IV – AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS E O MÉRITO
Em todas essas hipóteses, em havendo decisões de índole de cognição provisórias, fala-se em decisões propriamente interlocutórias.
Vejam-se as chamadas sentenças interlocutoras.
Na lição de Chiovenda(Princípios de direito processual civil) há as chamadas sentenças interlocutórias em sentido próprio, que são aquelas que provêm sobre a formação do material de cognição e, portanto, tocam mais de perto ao mérito. Uma sentença interlocutória pode decidir definitivamente um artigo da demanda, tendo-se uma sentença, em parte interlocutória, em parte definitiva. As interlocutórias, sendo antecipatórias, definem o mérito, embora de modo provisório. Daí a relevância de distinguirem-se, dentre as decisões não finais, as verdadeiras interlocutórias e as que, sendo antecipatórias, definem o mérito, embora de forma provisória.
O novo CPC admite verdadeiras decisões interlocutórias de mérito, quando se tem uma efetiva utilidade a decisões antes de ser proferida a sentença, último ato do procedimento de primeiro grau. Há ali verdadeiras decisões que enfrentam o mérito(pedido, lide), objetivando grau de certeza e a formação da coisa julgada.
Admitem-se decisões interlocutórias de mérito (art. 354, par. ún., no que concerne aos casos dos arts. 487, II e III, e art. 356). Nesses casos, até para se permitir o trânsito em julgado autônomo dessa decisão (art. 356, § 3.º), e assim se conferir efetiva utilidade à resolução parcial do mérito, não se poderia atrelar a sua recorribilidade ao recurso contra a decisão final. Mas o agravo cabe não apenas quando a interlocutória de mérito desde logo resolve uma parte do objeto do processo. Há casos em que a decisão versa sobre o mérito, mas se limita a descartar a ocorrência de um fato impeditivo ou extintivo do direito do autor, sem ainda definir nenhuma parcela da lide. É o que acontece, por exemplo, quando no saneamento do processo o juiz rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência e determina a produção de provas, como bem ensinou Eduardo Talamini(Agravo de instrumento: hipóteses de cabimento no CPC/15).
V – A TUTELA DE EVIDÊNCIA
Suas raízes estão na tutela satisfativa da posse concedida pelo pretor em grau de interdito.
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
1.Trata da tutela punitiva: ABUSO DO DIREITO DE DEFESA (a maioria sustenta que é uma tutela punitiva ou sancionatória; outros dizem que não é uma punição, pois, se fosse, sobreviveria à improcedência).
2.Abuso de direito é um desvio de finalidade, vale dizer, a parte se utiliza de um direito para obter um fim não desejado pelo ordenamento jurídico (tem direito de defesa, mas está usando este direito apenas para protelar).
c) É preciso observar o comportamento do réu durante o processo (não é só na contestação).
Não há previsão legal de concessão de tutela de evidência de ofício.
A evidência é um estado processual em que as afirmações de fato estão comprovadas. Há quem afirme ser a evidência “o direito evidenciado por provas”; há provas que colocam o direito da parte em evidência, tal como ocorre com o direito líquido e certo no mandado de segurança ou com o título executivo no processo de execução. Também há situações de evidência quando os fatos são notórios, incontroversos, confessados em outro processo, bem como os demonstrados por prova emprestada ou antecipada.
É espécie de tutela provisória de cunho tipicamente satisfativa.
Sua finalidade seria promover a igualdade substancial entre as partes, distribuindo a carga do tempo no processo, a depender da maior ou menor probabilidade de ser fundada ou não a postulação do autor. Não haveria natureza sancionatória. Já há a sanção por ato atentatório à dignidade da jurisdição e a responsabilidade por dano processual, previstas, respectivamente, nos arts. 77, § 2º, e 81, ambos do CPC.
Para que se conceda a medida, é preciso que o ato, além de abusivo, impeça ou retarde o andamento do processo. Se, mesmo abusivo, não impedir, nem retardar a sequência dos atos processuais, não deve ser concedida a tutela provisória.
A hipótese do inciso III do art. 311 do CPC também não é, rigorosamente, uma novidade. O procedimento especial para ação de depósito, que estava previsto nos arts. 901 a 906 do CPC/1973, deixou de ser previsto no CPC/2015. A ação de depósito passou a submeter-se ao procedimento comum, com a possibilidade de uma tutela provisória de evidência. O pedido de cumprimento de obrigação reipersecutória (ou seja, obrigação de entregar coisa) decorrente de contrato de depósito autoriza a concessão de tutela provisória de evidência. Essa ação de depósito é tipicamente executiva lato sensu.
Já o inciso II do art. 311 do CPC prevê a tutela de evidência fundada em precedente obrigatório. Estando documentalmente provados os fatos alegados pelo autor, poderá ser concedida a tutela de evidência, se houver probabilidade de acolhimento do pedido do autor, decorrente de fundamento respaldado em tese jurídica já firmada em precedente obrigatório, mais propriamente em enunciado de súmula vinculante (CPC, art. 927, II) ou em julgamento de casos repetitivos (CPC, arts. 927, III, e 928).
Nesses casos do inciso II do art. 311 do CPC, o juiz pode, liminarmente inclusive, conceder a tutela de evidência, independentemente de haver demonstração de perigo de dano ou de risco à inutilidade do resultado final do processo. A evidência, em tais hipóteses, revela-se por ser aparentemente indiscutível, indubitável a pretensão da parte autora, não sendo seriamente contestável.
Por sua vez, o inciso IV do art. 311 do CPC prevê a concessão de tutela de evidência quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Nessa hipótese, o autor deve apresentar prova documental que seja suficiente para comprovar os fatos constitutivos do seu direito, sendo-lhe, por essa razão, evidente.
A evidência, que decorre da prova documental apresentada pelo autor, não deve ser desfeita por prova igualmente documental do réu. Se a prova documental apresentada pelo autor for suficiente para comprovar suas alegações, sem que o réu apresente qualquer dúvida razoável, haverá evidência que justifique a concessão da tutela provisória.
Essa é uma hipótese que não permite a concessão liminar da tutela de evidência. Isso porque depende da conduta do réu; ele, ao contestar, não apresenta dúvida razoável às alegações, comprovadas documentalmente, do autor.
O ministro Luiz Fux (Tutela antecipada e locações, pág. 87) já dizia que há casos em que a incerteza é evidente e há casos em que o direito é evidente. Para esses a tutela há de ser imediata como consectário do devido e adequado processo legal. É indevido, segundo o ministro Fux, o processo moroso diante da situação jurídica da evidência. Ademais, imaginar-se o devido processo legal com fases estanques, é observá-lo com as vistas voltadas somente para os interesses do demandado, olvidando-se a posição do autor, que em regra, motivado por flagrante necessidade de acesso à jurisdição, reclama por justiça tão imediata quanto aquele que ele empreenderia não fosse a vedação à autotutela.
Sendo assim o acesso à justiça adequada, através do devido processo, sustenta, sob o ângulo legislativo, a tutela da evidência, quer pela adoção do procedimento sumário, quer pela possibilidade de concessão de tutela antecipada.
No Brasil, a tutela de evidência guarda à conexão com o direito líquido e certo conhecido no mandado de segurança, escoimado de dúvidas ou calcado em fatos incontestáveis. Mas, observe-se que, no mandado de segurança, busca-se, dentro de uma sumariedade formal, à vista de ato abusivo e ilegal da autoridade, uma cognição exauriente sentencial.
Pode-se afirmar, ainda à luz dos ensinamentos do ministro Luiz Fux (obra citada, pág. 98) que a “tutela de evidência” através da sumariedade formal está encartada na garantia constitucional do acesso à justiça mediante tutela adequada e processo devido”, mercê do dever de um juiz prestar uma rápida solução dos litígios, velando pela manutenção de interesses de prosseguir o processo na busca da verdade, dispensando esse prolongamento desnecessário, à luz da efetividade, toda vez que se verifique direito evidente.
Deve então interpretar as essas processuais com seu cunho nitidamente instrumental que seja indissociavelmente ligada ao direito material que se pretenda aplicável.
VI – O PODER GERAL DE CAUTELA NO CPC DE 2015
O jurista, Luiz Guilherme Marinoni, no denominado “Projeto do CPC críticas e propostas”, em parceria com Daniel Mitidiero(O projeto do CPC críticas e propostas. São Paulo: RT, 2010, asseveraram que:
“O projeto não consta com um livro destinado ao processo cautelar. Trata-se de posição acertada. Também não disciplina tutelas cautelares nominadas. Teria sido ideal, todavia, que o Projeto tivesse mantido certas tutelas cautelares em espécie – o arresto, o sequestro, as cauções, a busca e apreensão e o arrolamento de bens. Reconheceu-se, na esteira do que sustentamos há muito tempo, o fato de a tutela antecipatória fundada no perigo e de a tutela cautelar constituírem espécies do mesmo gênero: tutela de urgência. Seguindo esta linha, o Projeto propôs a disciplina conjunta do tema”.
Tal situação é extremamente preocupante no que tange aos requisitos específicos que exigem e ensejam situações de dependências e limitações ao direito de propriedade da parte, e a possibilidade de excessos com o aumento do poder discricionário em relevância ao julgador.
A justificativa para o poder geral de cautela do juiz está na impossibilidade de o legislador prever, ao tempo da elaboração da norma, todas as hipóteses em que os bens juridicamente tuteláveis poderiam estar envolvidos quando objetos de demanda judicial.
Sancionada em 16 de março de 2015, a Lei nº 13.105, que cuida do novo Código de Processo Civil, busca conferir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, por meio da revisão e aperfeiçoamento de diversos institutos.
O processo cautelar, que foi tratado no Livro III, dos artigos 796 ao 889 do CPC/1973, foi um dos institutos que mais sofreram alterações de texto.
Com o novo Código, o processo cautelar é integralmente eliminado, adotando-se a sistemática das tutelas de urgência e de evidência.
Em substituição aos procedimentos cautelares típicos (artigo 813 a 873 do CPC/1973), atípicos (artigo 798 do CPC/1973) e a tutela antecipada (artigo 273 do CPC/1973), o novo CPC passa a tratar da “Tutela Provisória” no Livro V.
Segundo Antônio Cláudio da Costa Machado (Desaparecimento do poder cautelar e mais poder para os juízes):
O grande problema que decorre do desaparecimento de um Livro dedicado ao Processo Cautelar é que, não havendo mais regulamentações expressas, os nossos juízes poderão conceder medidas acautelatórias apenas com base na sua vontade e liberdade imaginativa. Toda a limitação imposta pela lei terá desaparecido, todas as barreiras e condicionamentos estabelecidos previamente pelo legislador terão caído por terra. A vontade da lei terá sido substituída pela do juiz e já não saberemos – partes, advogados e promotores de justiça – como se desenvolverão postulações tão comuns e constantes como as de arresto, sequestro, busca e apreensão, arrolamento e alimentos. O poder terá sido tirado das previsões gerais do CPC e colocado nas decisões individuais dos magistrados.
Disse ainda Antônio Carlos da Rocha Machado:
A existência de procedimentos como o arresto, o sequestro, a busca e apreensão, o arrolamento e a caução significam importantes limitações ao poder jurisdicional. Sem tais procedimentos, ficaremos todos à mercê da vontade unilateral dos juízes para concessão de medidas cautelares.
Nossos direitos estarão sob risco se os magistrados de primeiro grau puderem conceder: a) arresto sem “prova literal de dívida líquida e certa”; b) busca e apreensão a ser cumprida por um único oficial de justiça; c) arrombamento sem testemunhas ou; d) busca e apreensão de bens objeto de contrafação sem a comprovação por peritos; e) arrolamento de bens sem disciplina alguma sobre legitimação ou sobre os interesses tuteláveis; f)caução sem procedimento previsto em lei.
Tudo isso se diz diante da defesa da garantia do devido processo legal que exige o correto contraditório com paridade de armas.
Reforçando as consequências negativas da ausência de regulamentação procedimental específica das tutelas de urgência concedidas incidentalmente em processos de execução ou em fases de cumprimento de sentença, Paula Simão Normanha(Tutelas de urgência no projeto do Código de Processo Civil; reflexos da supressão do processo cautelar sobre o princípio do devido processo legal) conclui que:
“É que não haverá previsão legal específica que norteie um procedimento relativo às medidas cautelares incidentais, fato este que, aliado ao poder de adequação procedimental que será conferido ao juiz, resultará em uma série de decisões conflituosas, causadoras de uma insegurança jurídica que não pode ser tolerada pelo atual Estado Democrático de Direito, eis que consubstanciada em significativo retrocesso do sistema processual civil brasileiro, bem como em absoluta afronta ao direito fundamental à segurança jurídica”.
Observe-se a redação do artigo 305 do CPC de 2015:
Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.
O poder geral de cautela está aí exposto de forma visceralmente literal e procedimental.
Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá que ser formulado pelo autor no prazo de trinta dias (art. 308, 1ª parte), a contar da efetivação da medida cautelar – e não do deferimento ou ciência desta. Diferentemente do processo cautelar completamente autônomo (cautelar preparatória) com o qual estávamos acostumados, o pedido principal deverá ser feito nos mesmos autos e independerá do adiantamento de novas custas processuais (art. 308, 2ª parte). O novo CPC permite, ainda, que a causa de pedir seja aditada no momento da formulação do pedido principal (art. 308, § 2º). Quando do requerimento da tutela cautelar, apenas a lide e seu fundamento foram indicados, bem como a exposição sumária do direito que pretendia assegurar. Ao apresentar o pedido principal, faculta-se o reforço da causa de pedir e a apresentação de provas.
O prazo para ajuizamento do pedido principal é peremptório(fatal). Pode ser objeto de prorrogação pelo juiz e não pelas partes.
A medida cautelar requerida em caráter antecedente em tudo se assemelha à cautelar preparatória do CPC/1973, distinguindo-se principalmente pela redução de atos processuais. Diferentemente do que ocorria no Código revogado, não há duplicidade de pagamento de custas, de distribuição, de autuação, de citação e de outros atos processuais. Diz-se que o processo cautelar perdeu a autonomia. Contudo, não se vislumbra essa anunciada dependência.
Os procedimentos referentes ao pedido de tutela cautelar e ao pedido principal continuam autônomos e interdependentes. Com relação ao pedido principal, a autonomia é quase absoluta, somente sofrendo influência do que se decidir no pedido cautelar se houver declaração de prescrição ou decadência.
Esse procedimento deverá ser utilizado naquelas hipóteses em que a urgência e a verossimilhança não permitem que a petição inicial seja completa, isto é, que contemple os pedidos principal e cautelar, com os respectivos fundamentos e provas. A urgência, por ser contemporânea à propositura da ação – embora possa ter surgido anteriormente –, enseja o desmembramento do pedido: primeiro se formula o pedido de tutela cautelar e, depois, em aditamento, o pedido principal. Há dois pedidos – um de natureza acautelatória e outro subsequente, de direito substancial -, mas um só processo (que pode ser de conhecimento ou de execução).
Diante de garantias que se constituem em verdadeiras cláusulas pétreas, há de se assegurar a permanência do processo cautelar, em face do devido poder geral de cautela, que tem fulcro constitucional.