos em diversas pessoas jurídicas, é legítima a desconsideração da reestruturação societária simulada para a tributação concentrada da única entidade realmente existente (CTN, art. 149). MULTA QUALIFICADA. DEMONSTRAÇÃO DE DOLO PARA A EVASÃO DE TRIBUTOS. Demonstrada a simulação da segregação de fontes de rendimentos, com o dolo de evadir tributos, é legítima a qualificação da multa de ofício. MULTA AGRAVADA. NÃO CABIMENTO. Não há o preenchimento da hipótese de incidência do agravamento da multa se ?houve resposta a todas as intimações feitas pela fiscalização e a apresentação dos arquivos magnéticos em questão em nada alteraria o lançamento afinal efetuado, que se operou sob a forma do lucro arbitrado.

Acórdão CSRF nº 1201-001.640 – 2017 (Venda de Participação via FIP) VENDA DE AÇÕES DE EMPRESA CONTROLADA. FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP. ATO SIMULADO. SUJEITO PASSIVO. HOLDING CONTROLADORA. O sujeito passivo a ser tributado por ganho de capital na venda das ações de empresa controlada é a holding detentora e não o FIP constituído alguns dias antes da operação mediante a conferência das ações da empresa vendida, pois ato simulado não é oponível ao fisco, devendo receber o tratamento tributário que o verdadeiro ato dissimulado produz. FIP. AUSÊNCIA DE FINALIDADE NEGOCIAL. Desprovido de finalidade negocial o Fundo de Investimento em Participação - FIP, constituído por uma única investidora, com um único investimento ao qual não foi aportado qualquer investimento adicional ou ato de gestão visando seu crescimento/desenvolvimento ou saneamento e cuja permanência no FIP durou alguns dias. FIP. DESCONSIDERAÇÃO. LEGALIDADE. É desprovida de base a acusação de que a desconsideração do FIP afronta ao princípio da legalidade, dado que foi devidamente avaliado que a interposição do FIP no lugar da autuada tratou-se de manobra para evadir tributação de ganho de capital. MULTA QUALIFICADA. SONEGAÇÃO. SIMULAÇÃO. DOLO. Estando comprovada a prática deliberada de simulação, portanto, estando caracterizados o dolo e sonegação, cabe a qualificação da multa de ofício. [...].

Em que pese as calorosas críticas de parte da doutrina contra a possível interpretação econômica do Direito, segundo Greco(2008), a mudança de uma visão individualista protetiva do Direito Tributário para uma visão solidária modificadora baseado na capacidade contributiva e isonomia fiscal mostra uma tendência de ponderação entre limitações e princípios na produção, interpretação e aplicação da legislação tributária em um processo de reumanização do Direito.

Ao mesmo tempo, nota-se que ocorreu uma transformação no modo de compreensão do fenômeno jurídico, uma vez que, apesar da análise de conceitos e interesses continuarem sendo essenciais, o peso dos valores na relação jurídico-tributário aumentou significativamente.

Sobre o autor
Vendramin Marcio

Analista tributário da Receita Federal do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCIO, Vendramin. A teoria do planejamento tributário e a mudança da jurisprudência na Receita Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5807, 26 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67741. Acesso em: 24 nov. 2024.

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