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Inseminação heteróloga: direito a identidade genética, sigilo do doador e direito de herança

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Resumo: O presente artigo tem o objetivo de analisar os aspectos controvertidos que envolvem a inseminação artificial heteróloga sobre o prisma da doutrina e da jurisprudência, além de abordar assuntos de grande relevância, quais sejam a possibilidade de identificação da origem genética e seus reflexos quanto ao sigilo do doador e adentrar na seara do direito de herança como primazia da dignidade da pessoa humana. Desenvolvida inicialmente nos Estados Unidos, a inseminação heteróloga propiciou a realização do sonho da pessoa de ser pai e de ser mãe. No Brasil, a grande dificuldade na discussão é exatamente o fato de não haver legislação específica para o tema, o que dificulta as relações daí advindas. Este instituto de inseminação artificial traz consigo questões de grande relevância, dos quais, o direito à identidade genética, que propicia que não haja por desconhecimento, uma possível relação amorosa entre irmãos, e que, por outro lado, encontra-se defronte com o direito ao sigilo do doador, pois neste caso, a jurisprudência entende que em última análise, o filho terá direito ao conhecimento do seu genitor. Por fim, a doutrina e a jurisprudência entende que a inseminação artificial heteróloga tem grande importância, e que, quanto ao filho advindo da inseminação artificial, este terá o direito de herança, mas não em relação ao seu genitor doador, podendo, inclusive conhecê-lo. Ademais, o que se percebeu é que há grande necessidade de uma legislação especial para tratar de forma específica o presente tema abordado.

Palavras-chave: Inseminação heteróloga; Identidade; Genética; Sigilo do doador; Direito de herança.


INTRODUÇÃO

O presente artigo versa sobre o tema “Inseminação Heteróloga: Direito a Identidade Genética: Direito ao Sigilo do Doador: Direito de Herança”. Nesse contexto, o que se visa é analisar a Reprodução Humana assistida no que se refere aos aspectos jurídicos e doutrinários, pois a falta de regulamentação pode gerar consequências negativas aos embriões o que é possível de ser resolvido por uma norma específica.

Outro ponto a ser verificado é a relação que se dá em relação ao convívio sócioafetivo, principalmente sobre a possibilidade da identidade genética do doador de gametas. É importante ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana é muito amplo, porém é de fundamental importância no tocante ao embrião, contudo, a grande dificuldade é em estabelecer o direito do sigilo do doador. Entretanto, a melhor forma é a manutenção do direito do indivíduo desde a sua concepção.

Outra questão importante a ser verificada é a relação da filiação, seja ela por método natural, seja ela por método artificial, principalmente sobre o prisma do direito de herança, pois a dificuldade é de se verificar a possibilidade de herança pós morte do doador de gametas, já que a doutrina entende não haver tal direito quando se trata do filho, fruto da inseminação requerer o direito de herança daquele que doa, quando este é apenas um doador voluntário ou ainda que envolva algum benefício de cunho financeiro.

De outro lado, o que se busca é a dignidade da criança, que, na relação parental, deve ter o seu direito respeitado e deve ser parte fundamental na relação afetiva, não só como um mero objeto de satisfazer desejos de terceiros, mas como uma pessoa que detêm direitos e que esses direitos devem ser preservados.

Nos dias atuais, embora a cultura ainda faça parte no contexto social, há de se verificar a predominância de leis que buscam disciplinar a relação parental, entretanto, muito há de se fazer para melhorar e facilitar esse convívio, respeitando as garantia fundamentais elencadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois a legislação ainda é bastante falha na disciplina de direitos advindos dessa relação.

Desse modo, podemos observar que o conceito de família vai além do entendimento cultural, passando assim a formar um direito positivamente disciplinado. Para reforçar esse contexto, o código civil 2002, artigos 1.511 e seguintes, disciplinam a relação familiar. Portanto, o direito positivado ganhou espaço e veio reforçar o que de fato já existia como norma cultural, desta vez, por meio de normas escritas (BRASIL).


INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA

Quanto à filiação pelo método artificial de inseminação, no presente caso, heteróloga, esta se diferencia do método natural, haja vista que, para o método natural é necessário que o homem e a mulher sejam aptos à fertilização natural, qual seja, através da relação sexual para poder ocorrer à reprodução humana (BARROS, 2010, p. 37).  

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A inseminação artificial heteróloga, Conhecida também como reprodução humana assistida, em contrapartida à reprodução humana natural, depende de intervenção médica, ou seja, será necessário que o casal receba material genético de outra pessoa para que possa haver a reprodução (SOUZA, 2007, p.40).

De outro lado, entende-se não bastar tão somente um simples ato, mas sim um acompanhamento, ou seja, um desdobramento de operações necessárias para unificação de espermatozoide com óvulos, passando a dar origem ao indivíduo, ou seja, ao ser humano (DINIZ, 2006, p. 552).

É de se ressaltar que, quanto à reprodução humana, a técnica de reprodução artificial heteróloga ocorre mediante intervenção médica, onde o casal, no presente caso, os pais, contrata os serviços necessários à concepção do indivíduo, sem que um deles tenha a participação no fornecimento do gameta (COELHO, 2011, p. 164).

Acompanhando esse raciocínio, é necessário que um terceiro ceda o material genético, entretanto é necessária a concordância de ambos no procedimento da inseminação artificial. Ademais, para a presente autora, a partir do momento que o gameta é implantado, não caberá às partes a retratação. Contudo, ressalta ainda que a irretratabilidade encontre exceção, no que diz respeito à dissolução do matrimonio, ainda que seja a união estável (DIAS, 2013, p.378).

A boa notícia às pessoas que não conseguem ter filhos pelo método natural é que, com o desenvolvimento da presente técnica, precisamente nos Estados Unidos, em meados do século XIX, veio a possibilidade de realização do sonho de constituir uma família, tendo por base a presença de um filho (BARROS, 2010, p. 99). 

A reprodução humana através da técnica heteróloga é um meio bastante promissor, pois propicia ao casal a possibilidade de constituição de uma família, composta por filho. Nesse contexto, é importante ressaltar que mulheres e homens, muitas das vezes sofrem por falta de condições necessárias à reprodução natural (COELHO, 2011, p.170). 

Nesse presente contexto, a evolução da tecnologia, no que diz respeito à biotecnologia, trouxe uma série de mudanças na relação envolvendo filhos por meio do método artificial, considerando-a como uma verdadeira revolução no instituto da filiação (DIAS, 2013, p.375).

A esse respeito, cabe destacar que segundo Ferraz (1991, p.44) citado por Barros (2010, p.39) o avanço da tecnologia, vem cada vez mais desempenhando um papel importante no meio social, tendo em vista que o nascimento do ser humano pode se dar de forma assexuada, isso graças aos grandes avanços na biotecnologia. 


PROBLEMÁTICAS JURÍDICAS E OS PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA

É importante destacar que a inseminação artificial deve ser embasada tão somente no fato de haver impotência sexual por parte de uma pessoa do casal, sendo inaceitável a sua utilização quando há a possibilidade de fertilização por parte do casal, qual seja através da relação sexual (BARBAS, 2006, p. 223).

Outro ponto importante que merece destaque é que uma preocupação se dar em relação à escolha do sexo, pois isso poderia levar a sérios problemas de convívio entre os pais e filhos. Assim sendo, é necessário haver proibição total em relação á tentativa de intervenção que tenha como fundamento a escolha do sexo dos filhos advindos da inseminação (BARBAS, 2006, p. 181). 

O instituto da inseminação heteróloga, embora tenha uma boa aceitação principalmente vista sobre o aspecto social no tocante a constituição de família, verifica-se ainda que há ainda uma negativa por parte do estado brasileiro, isso ocorre, segundo o presente autor porque o Brasil ainda não dispõe de uma legislação específica da filiação por substituição (COELHO, 2011, p.170). 

Porém, cabe ressaltar que a inseminação artificial heteróloga encontra previsão no ordenamento jurídico brasileiro no art. 1.597, V do Código Civil de 2002 e na Lei 10.406 de 10-1-2002, além dos enunciados 129 e 258 das jornadas de Direito Civil (BRASIL). Existindo também esta previsão no art. 227, § 6º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL). Embora não tenha ainda uma lei específica que trate sobre o presente tema.

Ademais, há um vácuo muito grande na legislação brasileira, pois a lei deveria ser mais criteriosa e exigir, de fato, a prova de esterilidade por parte do genitor. Isso ocorre porque somente a prévia autorização por parte do genitor é suficiente para que se utilize sêmen de outra pessoa (GONÇALVES, 2005, p. 280).

Não obstante aos demais dispositivos que regem os institutos da personalidade do indivíduo, na concepção embrionária destaca-se dois princípios basilares segundo Eliane Oliveira de Barros, para ela, “o primeiro princípio é o direito reconhecido à criança de ter uma família estável com uma dupla figura de genitores, o que reserva o recurso dessa técnica aos casais ou aos conviventes.”. Esse princípio traduz a importância da figura dos pais na criação e educação dos filhos, além da prospectiva da realização afetiva da família (BARROS, 2010, p. 45). 

Outro princípio tão importante “é o da necessidade terapêutica, critério geral da admissibilidade do tratamento da inseminação artificial.”. Obviamente não basta tão somente a implantação do material genético, cabe destacar que esse princípio trata da relação que se dar antes do procedimento final da inseminação (BARROS, 2010, p. 45).

A realidade da filiação biológica, nos dias atuais tem se demonstrado indiferente em relação à filiação afetiva. Nesse sentido, a partir do momento que a norma considera relação afetiva, aquela advinda de união estável, sem que haja de fato, casamento transmite-se também esse entendimento as relações de filiação. Considera ainda a presente autora que, quanto ao entendimento da existência da entidade familiar advinda da união estável, relativiza também sobre o contexto da filiação biológica (DIAS, 2013, p.372).

Consoante trata o art. 1.597, inciso V do Código Civil de 2002 que dispõe que os filhos são presumidos na constância do casamento, fazendo ainda referência no sentido de que ainda havidos por inseminação artificial heteróloga, nesta, devendo previamente o marido ter autorizado (BRASIL). 

Quanto à autorização, cabe ainda destacar que, segundo Fábio Ulhoa não é admitido a fertilização assistida, sem que haja, por parte de um dos pais, aquele ao qual teve a substituição do gameta, a autorização. Faz referência ainda à necessidade de haver relação conjugal entre os contraentes que almejam a fertilização, ou seja, reprodução (COELHO, 2011, p. 171)


POSSIBILIDADES JURÍDICAS DO ARREPENDIMENTO E A DOUTRINA DOS ATOS PRÓPRIOS

Quanto à questão do arrependimento, uma das grandes dificuldades que se tem no Brasil para dificultar ou proibir o arrependimento, é a falta de norma que proíba que o marido, afim de possível desvinculação da filiação, entre com impugnação em relação à paternidade do filho, quanto ao instituto da inseminação artificial, tendo em vista que esse desejo a paternidade foi preestabelecido quanto à aceitação do método artificial de inseminação (BARROS, 2010, p.84). 

Entretanto, quanto à doutrina dos atos próprios, não importa se a paternidade é biológica, há de se verificar que a legislação brasileira não faz mais distinção entre filhos, sejam eles adotivos ou por vínculo biológico o importante é a relação sociafetiva que se dar com o convívio no seio familiar, Pois o que se busca é a dignidade da pessoa humana (DINIZ, 2007, p.430). 

No presente contexto, há de se verificar que as questões que envolvem a vontade de constituição da família, sobre o prisma da filiação, encontram respaldo desde a antiguidade, pois no livro do Gênese a figura da escrava, conhecida como Agar, deu a luz um filho, conhecido como Samuel, filho de Abraão. Portanto, existia a possibilidade da esposa que não podia dar à luz a um filho, recorrer à sua escrava, para que essa contraísse com o seu marido relação sexual, para dar à luz a um filho como se dela fosse (GENESES 16).


SUPERAÇÃO DO DIREITO A IDENTIDADE GENÉTICA DO NASCITURO EM RELAÇÃO AO SIGILO DO DOADOR DE GAMETAS.

É notório que, em se tratando de conflitos de interesse, cabe ao direito positivado dar entendimento às questões controversas no mundo social. Quando está em jogo o direito fundamental do indivíduo, desde o seu nascimento, o estado deve dar suporte, efetivando os seus direitos. Pois, a Carta da República de 1988, no seu art. 5º, caput, estipulou, de forma genérica, como um dos princípios basilares, a dignidade da pessoa humana e este princípio está voltado a cada indivíduo (BRASIL).

De outro lado, se este princípio for observado sobre o prisma da individualidade, temos então, em muitos casos, conflitos de interesses. Entretanto, aos problemas sociais é atribuída no âmbito do território nacional a obrigação do estado em organizar e intervir, quando necessário, para solucionar as questões advindas dos interesses individuais e coletivos que sejam desordenados (DIAS, 2013, p. 25).

Um dos pontos mais importantes que envolvem a possibilidade do reconhecimento ou descobrimento da origem genética é a supremacia do direito do indivíduo à personalidade, basilarmente instalado sob o escopo da dignidade da pessoa humana e consequentemente à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (DIAS, 2013, p.383).

Assim sendo, o princípio do superior interesse da criança e do adolescente, representa um avanço, pois está intimamente ligado ao pleno desenvolvimento da personalidade da criança de do adolescente. Afirmando ainda a presente autora que, quanto aos conflitos que são gerados pela separação ou divórcio, este princípio sobrepõe-se sobre os interesses dos próprios pais (DINIZ, 2009, p.23-24).  

Ainda a respeito da possibilidade do conhecimento da origem genética, para GAMA (2003, p.904) citado por GAGLIANO (2015, p. 650), ter a vida como um direito fundamental vai muito além da concepção formal da norma, pois abrange tanto o direito de identidade como a historicidade e consequentemente a prospectiva à ascendência genética. 

Entretanto, verifica-se que o direito a identidade da origem genética não pode ser usado como motivo para desqualificar a paternidade e maternidade sócioafetiva, sem que haja motivo de grande relevância no convívio familiar. Pois, nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1458696/SP, 2014/0127998-5, Julgado pela 3ª. Turma entende que a identidade genética faz parte da dignidade da pessoa humana, não podendo haver restrição ao direito de ser reconhecida pelo interessado (BRASIL).

Ademais, no contexto fático jurídico, as questões que versam sobre a possibilidade do conhecimento à identidade genética pode ser observada sobre alguns aspectos, dos quais se destaca o risco de pessoas, na condição de irmãos biológicos terem relacionamento de natureza amorosa, por desconhecimento da descendência genética, podendo depois descobrir serem irmãos (GAGLIANO; FILHO, 2015, P. 650).

Contudo, outro fato muito importante para a identidade da origem genética é que, “com base nas leis de genética, as chances de um indivíduo encontrar um doador ideal entre irmãos (mesmo pai e mesma mãe) é de 25%”, índice considerado muito importante para aumentar a possibilidade de transplante com sucesso (INSTITUTO NACIONAL DE CÃNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, In: Perguntas e respostas sobre transplante de Medula Óssea, Rio de Janeiro: INCA, 2015), (BRASIL).

A doação de gametas, embora possa propiciar uma esperança na vida de um casal, que por razões alheias à sua vontade não podem ter filhos de forma natural, abre também discussão a respeito da possibilidade do conhecimento do doador de gametas. Isso ocorre porque poderá ser dificultada, nestes termos, a possibilidade de novos doadores, por ir contra o aspecto sigiloso da doação (BARBAS, 2006, P.167). 

É importante destacar que, embora se tratando de gametas doados, ou que, por outro lado, exista um contrato envolvendo pagamento pecuniário, não há ilegalidade, isso porque, quando firmado por pessoas capazes e em se tratando de contrato de prestação de serviços, não a proibição legal para que se execute o contrato (COELHO, 2011, p.173).

Porém, sem a devida regulamentação, o número de doadores poderá sofrer redução, tendo em vista que muitos doadores não desejam se identificar. Ademais, é primordial que haja uma segurança jurídica no sentido de que se mantenham as doações de material genético. Pois sem essa regulamentação, consequentemente ficará prejudicada a possibilidade de novos doadores (COELHO, 2011, p. 175).

Sobre os autores
Leandro Barbosa de Araujo

Formado em Direito pelo Centro Universitário Projeção/DF, Pós Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá/RJ. Atuante nas áreas de : Cível; Família; Trabalhista e Criminal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado em 2016 pela revista de ciências jurídicas e sociais do Centro Universitário Projeção/DF.

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