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A criminalização da homofobia

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Agenda 29/05/2019 às 08:30

IV – O MANDADO DE INJUNÇÃO E A AÇÃO DECLARATÓRIA DE OMISSÃO

Ora, até onde, diante dos limites da interpretação conforme, pode-se admitir omissão do Parlamento para matéria onde somente ele poderá agir?

O mandado de injunção é uma garantia constitucional instituída pelo artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal, onde se lê: “LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.”

Anotou José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5º edição, pág. 386) que o mandado de injunção é um instituto que se originou na Inglaterra, no século XVI, como essencial remédio da equity, nascendo do chamado juízo de equidade.

Sendo assim é considerado um remédio outorgado mediante um juízo de discricionariedade quando falta uma norma legal(statutes), regulando a espécie quando a Common Law não oferece proteção suficiente.

Assentar-se-ia na valoração judicial dos elementos do caso e dos princípios de justiça material segundo uma pauta de valores sociais.

Temos que ver a garantia constitucional em foco dentro dos limites de nosso sistema romano-germânico onde a legalidade, a par do princípio da legalidade,  é a tônica. Ninguém é obrigado a uma conduta  senão em virtude de lei.

Disse o ministro Alexandre de Moraes(Direito constitucional, 2003,p.179): “ O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal”.

O objeto do writ é assegurar o exercício: de qualquer direito constitucional não regulamentado; de liberdade constitucional não regulamentada, sendo de notar que as liberdades são previstas em normas constitucionais normalmente de aplicabilidade imediata, como explica a doutrina; das prerrogativas que são próprias e inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando não regulamentadas.

O que é norma regulamentadora?

É ainda José Afonso da Silva que aponta que norma regulamentadora é toda medida para tornar efetiva uma norma constitucional.

Realiza o mandado de injunção, de forma concreta, em favor do impetrante, um direito, liberdade ou prerrogativa, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício.

Outorga-se, com o mandado de injunção, diretamente, o direito reclamado independente de uma regulamentação da matéria enfocada na norma constitucional.

Como já decidiu o STF aplica-se o mandado de injunção somente à omissão de regulamentação de norma constitucional, pois não há possibilidade de “ação injuncional, com a finalidade de compelir o Congresso Nacional a colmatar omissões normativas alegadamente existentes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em ordem a viabilizar a instituição de um sistema articulado de recursos judiciais, destinado a dar concreção ao que prescreve o Artigo 25 do Pacto de S. José da Costa Rica”

Diversa é a ação direta de inconstitucionalidade por omissão prevista no artigo 103, parágrafo segundo da Constituição Federal:

Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Como está, o instrumento adere, no Brasil, ao texto da Constituição da República Socialista Federativa da Iuguslávia, hoje extinta, que prevê: "Se o Tribunal Constitucional da Iuguslávia verificar que o órgão competente não promulgou as prescrições necessárias à execução das disposições da Constituição da República Federativa da Iuguslávia, das leis federais e das outras prescrições federais e atos gerais, dará do fato conhecimento à Assembleia da República Socialista Federativa da Iuguslávia". Em 1976, a Constituição portuguesa a adotou, no seu artigo 183. 

O procedimento dessa ação constitucional num processo sem partes, é previsto na Lei 9.868/99, onde a competência privativa é do Supremo Tribunal Federal, maior guardião da Constituição.

Trata-se de uma ação proposta quando existe a norma de eficácia limitada na constituição federal e o Poder Público, não regulamenta essa norma constitucional, isto é, o Poder Público é omisso em relação a essa regra.

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A ADIn por omissão é cabível contra qualquer omissão inconstitucional, enquanto o mandado de injunção possui cabimento mais restrito, somente naquelas omissões contidas no artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal (“conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta da norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”).


V – O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, com o devido respeito, naquele julgamento, pode exceder os limites que lhe são dados na judicialização da questão, extrapolando o próprio limite do princípio da legalidade que é posto em direito penal.

Trazer a questão do racismo para a homofobia, via analogia, pode ser um excesso nos limites do mandado de injunção e da ação de inconstitucionalidade por omissão.

A única fonte direta do direito penal é a lei, diante do princípio da reserva legal.

O princípio da legalidade está inscrito no artigo 1º do Código Penal, reserva legal, no sentido de que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

Assim também é na Constituição Federal, no artigo 5º, XXXIX, quando se dispôs que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Na linha já traçada na Declaração de Direitos Humanos e do Cidadão, de 1789, e que foi insculpido na Constituição de 1824, e dela não saiu mais, só a lei pode ser fonte geradora do ilícito penal. Excluem-se, destarte, quaisquer outros casos de idêntica hierarquia ou, a fortiori, de hierarquia inferior.

Além da anterioridade da lei, como princípio trazido no artigo 5º, XXXIX, referenciado, da Constituição, da reserva legal, há que se mencionar, ainda, a tipicidade. Com efeito, não  basta que a lei acene com descrições abstratas ou esfumadas do fato delituoso. É preciso que o comportamento seja descrito em todas as suas minúcias, dando lugar a uma suficiente especificação do tipo do crime. Daí porque, repita-se, não se aceita analogia em sede de direito penal.

As penas e as medidas de segurança devem ser previstas em lei.

Pelo princípio da legalidade, alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime. Mesmo que o fato agrida a moral, danoso, não haverá possibilidade de se punir o autor, sendo irrelevante a circunstância de entrar em vigor uma lei que, posteriormente, o preveja como crime.

O princípio da legalidade é a base de sustentação do direito penal.

A inclusão da orientação sexual como motivo de discriminação ou preconceito deve partir de projeto de lei apresentado por uma das casas do Congresso Nacional, pois somente assim o princípio da reserva legal será obedecido, ou seja: reserva de parlamento.  

Sem dúvida, um ponto polêmico diz respeito à liberdade de expressão, em especial a religiosa. Grupos evangélicos temem que a eventual criminalização da homofobia os impeça de pregar que o relacionamento íntimo entre pessoas do mesmo sexo constitui pecado.

Pode-se ampliar o argumento, dado que existem passagens da Bíblia, por exemplo, ostensivamente hostis a homossexuais. Esses trechos não poderiam mais ser lidos durante uma cerimônia?

Há sem dúvida algum exagero retórico nesse tipo de preocupação, mas convém ao STF modular os efeitos de sua decisão de modo a evitar que interpretações de cunho restritivo em excesso se materializem no dia a dia do direito.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A criminalização da homofobia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5810, 29 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74163. Acesso em: 21 nov. 2024.

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