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A criminalização da homofobia

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29/05/2019 às 08:30
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Só criminalizar a homofobia não resolve os problemas em um país onde um um LGBT é assassinado ou se suicida em decorrência de discriminação, mas é preciso conscientizar ainda mais a população do absurdo causado por esse tipo de preconceito.

I – O FATO

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou  o julgamento da criminalização da homofobia. O assunto começou a ser discutido na Corte em fevereiro por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, proposta pelo PPS, e pelo Mandado de Injunção (MI) 4.733. Quatro ministros já votaram favoráveis à criminalização da homofobia, equiparando-a ao crime de racismo (Lei Federal 7.716): Edson Fachin, Celso de Mello, Alexandre de Moraes e Roberto Barroso.

Segundo Symmy Larrat, presidenta da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), a retomada da votação no STF será um dia de muita mobilização a população LGBTI+, que teme pela vida constantemente, sendo vítima de uma violência que cresce dia após dia.

Ademais, a  Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou na noite de quarta-feira criminalizar atos de homofobia (com exceção de atos que ocorrerem em igrejas). O projeto de lei, contudo, ainda precisa ser aprovado na Câmara.

Tal qual como acontece com o racismo — que é crime desde 1989 — só criminalizar a homofobia, é claro, não resolve os problemas em um país onde um um LGBT é assassinado ou se suicida em decorrência de discriminação a cada 20 horas, segundo o Grupo Gay da Bahia.

Mas como o tema não está na legislação penal, agressões a LGBTs são tratadas como lesão corporal, tentativa de homicídio ou ofensa moral. Também há sanção civil em catorze estados, como multas e perdas de licença — o próprio presidente Jair Bolsonaro já recebeu multa por declarações homofóbicas.


II – POSICIONAMENTO DO STF NA MATÉRIA

O voto do relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, ministro Celso de Mello, foi retomado e finalizado na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF). O decano da Corte concluiu que o Congresso Nacional foi omisso ao deixar de editar lei que criminaliza atos de homofobia e transfobia. O julgamento da ação, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), teve início na semana passada, na sessão do dia 14. A análise da matéria terá continuidade nesta quinta-feira (21), com a leitura do voto do ministro Edson Fachin, relator do Mandado de Injunção (MI) 4733, sobre a mesma matéria.

Em seu voto, o ministro Celso de Mello reconheceu a inconstitucionalidade na demora do Congresso Nacional em legislar sobre a proteção penal aos integrantes do grupo LGBT, declarando a existência de omissão legislativa. O ministro deu interpretação conforme a Constituição Federal para enquadrar a homofobia e a transfobia, ou qualquer que seja a forma da sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos em legislação já existente, como a Lei Federal 7.716/1989 (que define os crimes de racismo), até que o Congresso Nacional edite uma norma autônoma.

O ministro destacou que as práticas homofóbicas configuram racismo social, consagrado pelo Supremo no julgamento do Habeas Corpus (HC) 82424 – Caso Ellwanger – considerando que essas condutas são atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT. Ele votou pela procedência da ação com eficácia geral e efeito vinculante. Em seu voto, declarou que os efeitos da decisão somente se aplicarão a partir da data de conclusão do julgamento.

Volto-me ao que foi informado pelo Supremo Tribunal Federal, em seu site, sobre o julgamento.

“O decano avaliou que este é um julgamento em favor de toda a coletividade social e que a decisão não será proferida contra alguém ou contra algum grupo, da mesma forma que não pode ser considerado um julgamento em favor de apenas alguns. “O fato irrecusável no tema em exame é um só: os atos de preconceito ou de discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero não podem ser tolerados, ao contrário, devem ser reprimidos e neutralizados, pois se revela essencial que o Brasil dê um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que tem marginalizado grupos minoritários em nosso país, como a comunidade LGBT”, salientou.

O ministro afirmou que a homofobia representa uma forma contemporânea de racismo e avaliou a importância do julgamento no processo de ampliação e de consolidação dos direitos fundamentais das pessoas. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade de direitos”, destacou o relator, ressaltando que a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais à dignidade e à humanidade de cada pessoa, “não devendo constituir motivo de discriminação ou abuso”. Segundo ele, a diversidade das formas de vida e o direito à diferença não podem, em nenhum caso, servir de pretexto aos preconceitos raciais, mesmo porque as diferenças entre os povos do mundo não justificam qualquer classificação hierárquica entre as nações e as pessoas.

De acordo com o relator, o Estado tem o dever de atuar na defesa da dignidade da pessoa humana e contra a permanente hostilidade contra qualquer comportamento que possa gerar desrespeito aos valores da igualdade e da tolerância. O ministro Celso de Mello observou que a ausência de ação estatal quanto às agressões praticadas contra grupos sociais vulneráveis “e a recusa do poder público em enfrentar e superar as barreiras que inviabilizam a busca da felicidade por parte de homossexuais e transgêneros, vítimas de inaceitável tratamento discriminatório, traduzem omissão que frustra a autoridade do direito, que desprestigia o interesse público, gera o descrédito das instituições e compromete o princípio da igualdade”. Ele afirmou que o Poder Judiciário deve tornar efetiva a reação do Estado na prevenção e repressão nos atos de preconceito e discriminação praticados contra pessoas que integram grupos vulneráveis.”

Condenam-se, com razão, os que discriminam em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional —como consta da lei n° 7.716, de 1989. Não seria menos errado discriminar devido à orientação sexual.

Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, no dia 23 de maio do corrente ano, para declarar omissão do Congresso Nacional no enfrentamento da discriminação contra a população LGBTI e enquadrar a homofobia e a transfobia como uma forma de racismo

A avaliação predominante no Supremo é a de que a aprovação na CCJ do Senado foi um passo legislativo dentro de uma longa tramitação a que devem passar as propostas analisadas pelo Congresso Nacional, não significando necessariamente que o texto será sancionado pelo presidente da República. Ou seja: para os ministros do Supremo, mesmo com a aprovação na CCJ do Senado, o Congresso foi omisso ao não ter concluído a votação de projeto sobre criminalização da homofobia desde que a Constituição foi promulgada, em 1988.

Após os ministros Rosa Weber e Luiz Fux votarem para enquadrar homofobia e transfobia como racismo, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, encerrou a sessão e anunciou que a discussão do tema será retomada em 5 de junho.

É mais do que inequívoca a inércia legislativa. Esses projetos não caminham, não andam. Às vezes voz e voto não são suficientes porque através desses votos, dessas vozes, podemos ter ao final desse curso um veto”, disse o ministro Fux, ao lembrar a longa tramitação de propostas legislativas, que ainda precisam passar pela sanção do presidente da República depois de serem aprovadas pelos parlamentares.

Em seu voto, o ministro Fux destacou o papel da Corte ao validar o sistema de cotas nas universidades públicas – e lembrou os níveis “epidêmicos” de violência homofóbica. A cada 20 horas um LGBT é morto ou se suicida vítima de discriminação, de acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia. Em 2018, 420 LGBTs morreram no Brasil.

“As ações afirmativas não só geraram a criminalização do preconceito como também representaram um fato gerador de abertura do mercado de trabalho, de vagas em universidades, da vida em sociedade para os afrodescendentes – e assim também deve ser em relação aos integrantes da comunidade LGBTI. Acolher o pedido da comunidade LGBTI é cumprir o compromisso da Justiça que é dar a cada um aquilo que é seu. Assim fazendo, o STF estará cumprindo o sacerdócio da magistratura. Nós devemos por dever de ofício, de guarda da Constituição, julgar procedentes os pedidos (das ações)”, completou o ministro Fux.

Teria o Congresso Nacional  falhado  ao não ter incluído essa modalidade de preconceitono texto da lei em 1997, quando este passou por ampliação e deixou de tratar só de racismo?


III – A INTERPRETAÇÃO CONFORME

O princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição é, como alertou J.J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4º edição, pág. 1189), fundamentalmente um princípio de controle e ganha relevância autônoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentro de vários significados da norma.

Para J.J.Gomes Canotilho (obra citada) essa formulação comporta várias dimensões: a) o princípio da prevalência da Constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só se deve escolher-se uma interpretação não contrária ao texto e programas da norma ou normas constitucionais; b) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a Constituição; c) o princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição, mas “contra legem” impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma intepretação conforme a Constituição, mesmo que  através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais. Assim, quando estiverem em causa duas ou mais interpretações – todas essas em conformidade com a Constituição – deverá procurar-se a interpretação considerada como a melhor orientada para a Constituição.

Na lição de Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, 2ª. Edição, Coimbra, Ed. Coimbra, 1983, p..233) a interpretação conforme à Constituição não consiste tanto em escolher, dentre os vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito, o que seja mais conforme com a Constituição, e sim, em discernir no limite – na fronteira da inconstitucionalidade – um sentido que, conquanto não aparente ou decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da forma conformadora da Lei Fundamental.  

Ao intérprete cabe escolher a compatível com a Constituição e a regra é a conservação da validade da lei e não a declaração de sua inconstitucionalidade, como lembrou Marilda Watanabe de Mendonça(A interpretação conforme. Análise constitucional de suas peculiaridades).

Observou o ministro Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª. Edição revista, S.P., Ed. Saraiva, 2010) que há necessidade de se  decompor  o processo de "interpretação conforme" em 04 (quatro) elementos distintos: a) escolha de uma interpretação em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que a norma admita; b) a busca de um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta do texto; c) admissão de uma linha de interpretação e exclusão de outra (s) que não seria(m) incompatível(s) com a Constituição; d) além de mecanismo de interpretação, é um mecanismo de controle de constitucionalidade porque se declara ilegítima uma determinada leitura da normal.

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A partir da lição de Lúcio  Bittencourt (O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, 1968, pág. 93) , o ministro Gilmar Mendes(Jurisdição constitucional, 5ª edição, pág. 347) aduziu que os tribunais devem partir  do princípio de que o legislador busca positivar uma norma constitucional.

Assim a interpretação conforme à Constituição passou a ser utilizada, igualmente, no controle abstrato das normas. Como ainda ensinou o ministro Gilmar Mendes(obra citada, pág. 347), consoante a prática vigente, limita-se o tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado conforme a Constituição.

A favor da admissibilidade da interpretação conforme à Constituição milita ainda a presunção da constitucionalidade da lei, fundada na ideia de que o legislador não tenha pretendido votar lei inconstitucional, como aduziu Bittencourt(obra citada, pág. 95).

A interpretação conforme, porém, tem seus limites.

Ensinou o ministro Gilmar Mendes que “não se deve conferir a uma lei com sentido inequívoco significação contrária assim como não deve falsear os objetivos pretendidos pelo legislador".

Disse ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 349) que segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador.

Não se pode esquecer da lição formulada pelo ministro Moreira Alves que reconheceu a interpretação conforme à Constituição, quando fixada no juízo abstrato das normas, corresponde a uma pronúncia de inconstitucionalidade. Disse o ministro Moreira Alves:

“Ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o Tribunal – em sua função de Corte Constitucional – atua como um legislador negativo”.

Ora, o mesmo ocorre quando a Corte dessa natureza, aplicando a interpretação conforme à Constituição, declara constitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a Constituição, pois nessa hipótese há um caso de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, implicando dizer, como ensinou o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 352), que o Tribunal Constitucional “elimina – e atua, portanto, como legislador negativo – as interpretações por ela admitidas, mas inconciliáveis com a Constituição. Concluiu o ministro Gilmar Mendes (obra citada): “Porém, a interpretação fixada, como única admissível, pelo Tribunal Constitucional, não pode contrariar o sentido da norma inclusive decorrente de sua gênese legislativa inequívoca, porque não pode Corte dessa natureza atuar como legislador positivo, ou seja, o que cria norma nova”.

Há, conforme ensinou o ministro Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 24ª.Ed., S.P., 2009) três espécies de interpretação conforme:

a) Interpretação conforme com redução de texto. Nesta espécie se declara a inconstitucionalidade de determinada expressão, possibilitando a partir dessa exclusão do texto, uma interpretação compatível com a Constituição. Ex. ADIN 1.127-8 ( O STF excluiu a expressão desacato do art. 7º, § 2º. do Estatuto da OAB concedendo à imunidade material aos advogados, compatibilizando o dispositivo com o artigo 133 da C.F./88.

b) Interpretação conforme sem redução de texto. Nesta espécie o Supremo não suprime do texto nenhuma expressão, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade. São exemplos: Adin 1371 ; ADI 1521-MC; AGA nº 311369/SP.

c) Interpretação conforme sem redução de texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade. Ex. ADI 1719-9 (Rel. Min. Moreira Alves).

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A criminalização da homofobia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5810, 29 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74163. Acesso em: 21 dez. 2024.

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