RESUMO:A Sociedade em Conta de Participação pode ser classificada como modalidade societária existente no ordenamento jurídico pátrio. Este tipo foi introduzido pelo Código Comercial – Lei nº 556 de 25 de junho de 1850, sendo mantida pelo atual Código Civil – Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002. Trata-se de uma sociedade despersonificada na qual seus sócios integrantes são denominados Sócio Ostensivo – o que exerce a atividade do objeto social e se obriga perante terceiros – e Sócio Participante ou Sócio Oculto – quem apenas participa dos resultados do negócio. Assim, a Sociedade em Conta de Participação caracteriza-se por não ter maiores formalidades na sua constituição, sendo dispensado seu registro no ato constitutivo das empresas mercantis. Diante disso, não possui personalidade jurídica, e consequentemente não detém patrimônio próprio. Contudo, a Sociedade em Conta de participação pode funcionar como uma sociedade empresária, como se constituída fosse, tendo o sócio ostensivo, obrigatoriamente, como seu administrador e os demais sócios como participantes do Resultado da empresa. Assim, a desburocratização na constituição dessas sociedades, bem como sua tributação equiparada às das sociedades registradas torna essa espécie societária um atrativo aos empresários, e às pessoas colocadas como participantes uma vez que reduz a tributação nos negócios realizados. Tanto que a Receita federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa nº 1634 de 06 de maio de 2016 exige a inscrição dessas sociedades no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, fato este que era expressamente dispensado pela IN nº 179 de 31 de dezembro e 1987. Nesse diapasão, as sociedades prestadoras de serviços, no manejo de seus contratos, podem utilizar-se essa modalidade para colocar seus profissionais como sócios sem a necessidade de assentamento no registro mercantil, otimizando seus lucros e reduzindo substancialmente sua tributação.
PALAVRAS CHAVE: Sociedade. Conta. Participação. Planejamento. Tributário. Prestação. Serviços
ABSTRACT:The Company Participation Account may be classified as a corporate entity existing in the country's legal order. This type was introduced by the Commercial Code - Act 556 of June 25th, 1850, and is maintained by the current Civil Code – Act 10406 of January 10th, 2002. It is a disempowered company in which its members are denominated Ostensive Partner - who carries out the activity of the corporate purpose and is obligated before third parties - and Participating Member or Hidden Partner - who only participates in the results of the business. Thus, the Company in a Participation Account is characterized by not having more formalities in its constitution, being exempted its registration in the act constituting the mercantile companies. Therefore, it does not have legal personality, and consequently does not have its own equity. However, the Company Participation Account may act as a corporate entity, as if it were formed, with the ostensible partner necessarily as its administrator and the other partners as participants in the Company's results. Thus, de-bureaucratization in the constitution of these companies, as well as their taxation similar to those of registered companies, makes this corporate type an attraction to entrepreneurs, and to the people placed as participants since it reduces taxation in the businesses carried out. So that the Federal Revenue of Brazil, by means of Normative Instruction 1634 of May 6th, 2016, requires the registration of these companies in the National Registry of Legal Entities - CNPJ, a fact that was expressly waived by Norma nº 179 of December 31st and 1987. In this context, providing services companies, in the management of their contracts, can use this modality to place their professionals as partners without needing to settle in the commercial registry, optimizing their profits and substantially reducing their taxation.
1 INTRODUÇÃO
O Direito é condicionado pelo fenômeno econômico. As leis, como sendo uma expressão jurídica de vontade compulsória, vontade esta emanadas unilateralmente pelo estado, sendo muitas delas fontes de regulação do estado na economia, formam uma simbiose entre o Direito e a Economia.
Não se pode ignorar leis de outras ciências, como se o Direito pudesse funcionar de uma maneira autônoma. Aliás, tal pretensão é vã, pois as leis científicas não são derrogáveis. As Leis com valor jurídico, emanadas do estado, devem estar com concordância com as leis da ciência, não se podendo ordenar que o Sol pare de brilhar ou que a Lua pare girar ao redor da terra.
Com efeito, tem-se incentivado cada vez mais a interdisciplinaridade no estudo do Direito. Não há como entender os institutos do Direito Tributário, Empresarial e Econômico sem antes passar os conhecimentos históricos de sociologia, de filosofia, de antropologia e em especial das demais Ciências Econômicas e Contábeis, que emprestam seus conceitos para as disposições legais que regulam atividade tributária e empresarial.
Assim, sendo o Direito uma ciência social aplicada, ele se comporta de acordo com a finalidade para qual se dirige sua aplicação. As normas jurídicas devem perseguir sempre a legítima finalidade social e econômica a que se dirigem. Assim, observando que os institutos de Direito Empresarial unidos aos mecanismos de planejamento tributário ou elisão fiscal possibilitam ao empresário a redução de despesas e o aumento do lucro, por meio de um tipo societário que consiste na ausência de personalidade jurídica e registro social.
É certo que a personalidade jurídica atribuída às sociedades empresárias exonera o patrimônio pessoal dos sócios de risco proeminentes da realização de negócios. Entretanto, a personalidade jurídica não é comum a todos os tipos societários. Além da sociedade em comum – que configura como uma sociedade irregular devido à ausência de registro – existe outro tipo societário desprovido registro, bem como do instituto da personalidade jurídica que, porém, não a faz irregular.
Trata-se da Sociedade em Conta de Participação, que se caracteriza por ser desprovida de personalidade jurídica, de patrimônio próprio, dispensado ainda o registro dos seus atos constitutivos. A SCP é formada por um sócio ostensivo que responde e se obriga perante terceiros e por sócios participantes ou ocultos, que compartilham dos resultados da sociedade e respondem exclusivamente ao o sócio ostensivo. Assim, diante da facilidade e rapidez para sua constituição, a Conta de Participação é uma alternativa à desburocratização do registro, otimizando os negócios e resultados empresariais.
A SCP traz diversas vantagens ao empresário e seus sócios na realização de negócio determinado. A importância da Conta de Participação em sua efetiva utilização pela classe empresarial reside no fato de não haver registro desse tipo societário, bem como ser uma forma eficiente e eficaz de planejamento tributário sem necessariamente infringir a legislação fiscal. Em especial, a SCP mostra-se como um tipo ideal para as sociedades prestadoras de serviços que tenham em seus quadros profissionais liberais autônomos, sem que estes figurem nos quadros societários.
Observando a SCP como forma de planejamento fiscal, mostra a simbiose entre o Direito Empresarial e Tributário, uma vez que os mecanismos contratuais e societários na atividade empresarial podem influir nos aspectos tributários, podendo reduzir a carga, ampliando a lucratividade através do planejamento tributário.
2 O DIREITO EMPRESARIAL E A ATIVIDADE MERCANTIL
A atividade comercial é uma das formas mais evidentes do desenvolvimento tecnológico. Desde os primórdios da civilização humana, o comércio tem se mostrado como uma atividade muito atrativa devido à sua capacidade de realização a quem exerce: a geração de lucro. Esta atividade originou-se de maneira simples. Com o seu desenvolvimento e a geração de novas tecnologias, o exercício do comércio se difundiu de modo a se profissionalizar.
Diante disso, tornou-se necessário a regulação dessas atividades, por meio de legislação especializada Como isso surgiu o Direito Comercial ou Mercantil, que disciplinou as atividades de mercancia por meio de legislação pertinente as essas práticas. Com a modernização do comércio e o advento de novas tecnologias, o Direito Comercial perdeu espeço para o Direito Empresarial, uma vez que este possui maior amplitude e maior alcance nas relações jurídicas aplicadas aos empresários.
Assim, a figura do comerciante perdeu espaço para a figura do empresário, que possui um maior alcance nas relações inerentes à atividade negocial.
2.1 O surgimento do comércio
O comércio surgiu por meio de uma forma rudimentar denominada escambo ou permuta. Trata-se de uma maneira de haver bens por meio da troca de outros bens. Nessa fase o comércio ainda não tinha sentido econômico, não visando o lucro. Com o aumento da população e a grande diversidade de interesses e necessidades, as pessoas começaram a se deslocar para lugares mais distantes, oferecendo seus produtos em troca de outros bens. Percebeu-se nisso que havia divergências entre os valores atribuídos aos bens o que gerava um desnível nas transações.
Diante de tal situação, surgiu a necessidade de um denominador comum que permitisse a imediata aquisição de bens, mediante a simples entrega de um bem de aceitação gera, Surgiu assim o dinheiro na forma de moeda. (COSTA: 2006 p.20-21)
A moeda simplificou as transações comerciais contribuindo para o desenvolvimento do comércio otimizando a circulação de riquezas o que surgiu profissionalizou a atividade do comerciante, caracterizada pela intermediação e habitualidade e pelo intuito de lucro.
Assim, com a atividade comercial profissionalizada passou a haver a reunião de bens, denominados mercadorias, em qualidade e quantidades necessárias para serem vendidas. Nesse sentido TOMAZZETTE (2008 p.3-4) diz que “nessa atividade profissional é que podemos dar os exatos contornos do que se concebe como comércio”.
Ante a dinamização das transações comerciais, surgiu as primeiras normas aplicadas ao comércio O Código de Hamurabi foi o primeiro documento histórico que disciplinou a atividade mercantil como a se conhece, regulando temas como empréstimos a juros, depósito, contratos, sociedades mercantis. (ZORTÊA:1980 p.380)
Passando pela Roma antiga e Império Romano, o comércio era proibido aos cidadãos romanos, em especial os integrantes da nobreza. Assim a atividade mercantil era desempenhada apenas por estrangeiros, peregrinos e escravos. Entretanto, o comércio é uma atividade lucrativa. Logo, os cidadãos romanos, presenciando o sucesso econômico dos comerciantes, começaram a se interessar pelo exercício dessa atividade, violando leis que os proibiam da prática comercial. Com isso criaram sociedades as quais contribuíam apenas com o capital, porém ocultos perante terceiros. Observa-se ai uma espécie de embrião das Sociedades em Conta de Participação.
Na idade medida, com o surgimento dos feudos, as atividades mercantis sofreram certa paralização. Uma vez que os Feudos eram autossuficientes, eles consumiam aquilo que produziam. Contudo, diversos feudos sofreram invasão por povos bárbaros o que culminou na expulsão ou inviabilização de muitos indivíduos dentro dos Feudos. Esses indivíduos começaram a praticar o artesanato, transformando matéria prima em produtos e mercadoria, percebendo assim que poderiam compra e vender. Esses artesãos foram se concentrando em lugares chamados burgos. Daí o termo burguês.
Com o desenvolvimento dos burgos e o surgimento das Corporações de ofícios e de mercadores ocorreu divisão do Direito Comercial do Direito Civil, tornando-se aquele o direito dos mercadores. O Direito Comercial passou a ser entendido como o direito dos comerciantes de natureza subjetiva. As normas mercantis baseavam-se nos usos e costumes comerciais, aplicadas por um juiz eleito pelas corporações, o cônsul, e só tinham eficácia dentro das próprias corporações.
A definição de comerciante era restrita àquelas que eram devidamente matriculados pelas corporações de ofício, sendo assim, não poderiam exercer a atividade mercantil quem não detivesse seu registro. Isso denota a restrição de aplicação das normas mercantis, tornando o Direito Comercial restrito a uma classe profissional.
Na idade moderna, com as grandes navegações e o comercio realizado entre a Europa e a Ásia, houve a estatização do Direito Comercial, sendo que as normas mercantis não mais seriam emanadas das corporações de ofício, mas do próprio estado. Porém o Direito Comercial continuava corporativista, sendo comerciante apenas quem detinha o seu devido registro para o exercício dessa atividade pelas próprias corporações.
RAMOS (2011 p.3) denota assim a evolução do Direito Comercial nesse período ao dizer que
é interessante notar a verdadeira revolução que o Direito Comercial, nessa sua primeira fase evolutiva, provocou na doutrina contratualista, rompendo com a teoria contratual cristalizada pelo direito romano. Em Roma, os ideais de segurança e estabilidade da classe dominante "prenderam" o contrato, atrelando-o ao instituto da propriedade. Era o contrato, grosso modo, apenas o instrumento por meio do qual se adquiria ou se transferia uma coisa. Essa concepção um tanto estática de contrato, inerente ao direito romano, obviamente não se coadunava com os ideais da classe mercantil em ascensão. Nesse sentido, perde espaço a solenidade na celebração das avenças, e surge, triunfante, o principio da liberdade na forma de celebração dos contratos.
O sistema de jurisdição especial que marca essa primeira fase do Direito comercial provoca uma ruptura na teoria do direito, pois o sistema utilizado nesta nova perspectiva derroga o sistema jurídico tradicional devido à sua flexibilização. Assim, as formas avençadas pelos que exerciam à prática comercial eram menos formais àquelas exercidas pelo Direito Civil, devido à dinâmica das práticas mercantis.
Além da informalidade das práticas mercantis através da ruptura do Direito Comercial com o Direito Civil, o Direito Empresarial interligou-se ao Direito Tributário, fazendo uma simbiose entre si. Um bom exemplo e o fato do Código Tributário Nacional disciplinar sobre a sucessão nos contratos de trespasse e transferência do fundo de comercio[1], definir responsabilidade dos sócios e administradores[2], bem como definir a desconsideração da personalidade jurídica pela via administrativa nos casos de excesso de poder[3], denota esta cumplicidade entre esses dois ramos do Direito.
2.2 Dos Atos de Comércio à Teoria da Empresa
Com o advento Código Napoleônico de 1807, definido como “Code Commerce” o Direito Comercial deixa de ser corporativo, inaugurando uma nova fase. Foram consagrados os atos de Comércio, que dava maior flexibilidade no exercício do comércio, tendo qualificação ou não, o comerciante poderia, exercer a atividade de comercio bastando estar registrado como tal, exercendo atividade mercantil.
Os atos de comércio eram definidos em rol taxativo, ou seja, numerus clausus No Brasil, com o advento do Código Comercial de 1850, foi editado o Decreto nº 737 de 25 de novembro de 1850, que definiu os atos de comércio, encontrando-se dispostos no art. 19:
Art. 19. Considera-se mercancia:
§ 1º A compra e venda ou troca de effeitos moveis, ou semoventes para os vender por grosso ou a retalho, na mesma especie ou manufacturados, ou para alugar o seu uso;
§ 2º As operações de cambio, banco, e corretagem;
§ 3º As emprezas de fabricas; de commissões; de depositos; de expedição, consignação, e transporte de mercadorias; de espectaculos publicos;
§ 4º Os seguros, fretamentos, risco, e quaesquer contractos relativos ao commercio maritimo;
§ 5º A armação e expedição de navios.
Sob esta perspectiva, GUSMÃO (2008 p.1) define os atos de comercio como: subjetivos ou por natureza, ou seja, praticados pelos comerciantes no exercício de suas funções; objetivos ou por força de lei, pois praticados por comerciantes ou não comerciantes, todavia a lei impunha sua comercialidade; por dependência, acessórios ou por conexão, que originalmente eram atos civis que se transformavam em comerciais por se destinarem a facilitar o exercício da atividade mercantil.
A teoria dos atos de comércio ou de mercancia deixou de cuidar de determinadas atividades o que careceu a aplicação das leis mercantis para disciplinar uma forma específica a produzir ou circulação de bens ou serviços. Os Atos de comércio se fizeram muito limitados para a regulação do Direito Empresarial, pois se a atividade exercida pelo empresário estivesse fora da definição legal, a mesma não seria regulada pelas leis comerciais.
Deste modo, fez necessária a adoção de uma teoria mais dinâmica que satisfizesse a atividade mercantil não apenas a determinados atos, mas a toda e qualquer atividade econômica que produza de forma organizada e a circulação de bens e serviços. Trata-se da Teoria da Empresa, que nasceu na Itália, desenvolvendo-se para corrigir as lacunas deixadas pela teoria dos atos de comércio. (MARCONDES: 1970 p.1)
O art. 966 do Código Civil contemplou a Teoria da Empresa, ao especificar que “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Sobre as atividades qualificadas como de empresa, ASQUINI (Apud. MARCONDES 1970 p. 23-24) definiu a empresa em quatro dimensões: subjetiva; objetiva; funcional e institucional ou corporativa. A dimensão subjetiva é definida pelo sujeito que exerce a atividade; já a objetiva consiste no patrimônio direcionado para o exercício dessa atividade; a dimensão funcional é a atividade empresarial propriamente dita, que seria a essência da atividade empresarial.
A quarta e ultima dimensão é a institucional ou corporativa. Nesta dimensão, mais complexa que as outras, a empresa vem definida desvinculada do interesse individual do empresário, mas como um agrupamento humano que atua organizadamente para os seus fins institucionais. A dimensão corporativa da empresa é formada não apenas pelo empresário, mas todos aqueles que exercem a atividade consigo, em conjunto ou ainda em anexo reunidos em prol de um resultado econômico. Esta dimensão aproxima da definição trazida por COASE (apud MARTINS FILHO: 2010 p. 386), a qual define a empresa como um feixe de contratos organizados e coordenados pelo empresário.
COELHO (2007 p. 19) discorda, alegando que:
Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa).
A teoria da empresa substituiu os atos de comercio dando maior alcance às atividades empresariais. A definição de empresa é, portanto, atividade que substituiu os atos de comércio não se confundindo com o estabelecimento, tampouco com o sujeito, sendo assim definhada no seu perfil funcional, como atividade.
Portanto, sendo a empresa uma atividade, as sociedades em conta de participação definindo seu objeto social podem ser entendidas como empresários, mesmo que desprovida de registro. Assim pela teoria da empresa essa modalidade social pode perfeitamente ser aplicada no ordenamento jurídico pátrio, tanto na forma de sociedade como na forme de contrato de investimento travestido de sociedade.