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A sociedade em conta de participação como planejamento tributário nos contratos de prestação de serviços

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08/02/2019 às 14:55
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3 A SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO

O Direito societário é um sub-ramo do Direito Empresarial que estuda as sociedades empresariais, e seus mecanismos de funcionamento. O Código Civil, ao disciplinar as sociedades, as divide em dois grupos: sociedades personificadas e sociedades despersonificadas. As sociedades personificadas possuem patrimônio próprio, a obrigatoriedade do registro perante os registros públicos das empresas mercantis.

Já as sociedades despersonificadas são desprovidas e registro e patrimônio. RAMOS (2011 p. 172) entende que as sociedades despersonificadas configuram como contraditória no Código Civil, porém, o fato de serem disciplinadas traz segurança jurídica às relações advindas das espécies societárias deste grupo:

Cumpre esclarecer, inicialmente, que parece contraditória em si a expressão sociedade não personificada. De fato, se a sociedade é uma categoria de pessoa jurídica, não se pode admitir que uma sociedade não tenha personalidade jurídica. Ou se trata de uma sociedade, consequentemente dotada de personalidade jurídica, ou não se trata de uma sociedade. Por outro lado, entende-se a opção do legislador de disciplinar as chamadas sociedades não personificadas, não obstante a impropriedade da expressão, conforme destacado acima. Quis o legislador, ao disciplinar essas "sociedades", conferir um mínimo de segurança jurídica às suas relações, que não são poucas.

A Sociedade em Conta de Participação é uma sociedade despersonificada, sendo-lhe dispensado o registro, e mesmo que registro tenha, ele não lhe confere personalidade jurídica, conforme art. 992 c/c art. 993 do Código Civil:

Art. 992. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.

Art. 993. O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.

Assim, o Código confere ao contrato, ao instrumento particular de constituição da SCP, ou ainda a qualquer outro meio a prova de sua existência. Diferentemente da sociedade em comum, disciplinada pelos artigos 986 a 990 do Código Civil[4], a SCP é uma sociedade regularizada, mesmo não tendo personalidade jurídica, sendo esta uma determinação legal.

GALIZZI (2008 p. 55) adverte que o uso de qualquer meio de prova para a constituição da SCP dificulta a identificação de um negócio jurídico. A utilização de um instrumento para regular a Sociedade em Conta de Participação identifica em paralelo aos seus demais requisitos de validade, bem como a efetiva participação do sócio oculto nos resultados decorrentes das operações entabuladas pelo sócio ostensivo.

Por outro lado, a informalidade da constituição da SCP pode ser utiliza em situações emergenciais, na operação de tal forma que não permita as formalidades exigidas por lei. (GALIZZI: 2008 p. 48)

Porém, mesmo com toda a informalidade na constituição da SCP lhe é exigido da inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ. Entretanto, essa inscrição não confere personalidade jurídica, sendo um mero controle fiscal, sobre a constituição dessas sociedades e a escrituração dos ativos do fundo social, movimentados por esta espécie societária.

Assim, a SCP apesar de informal possui controle para fins de tributação.

3.1 A Conta de Participação

Existem diversas divergências se a SCP configura como uma sociedade ou como um mero contrato de investimento entre sócio ostensivo e sócio oculto. Na verdade a SCP pode se configurar nas duas formas. Tanto como contrato, tanto como sociedade, dependendo do objetivo da sua constituição.

Portanto, pode-se estabelecer uma diferença significativa entre a Conta de Participação e as Sociedades em conta de Participação. Essa diferenciação resolveria diversas divergências doutrinárias, bem como levaria a um entendimento de investimento entre participantes e sócios ostensivos.

TOMAZETTE (2008 p. 280) define a conta de participação como sendo:

 uma sociedade oculta, que não aparece perante terceiros, sendo desprovida de personalidade jurídica. O que a caracteriza é a existência de dois tipos de sócios, quais sejam, o sócio ostensivo, que aparece e assume toda a responsabilidade perante terceiros, e o sócio participante, também conhecido como sócio oculto, que não aparece perante terceiros e só tem responsabilidade perante o ostensivo, nos termos do ajuste entre eles.”

Em contrapartida, GUSMÃO (2009 p.100) defende que a conta de participação trata “de verdadeiro contrato (escrito ou verbal) de participação entre os sócios ostensivo e participante”.

Essa ideia é completada por COELHO (2007), que define a Conta de participação é um contrato de investimento não podendo ser classificada como sociedade devido à ausência de personalidade jurídica:

Definidas as sociedades empresárias como pessoas jurídicas, seria incorreto considerar a conta de participação uma espécie destas. Embora a maioria da doutrina conclua em sentido oposto (...), a conta de participação, a rigor, não passa de um contrato de investimento comum, que o legislador, impropriamente, denominou sociedade. Suas marcas características, que a afastam da sociedade empresária típica, são a despersonalização (ela não é pessoa jurídica) e a natureza secreta (seu ato constitutivo não precisa ser levado a registro na Junta Comercial).

Já ALMEIDA afirma que se trata de “sociedade oculta, desprovida de personalidade moral, é sempre chamada para preencher o vazio jurídico, para reger novas situações decorrentes da contínua evolução das atividades mercantis”.

A Conta de Participação pode ser considerada tanto como sociedade, quanto como contrato de investimento, dependendo da operação a que se destina. Um bom exemplo da conta de participação é o caso dos fundos de investimento, os quais se comportam perfeitamente como um contrato de conta de participação na modalidade de investimento, conforme defende COELHO (op. cit.).

Os fundos de investimento funcionam como uma carteira de ativos os quais, são geridos por uma administradora, os quais os cotista, ou participantes, injetam recursos com o fim do retorno advindo pelo investimento realizado. Na sua essência, os fundos comportam-se como contratos de conta de participação, pois os investidores detêm parcela de seu patrimônio aplicando recursos.

O administrador é responsável pelo patrimônio total do fundo de investimento perante terceiros, devendo arcar com prejuízo dos demais cotistas, assim como um sócio ostensivo em uma SCP. Os cotistas, por sua vez, só respondem exclusivamente perante o administrador até o limite do montante de suas cotas, conforme reza o art. 991 parágrafo único do Código Civil[5].

Cumpre registrar que a relação da sociedade em conta de participação feita com Fundos de Investimento não se confunde com o fundo social da SCP, que será discorrido, apesar de que demonstra como é formado o patrimônio da SCP entre o sócio ostensivo e os participantes.

Em suma, a conta de participação não poderia deixar de ser caracterizada como sociedade, mesmo que despersonificada. Seja no caso de investimentos, seja no caso da composição de sociedade para participação em negócio jurídico ou para a prestação de serviços, o modelo de sociedade é o ideal para fins de escrituração fiscal nos moldes do Regulamento do Imposto de Renda – RIR.

3.1.1 A caracterização da SCP como sociedade

Diante da fundamentação a cerca da natureza jurídica da Sociedade em Conta em Participação como uma espécie de contrato de investimento, como sociedade, a SCP possui natureza jurídica dupla, sem, contudo, perder o caráter de sociedade na sua essência, mesmo que despersonificada. A Sociedade em Conta de Participação pode funcionar como um investimento, mas também pode funcionar como uma sociedade constituída seja ela empresária ou simples.

A SCP não perde seu caráter social, mesmo como um contrato de investimento. Com o advento do Código Civil, sua natureza jurídica ficou mais cristalina. O art. 991 caput e parágrafo único, do Código Civil definem as diretrizes dessa sociedade despersonificada, colocando o objeto social e a responsabilidade perante terceiros a cargo exclusivo do Sócio ostensivo: Por conseguinte oculta os participantes a fim de que estes respondam exclusivamente ao ostensivo:

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Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.

Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.

Um fator que merece destaque é o fato de que o Sócio ostensivo tem que necessariamente ser uma Sociedade pré-constituída, empresária ou simples, de modo que o objeto social não pode ir além do objeto explorado pelo sócio ostensivo com base no seu CNAE. Apesar de esta determinação estar subtendida pelo Código Civil, este diploma legal silencia quanto a isto. Por sua vez, o art. 325 do Código Comercial dispunha expressamente esse pré-requisito para a constituição da SCP:

Art. 325 Quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual para o fim social, a associação toma o nome de sociedade em conta de participação, acidental, momentânea ou anônima; esta sociedade não está sujeita às formalidades prescritas para a formação das outras sociedades, e pode provar-se por todo o gênero de provas admitidas nos contratos comerciais (artigo nº. 122).

Observa-se que o Código Comercial de 1850 define que o sócio ostensivo deva ser necessariamente comerciante, deixando obscuro se uma sociedade civil poder-se-ia celebrar contratos de conta de participação. Para sanar essa lacuna, o silencio do Código Civil coloca-se como permissivo, podendo a SCP ser utilizada inclusive às sociedades simples prestadoras de serviços.

Quanto ao objeto social da SCP, o entendimento é de que ele deve estar adstrito ao objeto social do sócio ostensivo. Não existe possibilidade de o sócio ostensivo ser pessoa física, a não ser que seja equiparado a empresário. O sócio ostensivo irá utilizar de sua personalidade jurídica para conferir a legitimidade de exercício do objeto da SCP. Aliás, sob esta ótica não pode então o sócio ostensivo explorar por meio da SCP objeto estranho ao seu CNAE. O objeto explorado Por essas sociedades deve estar dentro dos limites do objeto social do sócio ostensivo sob pena de ineficácia do contrato que constitui a SCP.

O Código Civil silencia quanto à essa questão inerente ao sócio ostensivo. Entretanto, na exegese do art. 325 do Código Comercial, mesmo que revogado, a determinação é a de que a SCP deveria ser formada por pelo menos uma pessoa jurídica. Deste modo entende-se que a pessoa física, se não equiparada a jurídica, não terá legitimidade para exercer o objeto social, tirando a legitimidade da SCP como sociedade.

Quanto à personalidade jurídica, apesar dela conferir existência legal própria, conferir direitos e obrigações, autonomia patrimonial, a Sociedade em Conta de Participação não se tornar pública, pois o sócio ostensivo exerce o papel de aparecer e se obrigar perante terceiros em nome da a sociedade. A falta de capacidade de contrair direitos e obrigações delega responsabilidade exclusiva ao sócio ostensivo.

Assim, a SCP é sociedade regular, mesmo que desprovida de personalidade jurídica própria, estando sempre representada pelo sócio ostensivo. Devido à ausência de personalidade jurídica a SCP não possui titularidade obrigacional nem processual, não possuindo ainda patrimônio próprio. O sócio ostensivo, na administração da SCP terá seu patrimônio acrescido das contribuições efetuadas pelos sócios participantes.

    3.1.1.1 O Fundo Social

Os aportes destinados à exploração do objeto da SCP constitui-se como patrimônio do sócio ostensivo, formando um fundo social que é o um conjunto de entradas vinculadas aos negócios que constituem o objeto social da sociedade. E certo que uma das características principais de uma sociedade personificada é a sua autonomia patrimonial. Assim o patrimônio do sócio ostensivo responderá perante terceiros e não o patrimônio pessoal dos sócios.

Sob esta ótica, o art. 994 do Código Civil dispõe sobre o fundo social ao dizer que “a contribuição do sócio participante constitui, como a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa ais negócios sociais”.

Nesse sentido GALIZZI (2008 p.81), atesta que o fundo social não pertence à sociedade, mas é destinado aos sócios ostensivo e participante:

o conjunto dos bens afetados ao objeto da sociedade em conta de participação não constitui um fundo social no sentido de que pertencem à sociedade, a qual, como foi assinalado, não tem patrimônio próprio. Na sociedade em conta de participação, os fundos são sociais não em relação à titularidade, mas tendo em vista sua destinação.

Quanto à escrituração fiscal dos bens sociais direcionados ao fundo social da SCP, o patrimônio afetado deve estar registrado dentro das demonstrações contábeis do sócio ostensivo como fundo social ou contribuição dos sócios participantes, sendo que a denominação “fundo social” nela inserida é utilizada para a finalidade social da sociedade e não no sentido de pertencer à sociedade.[6]

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Sobre o autor
Daniel Rebello Baitello

Advogado Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas.. MBA em Contabilidade e Direito Tributário. LLM em Direito Empresarial. LLM em Contratos. Foi Professor de Direito Tributário da Escola de Negócios das Faculdades Projeção nos cursos de Contabilidade e Administração.Professor de Direito Empresarial da Escola de Ciências Jurídicas e Sociais das Faculdades Projeção. Professor nos cursos de Direito da Faculdade JK.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAITELLO, Daniel Rebello. A sociedade em conta de participação como planejamento tributário nos contratos de prestação de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5700, 8 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69403. Acesso em: 19 abr. 2024.

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