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Registro e Qualificação da Pessoa Jurídica no RCPJ ou na Junta Comercial

Repercussões do Novo Código Civil

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Agenda 25/05/2019 às 12:44

3 PESSOA JURÍDICA

A criação do instituto da pessoa jurídica foi uma das maiores contribuições do Direito para o progresso material da humanidade. Através dela, várias pessoas unem esforços e capital para um empreendimento comum.

Segundo Requião, o processo de gênese desse instituto começou na Idade Média, quando os processos de trocas começaram a se sofisticar e o intercâmbio de mercadorias ultrapassou os limites do Velho Mundo e a Europa começou a desbravar os demais continentes. As primeiras sociedades comanditas surgiram no século XI, sendo seguidas pelas companhias na época das Grandes Navegações e culminando com a criação das sociedades limitadas no séc. XIX. (REQUIÃO, 2003, p. 359).

A sofisticação das corporações foi acompanhada do processo de limitação da responsabilidade dos sócios. Não bastava que um ente jurídico fosse capaz de amealhar capital e trabalho de muitas pessoas com vistas a uma finalidade comum[28]. Para empreender de verdade, era necessário criar alguma forma de limitar o risco, garantindo o patrimônio particular dos sócios.

A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais. (COELHO, 2007b, pp. 15-6).

No Brasil, desde as Ordenações Filipinas já existia o contrato de sociedades, porém sem o nascimento de um novo ente, autônomo em relação aos sócios:

Examinadas as fontes históricas, (...) exceto por atos isolados, espe­cíficos, é nas Ordenações Filipinas, de 1603, que se encontra o primeiro regramento, que vigorou no Brasil, sobre as sociedades civis (...)

Não conferia, entretanto, o Direito, à época, personalidade jurídica às sociedades, vistas como mero vínculo contratual entre os sócios. (RÊGO).

3.1 Personalidade Jurídica

Juridicamente, o que dá autonomia à pessoa jurídica é o fato de o Direito lhe conferir personalidade jurídica. “Personalidade Jurídica: é a aptidão genérica, conferida pela lei, para adquirir direitos e obrigações na órbita do direito civil.” (SIQUEIRA).

(...) que significa para o direito, personalizar alguém ou algo? Qual o traço diferencial entre o regime dos sujeitos de direito personalizados e despersonalizados?

O que caracteriza o regime das pessoas, no campo do direito privado, é a autorização genérica para a prática dos atos jurídicos. Ao personalizar algo ou alguém, a ordem jurídica dispensa-se de especificar quais atos esse algo ou alguém está apto a praticar. Em relação às pessoas, a ordem jurídica apenas delimita o proibido; a pessoa pode fazer tudo, salvo se houver proibição. Já em relação aos sujeitos despersonalizados, não existe a autorização genérica para o exercício dos atos jurídicos; eles só podem praticar os atos essenciais para o seu funcionamento e aqueles expressamente definidos. Para as não-pessoas, a ordem jurídica não delimita o proibido, mas o permitido. Mesmo que não exista proibição específica, o sujeito despersonalizado não pode praticar ato estranho à sua essencial função. (...)

O sujeito de direito personalizado tem aptidão para a prática de qualquer ato, exceto o expressamente proibido. Já o despersonalizado somente pode praticar ato essencial ao cumprimento de sua função ou o expressamente autorizado. (COELHO, 2007b, pp. 10-1).

Como se viu, não são apenas os entes com personalidade jurídica que podem realizar atos na esfera civil. Os sujeitos de direito são mais abrangentes. Veja-se:

Sujeito de Direito = titular de direitos e obrigações. No passado, sujeito de direito eram as pessoas, ou seja, entes personalizados. Modernamente, ao lado das pessoas são também considerados sujeitos de direito alguns entes despersonalizados. (SIQUEIRA).

SUJEITOS DE DIREITO[29]

ENTES PERSONALIZADOS

ENTES DESPERSONALIZADOS

PESSOAS JURÍDICAS[30]

PESSOAS NATURAIS[31]

Massa falida,

Nascituro,

Herança jacente,

Espólio,

Condomínio edilício,

Sociedade sem registro.

Estatais,

Particulares.

Servidores públicos,

Empregados,

Profissionais autônomos,

Empresários individuais,

Sócios administradores,

Sócios investidores,

Titulares de serventias extrajudiciais[32].

Referindo-se às sociedades comerciais, mas igualmente válido para as civis, Requião faz um excelente resumo das implicações da aquisição da personalidade jurídica:

A sociedade transforma-se em novo ser, estranho à individualidade das pessoas que participam de sua constituição, dominando um patrimônio próprio, possuidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem cumprir a sua vontade. Seu patrimônio, no terreno obrigacional, assegura sua responsabilidade direta em relação a terceiros. Os bens sociais, como objetos de sua propriedade, constituem a garantia dos credores, como ocorre com os de qualquer pessoa natural. (REQUIÃO, 2003, p. 373).

Adquirindo personalidade jurídica, diversas conseqüências úteis ocorrem à sociedade comercial. Entre elas podemos catalogar as mais expressivas no seguinte elenco:

1ª) Considera-se a sociedade uma pessoa, isto é, um sujeito “capaz de direitos e obrigações”. Pode estar em juízo por si, contrata e se obriga. “A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou não os havendo, por intermédio de qualquer administrador”. É o dispositivo do art. 1.022 do Código Civil, estabelecendo a legitimidade contratual, a responsabilidade patrimonial e a legitimidade processual da sociedade personificada.

2ª) Tendo a sociedade, como pessoa jurídica, individualidade própria, os sócios que a constituírem com ela não se confundem, não adquirindo por isso a qualidade de comerciantes.

3ª) A sociedade com personalidade adquire ampla autonomia patrimonial. O patrimônio é seu, e esse patrimônio, seja qual for o tipo da sociedade, responde ilimitadamente pelo seu passivo.

4ª) A sociedade tem a possibilidade de modificar a sua estrutura, quer jurídica, com a modificação do contrato adotando outro tipo de sociedade, quer econômica, com a retirada ou ingresso de novos sócios, ou simples substituição de pessoas, pela cessão ou transferência de parte do capital. (REQUIÃO, 2003, p. 382).

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Ao lado da personalidade jurídica, o Direito Civil ainda estuda o instituto da capacidade jurídica, pelo qual a pessoa, com aptidão genérica para adquirir direitos e obrigações, pode atuar diretamente no comércio jurídico ou indiretamete, através de representante ou assistente. A pessoa jurídica, objeto deste estudo, tem capacidade plena, mas para agir no mundo concreto, elas recorrem a pessoas naturais, que são seus órgãos ou presentantes[33].

3.2 A Pessoa Jurídica

As pessoas jurídicas são sujeitos de direito personalizados, autônomas em relação a seus sócios, podendo a responsabilidade dos sócios ser limitada ou não. Tomem-se as definições de alguns autores:

Pessoa Jurídica: é a unidade de pessoas (sociedades e associações) ou de patrimônios (fundações) que visa a consecução de uma atividade (sempre lícita), reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direito. (SIQUEIRA).

(...) a pessoa jurídica é a unidade jurídica, resultante da associação humana, constituída para obter, pelos meios patrimoniais, um ou mais fins, sendo distinta dos indivíduos singulares e dotada da capacidade de possuir e de exercer adversus omnes direitos patrimoniais. (MENDONÇA, 1953, item 601).

“É a pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas, as quais deram lugar ao seu nascimento; ao contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direito em nome próprio. Em razão disso, as pessoas jurídicas têm nome particular, como aquelas físicas, domicílio, nacionalidade; podendo estar em juízo, como autoras, ou na qualidade de rés, sem que isso reflita na pessoa daqueles que as consituíram.” (MARTINS, 2006, p. 184).

Para a criação da pessoa jurídica, necessário se faz a conjugação de três pressupostos[34]: a) a vontade humana criadora; b) a observância das condições legais para a sua instituição; c) a licitude de seu objetivo.

Sílvio Venosa explica todo esse processo:

Passada a fase de manifestação da vontade, no sentido da criação do novo ente, a pessoa jurídica já existe em estado latente.

Para que essa pessoa jurídica possa gozar de suas prerrogativas na vida civil, cumpre observar o segundo requisito, qual seja, a observância das determinações legais. (VENOSA, 2004a, p. 257).

Na primeira fase, há a constituição da pessoa jurídica por um ato unilateral inter vivos ou mortis causa nas fundações e por um ato bilateral ou plurilateral nas corporações. (VENOSA, 2004a, p. 286).

O elemento formal é sua constituição por escrito que poderá ser por escrito particular ou público, salvo para as fundações, em que o instrumento público ou o testamento é essencial. (...)

Após a existência do ato escrito e da autorização, se necessário, passa-se à segunda fase, ou seja, à fase do registro. O art. 46 do atual Código especifica o que, necessariamente, o registro declarará. (VENOSA, 2004a, p. 287).

Embora costumeiramente se afirme que o contrato de sociedade não requer forma especial, o escrito é de suma importância porque sem ele não logrará a sociedade obter personalidade jurídica com o registro. Poderá ser instrumento público ou particular, dependendo da finalidade e da exigência legal respectiva. (...) Não haverá sociedade regular sem forma escrita. (VENOSA, 2004b, p. 602).

No período que medeia entre a criação da sociedade e seu registro, os atos praticados por ela são considerados de sociedade irregular, podendo ser, no entanto, ratificados. O ato de registro, todavia, não é retroativo. (VENOSA, 2004b, p. 612).

Vê-se, portanto, que a declaração de vontade, consubstanciada num negócio jurídico (contrato ou estatuto), pode revestir-se de forma pública ou particular, com exceção das fundações que estão sujeitas ao requisito formal específico: escritura pública ou testamento[35]. Como ressaltado acima por Sílvio Venosa, mesmo que a forma escrita não seja da essência do ato, ela será necessária para a regularidade da pessoa jurídica, uma vez que sua constituição se dá pelo registro.

Pelo exposto, verifica-se que da conjugação das fases[36] volitiva (negócio jurídico) e administrativa (registro) resulta a aquisição da personalidade da pessoa jurídica.

3.2.1 Categorias de pessoas jurídicas no Direito Privado

O Código Civil sistematiza o rol das pessoas jurídicas nos artigos 40 a 44. Assim elas se apresentam em de direito público (externo e interno) e de direito privado. Segundo Fábio Ulhôa Coelho, as pessoas jurídicas de direito privado subdividem-se:

De um lado, as chamadas estatais, cujo capital social é formado, majoritária ou totalmente, por recursos provenientes do poder público, que compreende a sociedade de economia mista, da qual particulares também participam, embora minoritariamente, e a já lembrada empresa pública. De outro lado, as pessoas jurídicas de direito privado não-estatais, que compreendem a fundação, a associação e as sociedades. As sociedades, por sua vez, se distinguem da associação e da fundação em virtude de seu escopo negocial, e se subdividem em sociedades simples e empresárias. (COELHO, 2006, p. 110).

PESSOAS JURÍDICAS[37]

PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO

PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO

NÃO-ESTATAIS

ESTATAIS

EXTERNO

INTERNO

Associações

Sociedades

Fundações

Organizações religiosas

Partidos políticos

Sociedade de economia mista

Empresa pública[38]

Fundações governamentais

Estados estrangeiros

Todas as pessoas regidas pelo direito internacional público (exemplos: ONU, OEA, OPEP, Comunidade Européia, OTAN etc.)

União

Estados

Distrito Federal

Territórios

Municípios

Autarquias, inclusive as associações públicas

Demais entidades de caráter público criadas por lei

As pessoas jurídicas de direito privado não-estatais, a seu turno, podem ser divididas conforme sua finalidade econômica ou não. As sociedades têm fins econômicos. Já sem fins econômicos são as associações e fundações[39].

(...) se as associações e as fundações, ambas, não possuem fins lucrativos, o traço que as diferencia está em que, nas asso­ciações, há, necessariamente, o agrupamento de pessoas, para um fim comum; já, nas fundações, o que as caracteriza é sua formação, não por pessoas, mas por patrimônio especial, afetado e personalizado, para a obtenção de determinado fim. Objeto sem fins lucrativos, o registro permanece atribuído ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas. (RÊGO).

Recente emenda trouxe ao Código Civil os partidos políticos e as organizações religiosas como categorias autônomas de pessoas jurídicas. No entanto, eles podem ser considerados modalidades de associações. É também o caso dos sindicatos.

PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO – ART. 44 DO CC[40]

FINS ECONÔMICOS

(Órgão de registro: Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial)

FINS NÃO-ECONÔMICOS[41]

(Órgão de registro: Registro Civil das Pessoas Jurídicas)

CORPORAÇÃO DE PESSOAS

PATRIMÔNIO AFETADO[42]

Sociedades

Associações[43]

Organizações Religiosas

Partidos Políticos[44]

(Sindicatos[45])

Fundações

As sociedades são corporações de pessoas visando fins lucrativos. Existem duas categorias de sociedades que não são registradas, logo, não têm personalidade jurídica: a sociedade em conta de participação e as sociedades comuns.

A sociedade em conta de participação é mais um contrato de sociedade do que propriamente uma pessoa jurídica. Já a sociedade em comum ocorre quando o registro não seja feito ou seja feito de forma irregular. Mesmo não sendo pessoa jurídica, a sociedade em comum já conta com algum reconhecimento de autonomia.

Sociedades sem registro:

  • Sociedade em comum (artigos 986 a 990 do CC). A sociedade em comum abrange a sociedade de fato e a sociedade irregular.
  • Sociedade em conta de participação (artigos 991 a 996 do CC).

A sociedade de fato é aquela que sequer tem contrato social escrito; já a sociedade irregular é aquela que tem contrato escrito, mas este não é levado a registro no órgão peculiar. (...)

Sociedade em Conta de Participação: é um tipo de sociedade que não tem personalidade jurídica, bem como não tem denominação. Não obstante ela pode ter o seu contrato registrado (no Oficial de Registro de Títulos e Documentos, por exemplo). (SIQUEIRA).

SOCIEDADES

NÃO-PERSONIFICADAS

(SEM REGISTRO)

PERSONIFICADAS[46]

(COM REGISTRO)

Sociedade em conta de participação

Sociedade em Comum (irregulares ou de fato)

Sociedade simples (lato sensu)

 (Registro Civil das Pessoas Jurídicas)

Sociedade empresária

 (Registro na Junta Comercial)

As sociedades sujeitas a registro, ou seja, aquelas que são pessoas jurídicas e gozam da personalidade e capacidade jurídicas, são as sociedades simples e as sociedades empresárias. Sobre sua distinção e registro trata o capítulo seguinte.

Sobre o autor
Luc Da Costa Ribeiro

Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica (aprovado no 7º Concurso de São Paulo) Formado em Direito pela UFMG Especialista em Direito Registral Imobiliário pela Escola Paulista da Magistratura

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A presente monografia apresenta um estudo sobre o sistema de registro das pessoas jurídicas no Direito Brasileiro, enfocando as modificações havidas com o Código Civil de 2002. O registro regular é fundamental para a existência válida da pessoa jurídica. A distinção feita neste estudo visa ao correto local de registro e ao decorrente afastamento da responsabilidade pela sua irregularidade.

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