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Homicídio sem cadáver

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5DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 167 DO CPP – PROVA DIRETA E INDIRETA: 

Via de regra, o principal meio direto de averiguar a existência do delito que deixa vestígios materiais é o exame de corpo de delito, que, conforme Norberto Avena, compreende toda perícia destinada à comprovação da materialidade das infrações que deixam vestígios, tendo por objetivo corporificar o resultado da infração penal, de modo que reste documentado o vestígio, o qual perpetuará como parte no processo criminal (AVENA, 2012, p. 499).  

Tal conceito demonstra o objetivo de tal prova, bem como a sua inconteste importância. Com efeito, entende, ainda, que o exame de corpo de delito direto é aquele que será realizado por expert da área, ante o vestígio deixado pela infração penal, exemplo: necropsia do cadáver. 

A exigência do exame de corpo de delito, no crime de homicídio, nos remete diretamente ao exame do cadáver da vítima. Trata-se do verificação indispensável nas infrações que deixam vestígios. É através desse exame que se constata a realidade da morte e outros aspectos determinantes da causa mortis. 

O exame no cadáver da vítima é realizado por peritos, conforme prevê o art. 159 do Código Processual Penal, bastando apenas um perito oficial, que, após análise minuciosa do corpo, pode fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo legal, elucidando o evento morte. 

 Ao final, os profissionais elaborarão o laudo de necropsia ou laudo cadavérico, descrevendo toda e qualquer informação pertinente extraída da análise do cadáver, conforme dispõe o art. 160 do Código de Processo Penal, que aduz que os peritos elaborarão o laudo pericial, descrevendo minuciosamente o que examinarem, bem como responderão os quesitos formulados. 

Constata-se, portanto, a obrigatoriedade do laudo cadavérico após o exame do corpo, com base nas respostas dos quesitos, que são questões formuladas sobre assunto específico, as quais exigem como resposta opiniões ou pareceres, comprovando, assim, a materialidade delitiva. 

Fernando Capez conceitua o exame de corpo de delito indireto, que diz que tal exame advém de um raciocínio dedutivo sobre um fato narrado por testemunhas, sempre que impossível o exame direto (CAPEZ, 2011, p. 391).  

Ademais, Guilherme de Souza Nucci exemplifica as diferentes formas de prova indireta. Salienta que, excepcionalmente, admite-se que se comprove a materialidade através de outros meios de provas admitidos, tais como: exame da ficha clínica do hospital que atendeu a vítima; fotografias; filmes; atestados (NUCCI, 2010, p. 394). 

Feita esta diferenciação, em que pese a obrigatoriedade da perícia conforme prevê o art. 158 do CPP,  quando houver desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta, porquanto considerada como meio indireto apto à comprovar a materialidade.  

Não obstante, é entendimento da Jurisprudência pátria que a prova indireta consiste tanto no depoimento testemunhal quanto no conjunto de indícios materiais. 

Conforme salienta Walter Coelho, a prova indiciária é uma prova de raciocínio, capaz de iluminar os caminhos de verdade e certeza, cuja articulação exige grande perspicácia, atenção e prudência, porquanto realmente difícil o domínio de sua técnica. Assim, qualquer deslize pode ensejar conclusões viciadas, propiciando enganos e erros judiciários. Ainda, esclarece que os fatos não mentem, mas podem ser mal percebidos ou, também, mal interpretados (COELHO, 1996, p. 59). 

Como bem observa Guilherme Nucci, não se pode atestar a morte de alguém (indiretamente) apenas e tão somente através da frágil e extensa prova oferecida pelos indícios, sendo delicado demais, pois, como se viu, a probabilidade de se estar diante de um erro judiciário é grandíssima.  

Não podemos esquecer, ainda, que a prova indiciária, por mais necessária que seja para a apuração dos fatos, é frágil demais e, ainda, insegura, se observarmos a estrutura oferecida pelos órgãos policiais. 

Nesse ínterim, Nucci salienta que o grau de suficiência para atingir-se a segurança processual adequada, que venha a desestruturar a presunção de inocência, não é tarefa fácil (NUCCI, 2011, p. 48). 

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Dito isto, não pode a ausência do cadáver servir de fundamento a negar a existência de um homicídio. O próprio ordenamento jurídico admite outros meios de prova que nos levam à segura convicção da existência da morte de alguém (BITENCOURT, 2007, p. 30). 

Leva-se em conta, de outro lado, a consideração do exame de corpo de delito indireto, quando a infração deixa somente vestígios imateriais ou quando deixa vestígios materiais, mas que são destruídos ou ocultos por força da natureza ou, até mesmo, pela ação do agente. 

Tenhamos como exemplo a ocorrência de um crime de homicídio, que foi presenciado por várias pessoas - embora tenha havido o desaparecimento do corpo, fato que inviabilizou a perícia -, será possível, bem como imprescindível, neste caso, a colheita dos depoimentos das testemunhas do fato, que serão consideradas aptas a narrar o ocorrido e demonstrar, através do que presenciaram, o cenário da morte. 

Entretanto, por mais evidente que seja a morte de alguém aos olhos de terceiros, jamais haverá a certeza e segurança absolutas quando se tem o exame de corpo de delito, mas, ainda assim, não se pode excluir a ocorrência de crimes acobertados, deliberadamente, tornando impossível, para o Estado, atuar na investigação e perscrutar a culpa do agente.    

Nesse diapasão, importante ressaltar que nem sempre o corpo de delito poderá se formar através de meios indiretos. Há determinados crimes cuja materialidade só poderá ser constatada através de conhecimentos técnicos, como, por exemplo, em relação a drogas ou, ainda, documentos falsos. Uma testemunha não poderá ir à Juízo e mencionar que viu a droga ou que notou um documento falso.  

Nesse sentido, o entendimento da Jurisprudência: 

APELAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. 1. É certo que a cannabis sativa, vulgarmente conhecida como maconha, integra a Portaria 344/98 da ANVISA, mais precisamente a Lista E, isto é, a lista de plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. 2. Ocorre que na Lista F, onde se encontram as substâncias de uso proscrito no Brasil, especificamente na Lista F2 (Substâncias psicotrópicas, item 28) há referência expressa ao TCH - Tetraidrocanabinol. Em nenhum momento há alusão, no rol taxativo de substâncias de uso proibido, a canabinoides. 3. Assim, para haver comprovação da materialidade do fato é imprescindível a demonstração de que a substância apreendida em poder do acusado contém o TCH - Tetraidrocanabinol, ou seja, se trata de substância de uso proscrito. 4. Ausente essa prova e, portanto, certeza absoluta de que a erva esverdeada com característica de maconha é realmente substância entorpecente, a solução adequada a absolvição por insuficiência de provas da materialidade. APELO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70052274511, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 04/04/2013) 

Dessa forma, o delito que envolve substância entorpecente não pode admitir o exame de corpo de delito indireto. Não basta o depoimento de uma testemunha que alega que a substância, apreendida ou transportada, tinha forma e cheiro de maconha. Ora, é necessário prova técnica, um exame químico para sua verificação. Não se admite uma avaliação subjetiva, mas, sim, um exame preciso, científico, fundamental.  Dessa forma, cada caso em concreto deve ser analisado minuciosamente, pois, nos crimes em que há substâncias entorpecentes, nenhuma outra prova poderá suprir a pericial. 

Voltando-se, novamente, ao crime de homicídio, como bem assevera Guilherme Nucci, qualquer pessoa pode narrar a ocorrência de um homicídio, posto que captado facilmente pelo ser humano, independentemente de conhecimentos técnicos aprofundados. No entendimento do respeitável jurista, o legislador, com relação ao art. 167 do CPP, não quis dizer que a testemunha pode suprir toda e qualquer prova pericial, isso seria demasiado arriscado, posto que há exceções conforme já referido anteriormente (NUCCI, 2011, p. 45). 

De modo diverso entende Aury Lopes Jr., defendendo que a perícia possui valor probatório relativo, não podendo ser “endeusada” absolutamente, em que pese o seu valor de conhecimento científico que, ainda assim, é relativo e possui prazo de validade. Dessa forma, entende que não existe a “rainha das provas” no âmbito do processo penal, muito menos a prova pericial o é (LOPES JR., 2013, p. 612).  

Walter Coelho comunga deste entendimento, ao referir que nenhuma prova poderá ser considerada cabal ou absoluta, nem mesmo as provas periciais, tendo em vista a sua fundamentação técnica ou científica, ainda que não se vislumbre erro de natureza conclusiva, bem como em que pese serem consideradas seguras e insuperáveis. Acredita, portanto, que é possível ocorrer erros de observação, e, ainda, falhas na coleta do material a ser examinado, bem como alteração no local dos fatos. Da mesma forma os depoimentos das pessoas inquiridas, que estarão sujeitos às naturais deficiências e imprecisões advindas da prova testemunhal (COELHO, 1996, p. 157). 

Desta feita, somente em falta absoluta da impossibilidade da realização do exame de corpo de delito direto, permite a lei que a prova testemunhal supra à sua falta. Nestes casos, é necessário que as testemunhas compareçam perante a autoridade policial ou judicial e declarem o que viram e, a partir dessas declarações, dará a autoridade por suprido o exame direto. (BITENCOURT, 2007, p. 31). 

Nada é ad absolutum. O exame de corpo de delito, embora passível de erros com relação ao seu resultado, leva-nos o mais perto da certeza possível. Ou seja, em um milhão de possibilidades de acertos, haverá, sempre, aquele 01% de possibilidade de erro. 

Tanto é verdade, pois somente a realização do exame de corpo de delito constitui perícia obrigatória, nos termos do art. 184 do CPP, que prevê que o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária à elucidação da verdade, salvo o caso do exame de corpo de delito.  

Sobre os autores
Nathiane Leivas Vaz

Advogada, inscrita na OAB/RS 98.267. Especialista em Direito Tributário. Servidora Pública.

Enrique Omar

Assessor MP/RS; Professor Anhanguera Pelotas/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VAZ, Nathiane Leivas; ROCHA, Enrique Omar et al. Homicídio sem cadáver. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5671, 10 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67859. Acesso em: 23 nov. 2024.

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