Registro e Qualificação da Pessoa Jurídica no RCPJ ou na Junta Comercial

Repercussões do Novo Código Civil

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25/05/2019 às 12:44
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4 SOCIEDADES SIMPLES E EMPRESÁRIAS

Quando se fala em pessoa jurídica, normalmente se pensa nas sociedades. Foram elas que inspiraram toda a construção daquele instituto, com a autonomia do ente coletivo e, principalmente, com a possibilidade de limitação da responsabilidade dos sócios. Por essas características é que se pode atribuir às sociedades, principalmente as empresárias, o atual estágio de evolução material da humanidade.

Como foi visto no quadro anterior, as sociedades regulares podem ser divididas em: sociedades simples e sociedades empresárias. As primeiras são próprias do Direito Civil, enquanto as segundas, do Direito Empresarial.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2006, p. 10), desde 1960 a doutrina brasileira vinha estudando o direito das empresas. Destacam-se O Projeto de Código das Obrigações de 1965, o Projeto de Código Civil de 1975, o Código de Defesa do Consumidor, 1990, a Lei de Locação Predial Urbana de 1991 e a Lei do Registro de Empresas de 1994. Mas foi com o Código Civil de 2002 que se implantou definitivamente no Direito brasileiro a teoria da empresa[47], perfazendo a unificação do direito das obrigações, a criação do instituto do empresário e a distinção entre sociedades simples e empresárias, que não são apenas novos nomes para as anteriores sociedades civis e comerciais.

4.1 Direito Empresarial: a superação da teoria dos atos de comércio

No sistema anterior, o Código Comercial de 1850 era uma legislação própria para uma classe de pessoas: os comerciantes. A definição de comerciante se baseava nos chamados atos de comércio[48].

A tais pessoas, que servem de prestadoras de serviços ou de intermediárias entre produtores e consumidores, do ato de intermediação procurando auferir lucros, já que as mercadorias são adquiridas por um preço menor e vendidas por um maior, se deu e ainda se dá o nome de comerciantes ou mercadores. (MARTINS, 2006, p. 2).

O comerciante, na sua condição originária, era o mercador, ou seja, era aquele que fazia a compra de mercadorias para revenda, atuando como intermediário entre o produtor e o consumidor, ou entre um comerciante e outro comerciante.

O direito comercial terminou por abranger outras categorias que, por suas afinidades funcionais ou de origem com o comerciante, com este se identificaram, como é o caso do banqueiro, do industrial, do transportador, todos envolvidos pela energia própria do mundo dos negócios. (...)Formaram-se, conseqüentemente, no âmbito da atividade produtiva, duas ordens distintas, uma ligada aos atos de comércio (compra e venda de mercadorias, atividades financeiras, atividades industriais etc.), e outra aos atos civis (agricultura, pecuária, extrativismo etc.). (BORBA, 2009b).

Segundo Fernando Passos “(...) para o Direito Comercial, era preciso ter circulabilidade entre produto; ou produção, que justificava a indústria.” (MENDONÇA et al, 2004, p. 80). O conceito dos atos de comércio não abarcava somente os atos do comerciante (intermediação), mas também incluía outros equiparados, como a indústria, bancos e seguradoras. Por outro lado, as atividades civis não eram apenas a agricultura, pecuária e extrativismo. Construtoras, imobiliárias e a prestação de serviços em geral eram consideradas atividades civis e excluídas do âmbito do Direito Comercial[49]. Não mais se justificava esse tratamento diferente[50].

Para superar essa dicotomia[51], o novo Código Civil se inspirou na teoria da empresa. “O conceito de empresa decorre da visão moderna de empresário, e sua formulação tem origem na legislação italiana de 1942, que unificou, no Código Civil, o direito obrigacional, fazendo desaparecer o Código Comercial como legislação separada.” (NEGRÃO, 2007, p. 39). Na realidade, a empresa é definida, na legislação italiana, como exercendo uma atividade econômica organizada com vistas à produção ou à troca de bens e serviços, não se limitando ao campo da circulação, mas abrangendo também a indústria, sob todas as suas formas [52].

O conceito jurídico de comerciante deixou de existir, substituído que foi pelo de empresário. Não se trata, porém, de uma singela mudança de nomenclatura, posto que as figuras do empresário e do comerciante não se identificam.

O comerciante era aquele que praticava profissionalmente atos de comércio, e os atos de comércio correspondiam às atividades que historicamente se situaram no âmbito do comércio.

O empresário, diferentemente, é o titular da empresa, sendo esta uma atividade econômica organizada. (BORBA, 2009b).

(...) o critério adotado pelo novo Código Civil bra­sileiro, além de apartar-se do sistema francês, onde sobressai a teoria dos atos de comércio, também não recepcionou, integralmente, o siste­ma italiano, porque, nesse, também a distinção leva em consideração, como divisor de águas, em regra, o objeto civil ou comercial. (...) O que separa, agora, as sociedades simples das empresárias, excetuadas as sociedades definidas como não empresárias, não mais será seu objeto, mas, sim, o exercício, direto ou supervisio­nado, da atividade, pelos sócios; ou o exercício indireto, apenas como organizador dos meios de produção, pelos sócios. Deixa de haver a pessoalidade no exercício da profissão. Os clientes das sociedades em­presárias não mais buscam o atuar do sócio, profissional, mas, sim, aquela determinada organização. (RÊGO).

Ampliou-se, assim, o campo de ação do Direito Mercantil, o que já era reclamado pela doutrina, que o julgava bastante limitado, admitindo que o mesmo deveria se estender a todos os atos de natureza econômica, e não aos simples atos de intermediação com intuito de lucro. Alargou-se o âmbito de incidência do Direito Comercial, passando as atividades de prestação de serviços e ligadas à terra a se submeterem à mesmas normas aplicáveis às comerciais, bancárias, securitárias e industriais. O Direito Comercial deixa de cuidar de determinadas atividades (atos de comércio) e passa a disciplinar uma forma específica de produzir ou circular bens ou serviços: a empresarial[53].

A teoria da empresa, contudo, bem examinada, apenas desloca a fronteira entre os regimes civil e comercial.

No sistema francês, excluem-se atividades de grande importância econômica – como a prestação de serviços, agricultura, pecuária, negociação imobiliária – do âmbito de incidência do direito mercantil, ao passo que, no italiano, reserva-se disciplina específica para algumas atividades de menor expressão econômica, tais as dos profissionais liberais ou dos pequenos comerciantes.

A teoria da empresa é, sem dúvida, um novo modelo de disciplina privada da economia, mais adequado à realidade do capitalismo superior. Mas através dela não se supera, totalmente, um certo tratamento diferenciado das atividades econômicas. O acento da diferenciação deixa de ser posto no gênero da atividade e passa para a medida de sua importância econômica. Por isso é mais apropriado entender a elaboração da teoria da empresa como o núcleo de um sistema novo de disciplina privada da atividade econômica e não como expressão da unificação dos direitos comercial e civil. (COELHO, 2009).

A tendência crescente era o desaparecimento da distinção entre atividades civis e mercantis, para serem tratadas de forma una no âmbito do direito privado. Entretanto, não se chegou a tanto. Existe ainda um campo normativo próprio do Direito Empresarial e a evidente distinção havida entre as sociedades simples e empresárias[54].

4.1.1 Empresa e empresário

Nesse novo panorama criado pelo Direito Empresarial, saem de cena os atos de comércio praticados pelos comerciantes e entra a empresa exercida pelos empresários. Fique bem claro que, juridicamente, não se confunde a empresa nem com o empresário nem com o estabelecimento empresarial[55]. Empresário é o sujeito de direito. Estabelecimento empresarial é o objeto de direito. E empresa é a atividade organizada exercida pelo empresário no estabelecimento[56].

Conceitua-se empresa como sendo atividade, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados estes mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia). (COELHO, 2009)[57].

A empresa, na sua noção jurídica (...) constitui um organismo econômico, que combina os fatores natureza, capital e trabalho, para a produção ou circulação de bens ou de serviços. (REQUIÃO, 2003, p. 358).

Dessa explicação surge nítida a idéia de que a empresa é essa organização dos fatores da produção exercida, posta a funcionar, pelo empresário. Desaparecendo o exercício da atividade organizado do empresário, desaparece, ipso facto,a empresa. (REQUIÃO, 2003, p. 60).

O Código Civil não definiu o que é empresa. Esse conceito se extrai a partir do conceito de empresário. O art. 966 do Código Civil traz sua definição:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Enunciado 54 da I Jornada de Direito Civil (CJF) – “Art. 966: é caracterizador do elemento empresa a declaração da atividade-fim, assim como a prática de atos empresariais.”

Pela lei, empresa é a atividade do empresário, ou seja, é o exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Entendo-se a empresa, sabe-se quem é o empresário[58].

O Prof. Guiseppe Ferri observa que a produção de bens e serviços para o mercado não é conseqüência de atividade acidental ou improvisada, mas sim de atividade especializada e profissional, que se explica através de organismos econômicos permanentes nela predispostos. Estes organismos econômicos, que se concretizam da organização dos fatores de produção e que se propõem a satisfação das necessidades alheias, e, mais precisamente, das exigências do mercado geral, tomam na terminologia econômica o nome de empresa. (...)

Objetivamente considerada, apresenta-se como uma combinação de elementos pessoais e reais colocados em função de um resultado econômico, e realizada em vista de um intento especulativo de uma pessoa, que se chama empresário. (grifo nosso) (REQUIÃO, 2003, pp.49-50).

Fábio Ulhoa Coelho destrinça cada um dos aspectos do conceito legal:

Destacam-se da definição as noções de profissionalismo, atividade econômica e produção ou circulação de bens ou serviços.

Profissionalismo. (...) considerações de três ordens. A primeira diz respeito à habitualidade. Não se considera profissional quem realiza tarefas de modo esporádico. (...) O segundo aspecto do profissionalismo é a pessoalidade. O empresário, no exercício da atividade empresarial, deve contratar empregados. (...) A decorrência mais relevante da noção está no monopólio das informações que o empresário detém sobre o produto ou serviço objeto de sua empresa. (...)

Atividade. Se empresário é o exercente profissional de uma atividade econômica organizada, então empresa é uma atividade; a de produção ou circulação de bens ou serviços. (...)

Econômica. A atividade empresarial é econômica no sentido de que busca gerar lucro para quem a explora. (...)

Organizada. A empresa é atividade organizada no sentido de que nela se encontram articulados, pelo empresário, os quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. (...)

Produção de bens ou serviços. Produção de bens é a fabricação de produtos ou mercadorias. Toda atividade de indústria é, por definição, empresarial. Produção de serviços, por sua vez, é a prestação de serviços. (...)

Circulação de bens ou serviços. A atividade de circular bens é a do comércio, em sua manifestação originária: ir buscar o bem no produtor para trazê-lo ao consumidor. É a atividade de intermediação na cadeia de escoamento de mercadorias. (...) Circular serviços é intermediar a prestação de serviços. (...)

Bens ou serviços. (...) Bens são corpóreos, enquanto os serviços não têm materialidade. A prestação de serviços consistia sempre numa obrigação de fazer. (grifo nosso) (COELHO, 2006, pp. 11-5).

Também com base no art. 966 do Código Civil, Negrão apresenta três aspectos para desvendar a empresa[59]:

  1. Atividade econômica (economicidade) – criação de riquezas de bens ou serviços patrimonialmente valoráveis, com vistas à produção ou à circulação de bens ou serviços.
  2. Atividade organizada (organização) – compreende a organização de trabalho alheio e do capital próprio e alheio.
  3. Atividade profissional (profissionalidade) – não ocasional, assumindo em nome próprio os riscos da empresa. (NEGRÃO, 2007, pp. 46-8). [60]

Do ponto de vista subjetivo, Negrão apresenta o seguinte conceito de empresário:

(...) sujeito – pessoa física ou jurídica – que, em nome próprio, exerce atividade econômica organizada – incluindo a organização do trabalho alheio e do capital próprio e alheio –, com o fim de operar para o mercado e não para o consumo próprio, de forma profissional, isto é, não ocasionalmente. (NEGRÃO, 2007, p. 42).

Numa perspectiva mais pragmática, Requião e Fran Martins assim o caracterizam:

Dois elementos fundamentais – destacam geralmente os autores – servem para caracterizar a figura do empresário: a iniciativa e o risco. (REQUIÃO, 2003, p. 77).

(...) o comerciante se instala, registra firma ou nome comercial, contrata empregados, estabelece escrita própria para a anotação de suas atividades. Em uma palavra, o comerciante se organiza para o fim específico de realizar atividades de intermediação ou de prestação de certos serviços, empregando capital e trabalho a fim de conseguir esse desiderato. Faz do exercício das atividades comerciais a sua profissão, a ela se dedicando com fervor e assumindo obrigações da prática da mesma. (MARTINS, 2006, p. 85).

A atividade empresarial é um fato jurídico, mas o art. 967 do Código Civil obriga o empresário a inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis antes do início de suas atividades. Esse registro não é da essência do conceito de empresário.

Enunciado 198 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – “Art. 967: A inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário.”

Enunciado 199 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – “Art. 967: A inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não da sua caracterização.”

O sistema adotado pelo Código Civil, portanto, tornando obrigatória a inscrição, em nada altera o previsto no Código Comercial; o registro permanece meramente declaratório da condição de empresário, mas sua não-inscrição no Registro de Empresas coloca-o à margem das prerrogativas plenas previstas nas inúmeras leis que regulamentam sua atividade e que foram objeto de estudo, nas linhas anteriores. (NEGRÃO, 2007, p. 180).

A Junta Comercial (JC) registra: o empresário e a sociedade empresária. O registro na JC não torna o indivíduo empresário, o que ele já é pela simples prática dos chamados atos empresariais com habitualidade e profissionalismo. O registro, neste caso, serve, meramente, para dizer que ele é um empresário regular. O empresário individual não tem personalidade jurídica, embora, para efeitos fiscais, ele seja considerado como tal. (SIQUEIRA).

O registro no órgão próprio não é da essência do conceito de empresário. Será empresário o exercente profissional de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, esteja ou não inscrito no registro das empresas. Entretanto, o empresário não-registrado não pode usufruir dos benefícios que o direito comercial libera em seu favor. (COELHO, 2006, p. 43).

Será empresário o exercente profissional de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, esteja ou não inscrito no Registro de Empresas. O registro do empresário, portanto, tem caráter apenas declaratório, mas a lei vincula a ele sua regularidade.

4.2 As Sociedades de Direito Privado

As sociedades são entes personalizados, pessoas jurídicas, com fins econômicos. Cabe a elas, de modo geral, a lição de Fran Martins:

(...) dado o crescimento dos negócios, os comerciantes individuais e as sociedades empresárias passaram a necessitar de uma organização em que se unissem capital e trabalho, para atender às demandas do comércio. Nasceu, aí, a empresa comercial, organismo formado por uma ou várias pessoas com a finalidade de exercitar atos de manufatura ou circulação de bens ou prestação de serviços. (MARTINS, 2006, p. 13).

Denomina-se sociedade a organização proveniente de acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho para um fim lucrativo. A sociedade pode advir de contrato ou de ato correspondente; uma vez criada, e adquirindo personalidade jurídica, a sociedade se autonomiza, separando-se das pessoas que a consitutíram. (MARTINS, 2006, p. 172).

Segundo o Código Civil, as sociedades podem ser empresárias ou não-empresárias (simples): “Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.” [61]

Negrão faz um quadro bastante esclarecedor com relação às atividades empresariais e não-empresariais[62]:

EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EMPRESARIAL

INDIVIDUAL

COLETIVO

Empresário individual (art. 966).

Sociedade empresária (art. 983).

EXERCÍCIO DE ATIVIDADES NÃO EMPRESARIAIS

INDIVIDUAL

COLETIVO

Profissional (autônomo): atividades não empresariais, tais como: intelectuais, científicas, literárias ou artísticas.

- Associações – sem fins econômicos (art. 53);

- fundações – de fins religiosos, morais, culturais e de assistência (art. 62);

- sociedade simples – atividade lucrativa não empresária (arts. 982 e 997 a 1.038).

As associações e fundações, como estudado anteriormente, não trazem dificuldades ao registro: ele é feito sempre no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Os empresários individuais e os profissionais autônomos também não trazem embaraços: os primeiros são inscritos na Junta Comercial, enquanto os segundos não estão sujeitos a registro[63]. A perplexidade surge com relação às sociedades simples e empresárias.

Como foi visto no item anterior, atividade empresarial não é outro nome para atos de comércio. Houve uma reestruturação dos campos de incidência do Direito Civil e do Direito Empresarial. Logo, sociedade empresária e sociedade simples não são apenas nova terminologia para designar as antigas sociedade comercial e sociedade civil[64].

Numa análise superficial, como é feita na maioria dos manuais que trata o assunto[65], a distinção parece óbvia: se a sociedade exerce atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, então ela é empresária. Simples são as demais[66].

Há casos, porém, que ficam numa zona de incerteza. É a opinião dos seguintes autores:

Contudo, se o inovador discriminem que separa e aparta os dois tipos básicos de SOCIEDADES se mostra nítido do ponto de vista teórico, na prática tal separação poderá causar dúvidas e incertezas, pois muitas atividades poderão se iniciar de forma nitidamente simples e se desenvolver posteriormente como empresária. (SALLES)

Na prática, nem sempre são claras as fronteiras objetivas entre sociedade simples e sociedade empresária. (FAZZIO JÚNIOR, 2006, p. 189).

O legislador não foi claro ao traçar o perfil da sociedade simples. (...) criou-se um fator de ambigüidade que lança a sociedade simples numa zona gris. (...)

Desse modo, destacando-se das atividades econômicas em geral aquelas que a ordem positiva entender oportuno reservar às sociedades simples de forma expressa, as demais são atividades empresárias. Segundo esse conceito, o perfil jurídico da sociedade simples se faz por exclusão ou por determinação legal, no ritmo do art. 982. Há que se tomar por empréstimo o conceito de empresa, para definir a natureza da sociedade. (REQUIÃO, 2003, p. 403).

Essa inexorável indecisão (quanto à classificação, como simples ou empresária, de uma sociedade voltada para o exercício de profissão intelectual) basta para revelar o quanto há de confuso e prejudicial no critério adotado pelo novo Código Civil. Ou seja, a diferenciação, que pretendeu substituir aquela que hoje atormenta a doutrina e a jurisprudência, torna-se igualmente fluída (...) (SIQUEIRA, 2009a).

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Diante dessa falta de clareza do legislador, a doutrina define alguns critérios de separação. Esses critérios serão sistematizados no item seguinte.

4.2.1 A distinção entre sociedades simples e empresárias

A separação das sociedades simples e empresárias é tarefa árdua na prática. Começa-se a distinção, observando o que Fábio Ulhoa Coelho entende por atividades não-empresarias:

São quatro hipóteses de atividades econômicas civis. A primeira diz respeito às exploradas por quem não se enquadra no conceito legal de empresário. Se alguém presta serviços diretamente, mas não organiza uma empresa (não tem empregados, por exemplo), mesmo que o faça profissionalmente (com intuito lucrativo e habitualidade), ele não é empresário e o seu regime será o civil. Aliás, com o desenvolvimento dos meios de transmissão eletrônica de dados, estão surgindo atividades econômicas de relevo exploradas sem empresa, em que o prestador dos serviços trabalha sozinho em casa. (...)

Profissional liberal. Não se considera empresário, por força do parágrafo único do art. 966 do CC, o exercente de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, mesmo que contrate empregados para auxiliá-lo em seu trabalho. Estes profissionais exploram, portanto, atividades econômicas civis, não sujeitas ao Direito Comercial. Entre eles se encontram os profissionais liberais (advogado, médico, dentista, arquiteto etc.), os escritores e artistas de qualquer expressão (plásticos, músicos, atores etc.).

Há uma exceção, prevista no mesmo dispositivo legal, em que o profissional intelectual se enquadra no conceito de empresário. Trata-se da hipótese em que o exercício da profissão constitui elemento de empresa.(...)

Empresário rural. (...) Atento a esta realidade, o Código Civil de 2002 reservou para o exercente de atividade rural um tratamento específico (art. 971). Se ele requerer sua inscrição no registro das empresas (Junta Comercial), será considerado empresário e submeter-se-á às normas de Direito Comercial. Esta deve ser a opção do agronegócio. Caso, porém, não requeira a inscrição neste registro, não se considera empresário e seu regime será o do Direito Civil. Esta última deverá ser a opção predominante entre os titulares de negócios rurais familiares.

Cooperativas. (...) De um lado, a sociedade por ações, que será sempre comercial, independentemente da atividade que explora (LSA, art. 2º, §2º; CC, art. 982). De outro, as cooperativas, que são sempre sociedades civis (ou “simples”, na linguagem do CC), independentemente da atividade que exploram (art. 982). (COELHO, 2006, pp.15-9).

Tomando as quatro hipóteses apresentadas, pode-se formar o seguinte quadro, dividindo-as segundo o critério separador:

ATIVIDADES CIVIS

TIPO DE ATIVIDADE

CRITÉRIO

Exploradas por quem não se enquadra no conceito legal de empresário

Quanto à organização

Profissão liberal

Quanto ao objeto

Empresário rural

Quanto ao objeto

Cooperativa

Quanto ao tipo societário

A distinção entre sociedades simples e empresárias será feita seguindo esses critérios que definem as atividades civis: 1) quanto ao tipo societário, 2) quanto ao objeto, 3) quanto à organização.

4.2.1.1 Distinção quanto à ao tipo societário

As cooperativas e as sociedades anônimas são dois modelos societários que têm sua caracterização simples ou empresarial previamente definida no Código Civil: “Art. 982, parágrafo único - Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.” Com relação aos outros tipos societários, eles podem ser livremente utilizados tanto na atividade civil quanto na atividade empresarial. É o que diz o art. 983[67]: “A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias.”

TIPOS SOCIETÁRIOS[68]

SIMPLES (lato sensu)

(Registro Civil das Pessoas Jurídicas)

EMPRESÁRIOS

(Registro na Junta Comercial)

Sociedade em nome coletivo

Sociedade em comandita simples

Sociedade limitada

Sociedade simples (stricto sensu)

(Sociedade) Cooperativa[69]

Sociedade em nome coletivo

Sociedade em comandita simples

Sociedade limitada

Sociedade em comandita por ações

Sociedade anônima

Independente do tipo societário ou da atividade exercida, qualquer sociedade (e até o empresário individual, mas não o profissional autônomo) pode ser caracterizada como micro ou pequena empresa e terá benefícios, conforme art. 970 do Código Civil.

Enunciado 200 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – “Art. 970: É possível a qualquer empresário individual, em situação regular, solicitar seu enquadramento como microempresário ou empresário de pequeno porte, observadas as exigências e restrições legais.”

Enunciado 235 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – Art. 1.179: O pequeno empresário, dispensado da escrituração, é aquele previsto na Lei n. 9.841/99.

A Lei Complementar 123/06 cuida do assunto e define cada uma pela receita bruta auferida em cada ano-calendário: microempresa - igual ou inferior a R$ 240.000,00; empresa de pequeno porte - superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00. Essa caracterização não muda o local do registro. Fran Martins explica um pouco mais o instituto:

No que tange ao tratamento favorecido, gozam a microempresa e a empresa de pequeno porte de registro especial no órgão competente – Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, se de natureza comercial, ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas, se de natureza civil. (MARTINS, 2006, p. 148).

A microempresa ou empresa de pequeno porte individual é sempre de natureza comercial, razão pela qual a sua firma deve ser arquivada no Registro de Empresas. (grifo nosso) (MARTINS, 2006, p. 150) [70].

Em se tratando de sociedade, essa pode ser empresária e não-empresária, conforme a natureza das atividades que vier a desempenhar. (...) em geral, o tipo preferido é o da sociedade simples. (...)

Se a sociedade que se constituir na qualidade de microempresa estiver voltada para atividades não-empresariais, poderá encerrar modalidade sociedade simples, cujo registro será efetivado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, obedecendo o contrato às normas específicas relativas ao parâmetro societário. (MARTINS, 2006, p. 150).

Dessa forma, a sociedade anônima e a sociedade em comandita por ações serão sempre empresárias. Já as cooperativas serão sempre civis. Os demais tipos societários serão civis[71] ou empresários, conforme a organização dos fatores de produção e o objeto social adotados. A sociedade simples stricto sensu só pode ser empregada em atividades civis[72].

4.2.1.2 Distinção quanto ao objeto social[73]

A atividade rural, de um lado, e a atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, de outro, são consideradas atividades tipicamente civis. Podem assumir qualquer tipo societário[74], mesmo o de sociedade anônima, mas nesse caso serão empresárias.

A atividade rural teve um tratamento peculiar. O art. 971 do Código Civil traz a seguinte redação:

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.

Enunciado 201 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – Arts. 971 e 984: O empresário rural e a sociedade empresária rural, inscritos no registro público de empresas mercantis, estão sujeitos à falência e podem requerer concordata.

Enunciado 202 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – Arts. 971 e 984: O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção.

A lei dá a faculdade de se submeter ao regime do Direito Empresarial, inscrevendo-se na Junta Comercial, ao “empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão” [75]. Logo, caso o exercente da atividade rural não se enquadre na definição do art. 966 do Código Civil ou não a tenha como sua principal profissão, ele não terá escolha: ou será um profissional autônomo, caso exerça individualmente a atividade, ou será uma sociedade simples. Entrementes, se a atividade rural for exercida como principal profissão e os elementos do art. 966 estiverem presentes, o profissional rural ou a sociedade rural terão a faculdade de inscreverem-se na Junta Comercial.

A sociedade com atividade rural, se não for empresária – vale dizer, se não contar com uma organização – será necessariamente uma sociedade simples. Dotada de organização, poderá optar, livremente, entre a condição de sociedade simples e a condição de sociedade empresária. (BORBA, 2009b).

Os profissionais liberais ou a sociedade formada por eles são tratados, regra geral, como atividade civil[76]. É o que estatui o parágrafo único do art. 966 do Código Civil[77]: “Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”

Enunciado 193 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – “Art. 966: O exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa.”

Enunciado 194 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – “Art. 966: Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida.”

Enunciado 195 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – “Art. 966: A expressão ‘elemento de empresa’ demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial.”

Acontece que ninguém sabe o que é elemento de empresa. A doutrina italiana diz que elemento de empresa é o momento pelo qual a prestação intelectual, a que estamos nos referindo, uma prestação individual, cede lugar à empresarialidade. Ocorre quando o indivíduo se torna anônimo e o cliente procura não mais o cidadão intelectual e sim sua empresa. (MENDONÇA et al, 2004, pp. 82-3).

Elemento, como é propedêutico, é a parte de um todo. Organizada, igualmente, remete à idéia da existência de órgãos conjugados, para um atuar estruturado. Assim, constituirá elemento de empresa o atuar do sócio no sentido de, apenas, gerenciar essa organização. O seu atuar não é mais o fator preponderante da atividade, mas, apenas, mais um elemento naquela organização. (RÊGO).

A atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística será considerada empresária apenas quando fizer parte de uma organização maior, quando sua finalidade não for aquela atividade em si exercida por determinado profissional, mas for um meio, junto com outras atividades, para a consecução de outro resultado[78].

O objeto da atividade social, portanto, só é critério diferenciador para essas duas classes de atividades. No entanto, boa parte da doutrina ainda foca o objeto como principal critério diferenciador. Atribuímos isso à inércia do antigo sistema do Direito Mercantil, em que pela mercancia se distinguia a atividade comercial. A dificuldade de absorver o novo sistema da teoria da empresa é tanta, que ainda há quem lecione como se tivesse havido apenas uma mudança de nomenclatura, chamando agora atos de empresa aos antigos atos de comércio[79].

Sociedade empresária não é, assim, apenas um nome diferente para o que todos conheciam por sociedade comercial. Trata-se de conceito mais amplo, que abarca uma das maneiras de se organizar, a partir de investimentos comuns de mais de um agente, a atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. (COELHO, 2007b, p. 6).

A sociedade empresária é pessoa jurídica que congrega pessoas físicas interessadas em obter lucro mediante a exploração de atividade econômica. Não é, simplesmente, uma sociedade comerciante. Trata-se de titularização de uma organização econômica, quer dizer, dirigida à produção e circulação de bens e/ou serviços. (FAZZIO JÚNIOR, 2006, p. 161).

Ainda que não tenha mais a mesma importância, pode haver casos em que a sociedade tenha mais de uma atividade, sendo algumas delas tipicamente civis. Nesse caso, a doutrina sugere que seja considerada a atividade preponderante[80].

4.2.1.3 Distinção quanto à organização dos fatores de produção

No sistema dos atos de comércio, o objeto social era o que determinava a empresarialidade[81]. No atual sistema, independentemente de a atividade ser tipicamente comercial, ela pode ser enquadrada como não-empresária, pois é essencial o exercício profissional da atividade econômica organizadamente.

Vê-se, pois, aqui, que nas sociedades de objeto civil a regra é serem constituídas sob a forma de sociedades simples. E mais, que nas demais atividades qualquer que seja sua natureza, civil ou comercial, havendo o elemento pessoal, ou seja, exercida a atividade diretamente pelos só­cios ou sob sua imediata supervisão, não estarão caracterizados os ele­mentos de empresa, ou seja, o atuar despersonalizado, meramente organizacional dos meios de produção, sob estrutura tipicamente em­presarial, capitalista. (grifo nosso) (RÊGO)

Deixa, assim, de ter relevo o objeto da sociedade: qualquer que seja ele, se a estrutura criada para o exercício das atividades que lhe sejam próprias assumir características empresariais, a instância administrativa de registro será o Registro Público das Empresas Mercantis (Junta Comercial). Caso contrário, mesmo que ela pratique o que, até então, se denomina ato de comércio, por não ter atingido o degrau da empresarialidade, será simples, registrando seus atos perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. (SIQUEIRA, 2009a).

As atividades que não se enquadram no conceito legal de empresário são o campo residual[82] da sociedade simples. Os elementos caracterizadores da empresa são: profissionalidade, economicidade e organização[83]. A economicidade não serve de critério distintivo, uma vez que ambas as sociedades têm fins lucrativos. A profissionalidade é um critério válido, porém é difícil vislumbrar uma sociedade que seja constituída para atividades que não sejam habituais, estáveis e contínuas[84]. Já a organização empresarial será o traço realmente distintivo das sociedades simples e empresárias.

Essas considerações sobre a profissionalidade ainda são resquícios do sistema anterior. A melhor interpretação do art. 966 é no sentido de que o “exercício profissional” seja também dirigido à forma da organização. Não é à toa que hoje existe um curso superior de “Administração de Empresas”. Logo, existe uma forma profissional de gestão e isso implicará na sua organização.

A diferença entre estas, como alertou o professor Miguel Reale, não reside no OBJETO SOCIAL, pois repita-se, ambas realizam ALTIVIDADES ECONÔMICAS, o que as aparta, o que as diferencia, é a ESTRUTURA, é a FUNCIONALIDADE, é o modo de atuação.

A ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL ou usando-se a terminologia do Código Civil, a SOCIEDADE EMPRESÁRIA, bem irradia a idéia de “impessoalidade” (...)

Diversamente, a ORGANIZAÇÃO SIMPLES, ou SOCIEDADE SIMPLES, mesmo sendo ou representando uma pessoa jurídica ou uma abstração teórica, ostenta um certo caráter pessoal, um atrelamento entre a figura dos sócios e a atividade desenvolvida pela sociedade. As sociedades simples devem realizar seus objetivos sociais, com a direta participação ou supervisão de seus sócios, independentemente de sua dimensão e complexidade.

A SOCIEDADE SIMPLES representa, destarte, a reunião de esforços tendentes a atingir um objetivo enquadrado como “atividade econômica”, sem que ocorra a integral “desconfiguração” ou “despersonalização” da figura de seus titulares, de seus sócios ou integrantes. (...) Assim, a SOCIEDADE SIMPLES deve estar amarrada umbilicalmente à especialidade dos sócios, ao conhecimento prático ou técnico que estes ostentam, ou simplesmente à atuação direta destes. (SALLES)

O que irá, de verdade, caracterizar a pessoa jurídica de direito privado não-estatal como sociedade simples ou empresária será o modo de explorar seu objeto. O objeto social explorado sem empresarialidade (isto é, sem profissionalmente organizar os fatores de produção) confere à sociedade o caráter de simples, enquanto a exploração empresarial do objeto social caracterizará a sociedade como empresária. (...)

Por critério de identificação da sociedade empresária elegeu, pois, o direito o modo de exploração do objeto social. Esse critério material, que dá relevo à maneira de se desenvolver a atividade efetivamente exercida pela sociedade, na definição de sua natureza empresarial, é apenas excepcionado em relação às sociedades por ações. (...) Salvo nestas hipóteses – sociedade anônima, em comandita por ações ou cooperativas –, o enquadramento de uma sociedade no regime jurídico empresarial dependerá, exclusivamente, da forma com que explora seu objeto. Uma sociedade limitada, em decorrência, poderá ser empresária ou simples: se for exercente de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, será empresária; caso contrário ou se dedicando a atividade econômica civil (sociedade de profissionais intelectuais ou dedicada à atividade rural sem registro na Junta Comercial), será simples. (COELHO, 2006, p. 111).

Para ser empresária a sociedade deve gerir profissionalmente os meios de produção[85]. Deve haver certa sofisticação nessa gestão e uma despersonalização na atuação dos sócios. O tamanho do empreendimento não é fator determinante para descortinar a empresarialidade, visto que o artigo 1000 do Código Civil prevê que as sociedades simples podem ter filiais.

Não tem importância, note-se, a dimensão do negócio. Normalmente, não se consegue explorar atividade econômica de vulto sem a organização empresarial. Mas não há relação necessária entre um e outro vetor. Tanto assim que pequenos negócios podem ser explorados empresarialmente. O decisivo é a forma com que se explora a atividade: com ou sem empresarialidade. (COELHO, 2009).

Por isso, também, fica claro que pouco importa o tamanho da socie­dade ou a obrigatoriedade do exercício direto, pelos sócios, das suas atividades, bastando sua supervisão. O que importa é o exercício ou su­pervisão pessoal dos sócios. (...)

Não teria nenhum sentido a lei nova permitir que as sociedades sim­ples contassem com colaboradores, em número indefinido, e pudessem abrir filiais, sucursais ou agências, se pensarmos que não será empresá­rio somente quem, por si, e diretamente, exerça a atividade social, por­que, ao que sabemos, aos homens ainda não é dado o dom da ubiqüidade. Se fosse necessário o exercício da atividade, diretamente e per si, não seria possível a abertura de filiais e nem necessária a colaboração de auxiliares, sem número definido. A lei, se tal quisesse, teria restringido.  (RÊGO).

Enfim, o que vai determinar se a organização da atividade é empresarial ou não é a pessoalidade no exercício da atividade econômica. Caso os sócios atuem diretamente ou, ainda que supervisionando, mas a clientela procure o empreendimento pela atuação deles, haverá uma atividade não-empresarial. Do contrário, quando os sócios mais administram os fatores de produção, gerindo de forma profissional capital, trabalho[86], insumos e tecnologia, ter-se-á a atuação empresarial. Borba explica magistralmente essa questão[87]:

O mesmo acontece com a sociedade simples, que tem no trabalho pessoal dos sócios o núcleo de sua atividade produtiva. Ainda que tenha empregados, estes apenas colaboram, mas o que se exterioriza, prevalecentemente, é o labor dos próprios sócios, ou de um administrador designado que opere de forma pessoal.

A empresa existe quando as pessoas coordenadas ou os bens materiais utilizados, no concernente à produção ou à prestação de serviços operados pela sociedade, suplantam a atuação pessoal dos sócios. (BORBA, 2009a).

O autônomo exerce a sua atividade econômica de forma pessoal, ou com a colaboração de auxiliares subalternos ou até mesmo de outros profissionais, mas o que prevalece é o seu trabalho pessoal.

O mesmo acontece com a sociedade simples, que tem no trabalho pessoal dos sócios o núcleo de sua atividade produtiva. Ainda que tenha empregados, estes apenas colaboram, mas o que se exterioriza, prevalecentemente, é o labor dos próprios sócios, ou de um administrador designado que opere de forma pessoal.

O empresário e as sociedades empresárias operam através da organização, posto que esta se sobreleva ao labor pessoal dos sócios, que poderão atuar como dirigentes, mas que não serão, de forma predominante, os operadores diretos da atividade-fim exercida. (...)

A empresa existe quando as pessoas coordenadas ou os bens materiais utilizados, no concernente à produção ou à prestação de serviços operados pela sociedade, suplantam a atuação pessoal dos sócios.

A coordenação, a direção e a supervisão são pertinentes ao empresário ou à sociedade empresária; o exercício direto do objeto social, vale dizer, a produção ou a circulação de bens e a prestação de serviços são operadas pela organização.

Se os próprios sócios, ou principalmente os sócios, operam diretamente o objeto social, exercendo eles próprios a produção de bens, ou a sua circulação, ou a prestação de serviços, o que se tem é uma sociedade simples. (BORBA, 2009b).

A organização empresarial é questão de fato. Um empreendimento pode iniciar suas atividades sem organização e logo implantá-la. Ademais, considerando-se o registro, muitas vezes não dá para averiguar a organização da empresa apenas pelos atos constitutivos. Nesse caso, é responsabilidade dos sócios escolherem o registro próprio (Registro Civil ou Junta Comercial), sendo muito oportuno mencionar no instrumento do negócio a modalidade escolhida.

A este propósito, é de se destacar que o CÓDIGO CIVIL põe em relevo e destaque a eleição, a escolha ou a indicação que deve ser feita pelos próprios sócios, que salvo situações flagrantemente indevidas, deverão ser respeitadas pelos órgãos de registro, sem peias ou obstáculos.

São os próprios sócios os responsáveis pelo enquadramento inicial, de forma que deverão indicar e nomear a forma de enquadramento, quer como sociedade simples, quer como empresária. (...)

As demais deverão seguir o padrão do novo estatuto, em respeito e homenagem à indicação feita pelos próprios sócios, que respondem por tal enquadramento, conquanto este enquadramento não é aleatório, na medida em que não decorre simplesmente da vontade, mas que provêm deste especial elo entre os sócios e a atividade econômica a ser desenvolvida. (...)

Para o cumprimento de tal desiderato, os novos ESTATUTOS SOCIAIS devem declinar a devida indicação do tipo de SOCIEDADE, de forma nítida e clara, sem o que a inscrição poderá ser obstada. (SALLES)

Ressalte-se que caberá aos interessados, livremente, a opção por qualquer das duas formas associativas (sociedade simples ou sociedade empresária), não havendo razão para o Poder Público, representado pelas instituições incumbidas do registro público de uma ou de outra (Junta Comercial ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas), criar qualquer obstáculo, discutindo o motivo ou os fundamentos de ordem econômica dessa opção. E a razão disso é simples: somente os interessados é quem poderão avaliar se a atividade a ser desenvolvida pela sociedade da qual eles farão parte é suficientemente estruturada (organizada) para ser considerada empresária ou não. (SIQUEIRA, 2009a).

O enquadramento como sociedade simples ocorre por exclusão. Se a sociedade não é empresária, a sua condição é de sociedade simples.

Esse enquadramento só é rigoroso em suas posições extremas, isto porque não mais persistem as diferenças do passado, quando existiam, para as sociedades, dois códigos e dois estatutos jurídicos inteiramente díspares.

Hoje, com a convergência dos regimes, a diversidade de registros condiciona efeitos bastante limitados, e que se resumem, como já demonstrado, ao maior ou menor rigor a que se submetem.

A divisão (simples/empresária) é de natureza técnica, e tem sentido funcional, de modo a tornar mais complexa a vida do empresário e mais simples a vida do não-empresário. (BORBA, 2009b).

Essa questão da organização, em determinadas situações, poderá dirigir-se para uma zona cinzenta, de difícil definição; nesses casos, os próprios organizadores, segundo a sua avaliação, indicarão o caminho, inscrevendo a sociedade no Registro Civil ou no Registro de Empresas. Nessas situações imprecisas, qualquer que seja o registro, a sociedade será regular, e desse registro resultará a sua condição de sociedade simples ou empresária. (...)

O Registro Civil e a Junta Comercial, afora as hipóteses de enquadramento evidente, deverão aceitar, nas situações imprecisas, as declarações dos próprios sócios, e a manifestação de vontade dos requerentes. (grifo nosso) (BORBA, 2009a).

Rêgo esquematiza essas informações da seguinte forma[88]:

Examinando a divisão acima feita, submetida à metafísica Bergsoniana de que fala Reale, poderíamos conceituar as sociedades classificando-as pelo seguinte método:

a) quanto ao objeto:

a1) serão não empresárias, portanto simples, todas as sociedades que exerçam atividade intelectual ou artística, não adotada a forma por ações, em comandita por ações ou em conta de participação;

a2) serão empresárias as sociedades que exerçam atividade intelec­tual ou artística que adotarem a forma por ações, em comandita por ações ou em conta de participação.

b) quanto à forma do exercício da atividade:

b1) serão não empresárias, portanto simples, todas as sociedades cujo exercício da atividade se der de forma pessoal ou supervisionada, diretamente, pelos sócios;

b2) serão empresárias todas as sociedades cujo exercício da ati­vidade se der de forma impessoal, atuando, o sócio-empresário, ape­nas como elemento da atividade exercida, organizando os fatores de produção.

c) quanto ao tipo societário adotado:

c1) serão simples todas as sociedades que adotarem o regime das sociedades simples puras (stricto sensu) ou cooperativas;

c2) poderão ser não empresárias, portanto simples, todas as socie­dades que adotarem o tipo societário de responsabilidade limitada, em nome coletivo ou em comandita simples, desde que exercidas sem empresarialidade;

c3) poderão ser empresárias todas as sociedades que adotarem o tipo societário de responsabilidade limitada, em nome coletivo ou em comandita simples, desde que exercidas com empresarialidade;

c4) serão empresárias as sociedades que adotarem o tipo societário por ações e as em comandita por ações ou em conta de participação.

d) quanto à formação do capital social:

d1) serão simples as sociedades cuja constituição se der apenas de sócios de serviços;

d2) poderão ser simples ou empresárias as sociedades constituídas apenas de sócios de capital.

O quadro seguinte é a maior colaboração na abordagem inovadora desta monografia, resumindo o item 4.2.1:

ATIVIDADE ECONÔMICA

SIMPLES (lato sensu) [89]

(Registro Civil das Pessoas Jurídicas)

EMPRESÁRIAS

(Registro na Junta Comercial)

  • Cooperativa (independente do objeto) ou sociedade simples[90] stricto sensu (apenas se atividade for compatível com os itens seguintes)

  • Sociedade anônima ou em comandita por ações (independente do objeto, inclusive se a atividade for compatível com os itens seguintes)

  • Atividade rural (não é a principal profissão; é a principal profissão, porém não é exercida empresarialmente; é a principal profissão, exercida empresarialmente, mas optou pelo regime civil)

  • Atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística

  • Exercício de atividade econômica sem organização profissional (sócios exercem diretamente a atividade, ou supervisionam diretamente) para a produção ou a circulação de bens ou de serviços

  • Sociedade em nome coletivo
  • Sociedade em comandita simples
  • Sociedade limitada
  • Atividade rural (é a principal profissão e é exercida empresarialmente) e opção pela inscrição na Junta Comercial

  • Atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística como elemento de empresa dentro de uma organização maior, ou tendo adotado o tipo de sociedade anônima

  • Exercício profissional de atividade econômica organizada (gestão impessoal do sócio, apenas ordenando fatores de produção) para a produção ou a circulação de bens ou de serviços

Tudo o que foi estudado até agora só tem uma razão de ser: escolher o correto local para registro, pois a irregularidade dessa escolha pode ter conseqüências danosas, como se verá no próximo item.

4.3 Conseqüências da Irregularidade

A grande importância em ter clara a categoria societária (simples ou empresária) é a regularidade do registro[91]. Como foi visto no capítulo 2.2, o registro da sociedade é constitutivo de sua personalidade jurídica. Tendo nosso sistema registral dois órgãos para o registro da pessoa jurídica, o local do registro também faz parte da sua regularidade. Assim, a sociedade simples deve registrar-se no Registro Civil de Pessoas Jurídicas e a sociedade empresária, na Junta Comercial. A falta do registro ou o registro no lugar errado tornarão a sociedade em comum[92], trazendo graves conseqüências no campo da responsabilidade civil[93].

Enunciado 209 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – “Arts. 985, 986 e 1.150: O art. 986 deve ser interpretado em sintonia com os arts. 985 e 1.150, de modo a ser considerada em comum a sociedade que não tenha seu ato constitutivo inscrito no registro próprio ou em desacordo com as normas legais previstas para esse registro (art. 1.150), ressalvadas as hipóteses de registros efetuados de boa-fé.”

Para a sociedade empresária, as conseqüências ainda são mais graves, já que o registro mercantil é apenas declaratório de sua condição empresária, ou seja, sem ele estará praticando irregularmente atividade empresarial, com outras penalidades[94].

Para ser classificada como simples, basta que a sociedade não explore seu objeto empresarialmente. Se assim o fizer, e não se constituir regularmente como sociedade empresária, estará exposta às conseqüências da irregularidade, como, por exemplo, a perda da personalidade jurídica. É a mesma conseqüência que se manifesta, aliás, se a sociedade simples (de tipo limitada, por exemplo) levar a registro seus atos constitutivos na Junta Comercial. (...)

Se a sociedade explora empresarialmente a atividade própria de seu objeto, mas não se organiza como sociedade empresária, ela está em situação irregular e sofrerá as conseqüências disto (perda da personalidade jurídica, impossibilidade de impetrar concordata, etc.). Estará, em outros termos, na mesma condição em que se encontraria uma sociedade simples que inadvertidamente se registrasse na Junta Comercial. (...)

As conseqüências jurídicas do registro de uma sociedade por órgão incompetente, para a sociedade, são as da irregularidade. Uma sociedade registrada em órgão incompetente encontra-se na mesma situação de uma sociedade sem registro.

A sociedade que funciona sem o registro exigido em lei tem sua disciplina, hoje, centrada na figura da "sociedade em comum". (...)

O ato societário objeto de registro por órgão incompetente é, sem dúvida, viciado, irregular. Mas por não condicionar o direito brasileiro nem a existência nem a validade do ato societário ao registro no órgão competente, segue-se que o vício compromete apenas a eficácia do registro. (COELHO, 2009).

Com relação aos efeitos da irregularidade do registro, Fazzio Júnior resume bem os gravames enfrentados pela sociedade em comum:

Como já anotamos, sociedade registrada é sociedade não personificada, conhecida como sociedade em comum (de fato ou irregular). A existência informal acarreta-lhe as seguintes restrições: não tem legitimação ativa para, como empresária, requerer a falência de outro empresário; não pode desfrutar do favor legal das recuperações; sua escrituração não desfruta de eficácia probatória; se insolvente, incidirá em crime falimentar (art. 178 da LRE); seus sócios respondem, sempre, ilimitada e solidariamente, pelos encargos sociais, excluído do benefício de ordem aquele que contratou em nome da sociedade; os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum; os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo; não existindo perante os órgãos tributários, não pode contratar com o Poder Público; não existindo perante os órgãos fiscais, não poderá emitir nota fiscal; vendendo sem emitir nota fiscal, incidirá em sonegação fiscal. (grifo nosso) (FAZZIO JÚNIOR, 2006, pp. 164-5). [95]

Esclarecendo mais a responsabilidade civil dos sócios nas sociedades em comum, traz-se à colação os seguintes trechos:

No sistema anterior (,..) Era assentado que ambas [sociedades irregular e de fato] inexistiam legalmente como pessoas jurídicas, e, assim, a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais assumidas sempre foi admitida como pessoal, primária e solidária entre os sócios. Não havendo patrimônio social, os sócios, igualmente, eram privados de invocar qualquer benefício de ordem em relação aos bens da sociedade. (...)

Na nova legislação (...) se prevê o reconhecimento de um patrimônio especial, formado por bens e dívidas da sociedade não registrada, e, ainda, a faculdade de o sócio não tratador fazer uso do benefício de ordem. É possível, portanto, que, não tendo participado da realização de determinado negócio jurídico, um dos sócios em comum invoque o direito de ver seus bens excutidos somente após o esgotamento do patrimônio social e dos demais sócios que, diretamente, trataram com o credor. (NEGRÃO, 2007, pp. 289-9).

O art. 990 do Código Civil (...) estabelece que todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Concede-lhes, entretanto, o benefício de ordem. Ficou mantido o caráter subsidiário da responsabilidade do sócio da sociedade irregular ou em comum. Mas fica excluído deste benefício de ordem, previsto no art. 1.024, o sócio que contratar pela sociedade. Donde se exigirá que o credor primeiro execute os bens da sociedade em comum para depois, se insuficientes, alcançar os bens dos sócios que não contrataram pela sociedade. (REQUIÃO, 2003, p. 382).

Assim, o benefício de ordem existe, mesmo nas sociedades irregulares ou de fato, salvo quanto ao que contratou pela sociedade (sócio “representante”). Nesse sentido, é também o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho, ao afirmar que os “sócios que se apresentaram como representantes da sociedade terão responsabilidade direta e os demais, subsidiária, mas todos assumem responsabilidade sem limite pelas obrigações contraídas em nome da sociedade. (GAGLIANO, 2007, p. 193).

Considerando os graves efeitos do registro inadequado, Borba abranda sua aplicação e os atribui apenas a casos extremos: quando a inadequação do registro fosse manifesta ou quando houvesse evidente intuito de fraudar a lei[96]. De toda sorte, resta clara a importância da regularidade do registro para a vida da pessoa jurídica.

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Sobre o autor
Luc Da Costa Ribeiro

Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica (aprovado no 7º Concurso de São Paulo) Formado em Direito pela UFMG Especialista em Direito Registral Imobiliário pela Escola Paulista da Magistratura

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A presente monografia apresenta um estudo sobre o sistema de registro das pessoas jurídicas no Direito Brasileiro, enfocando as modificações havidas com o Código Civil de 2002. O registro regular é fundamental para a existência válida da pessoa jurídica. A distinção feita neste estudo visa ao correto local de registro e ao decorrente afastamento da responsabilidade pela sua irregularidade.

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