Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

As mudanças na Lei Maria da Penha após a Lei 13.827/2019

Agenda 20/07/2019 às 01:18

COMENTÁRIOS INICIAIS ACERCA DA LEI MARIA DA PENHA

A lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, teve sua ideia pautada em vários debates na luta pela caracterização da violência doméstica como séria violação dos direitos humanos das mulheres em geral. A ideia era construir uma lei que proporcionasse proteção ao público alvo e que construísse procedimentos judiciais, policiais e administrativos mais eficazes e humanizados em favor das mulheres.

Tal lei busca promover uma mudança real e crítica nos valores sociais, valores esses que naturalizaram a violência ocorrida nas relações familiares onde o sistema patriarcal e machista predominou por séculos no Brasil. Por este motivo, a lei 11.340/2006 detalhou as mais variadas formas de violência contra a mulher, as ações de prevenção, a proteção e a assistência para com as mulheres em situações de violência.

Na atualidade, mesmo diante de um surto de feminicídios e agressões cada vez mais constantes nas mídias sociais, muito se tem discutido sobre o combate à violência familiar e doméstica contra a mulher. E com base nisso, a lei criou mecanismos para inibir tais agressões contra a mulher conforme preconiza a Constituição Democrática de 1988. Além da Constituição, há também a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e outros tratados sobre o tema ratificados pelo Brasil.

O ponto crucial deste trabalho é abordar como a lei dispõe sobre a criação e como estabelece medidas de assistências e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. No entanto, antes de comentar sobre as atualizações das medidas no combate a este tipo de violência, deve-se estudar os principais direitos abordados por esta legislação.

Nessa esteira, os conceitos e formas de violência doméstica e familiar estão elencados nos artigos 5º ao 7º de forma clara e objetiva com a finalidade de facilitar a compreensão de qualquer leitor.

Conforme preceitua o artigo 2º da Lei Maria da Penha, “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.” Sendo asseguradas a elas todas as condições para o exercício dos direitos fundamentais tais como o direito à vida, à segurança, à saúde e demais direitos elencados na Constituição Federal de 1988 e na lei 11.340/2006.

Será o poder público que desenvolverá as políticas sociais necessárias para garantir os direitos fundamentais da mulher, seja no âmbito social, seja no âmbito das relações domésticas com o objetivo primordial de resguardá-las de quaisquer atos de negligência, exploração, crueldade, discriminação, violência ou opressão de acordo com o parágrafo 1º, artigo 3º da Lei Maria da Penha.

Cabe também à família, à sociedade e ao poder público criar condições necessárias e essenciais para a concretização desses direitos de modo integral e amplo.

Portanto, a presente lei é a reposta para essa demanda. Sendo vista como um microssistema de direitos visando coibir e prevenir qualquer tipo de violência familiar ou doméstica contra a mulher (CFEMEA, 2009).


CONCEITOS DE VIOLÊNCIA

O artigo 5º da Lei Maria da Penha conceitua o termo violência doméstica, deixando claro que as relações pessoais contidas no ambiente doméstico independem de orientação sexual. conforme se observa:

“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único: As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Portanto, observa-se que a violência não se resume na prática de um ato violento ou agressivo materialmente, mas também, significa se omitir frente a tais situações, não evitando que essas ações aconteçam. A violência doméstica contra a mulher não se resume dentro de casa, não se resume ao tempo presente e não distingue o vínculo afetivo entre a vítima e o agressor podendo ter como autores maridos, companheiras homoafetivas, namorados, ex-companheiros, mãe, filhos, sogras, irmãos, irmãs, patrões ou patroas.

Já o artigo 6º, por sua vez, inovou e transformou a visão que se tinha sobre violência doméstica e familiar ao transformá-la em uma clara violação dos direitos humanos e mais como um crime de menor potencial ofensivo, dando peso ao crime cometido, muitas vezes, de forma velada.

Por fim, no artigo 7º são descritos as formas de violência contra a mulher sendo dentre as principais a violência física, violência psicológica, violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral. Todas descritas e conceituadas de maneira didática para o máximo entendimento da sociedade em geral.

Tapas, socos, relações sexuais obrigatórias, xingamentos, destruição de objetos pessoais, calúnias, injúrias e difamações são exemplos das violências citadas no presente artigo.


AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Visando a proteção da mulher em situação de violência é muito claro ao mencionar medidas que limitam a conduta agressiva do agente. Trata-se de um rol exemplificativo mas principiológico. Dentre as principais medidas, quando constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar imediatamente medidas como, por exemplo, a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com a comunicação ao órgão competente; o afastamento do lar ou do local de convivência entre o agressor e a ofendida; a proibição de condutas como a aproximação, o contato ou a frequentação que possibilite qualquer relação entre agressor e ofendida; Há também a restrição ou a suspensão de visitas aos filhos bem como a prestação de alimentos provisórios.


AS ALTERAÇÕES OCORRIDAS PELA LEI 13.827/2009

Para assegurar o cumprimento das medidas protetivas, o juiz pode requisitar ainda o auxílio de força policial, determinar busca e apreensão, a remoção de pessoas ou objetos do convívio com a ofendida ou o pagamento de multas. E é nesse ponto que se verifica a atualização conferida no ano de 2019 através da lei nª 13.827 de 13 de maio de 2019 onde se afirma que, verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da vítima, o agressor poderá ser imediatamente afastado do lar pela autoridade judicial; ao delegado de polícia quando o município não ter sede de comarca ou ao policial quando o município não for sede de comarca e não houver delegado de polícia disponível no momento da denúncia.

É o que se configura no artigo 12-C do diploma legal:

“Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: I - pela autoridade judicial; II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.”

Por um lado, a abertura dada pela lei aos delegados e policiais representa um avanço no que tange a capacidade de reação das instituições garantidoras da integridade física, psicológica e patrimonial das mulheres tornando o afastamento do lar mais eficaz em situações de conflitos ou agressões.

Por outro lado, verifica-se um ponto polêmico uma vez que qualquer policial, às vezes, sem o devido conhecimento jurídico da lei, é capaz de afastar o agressor do lar ou do convívio sem ponderar corretamente as circunstâncias dos fatos como fosse ponderadas por um magistrado. Gerou-se superficialmente o questionamento de que haveria inconstitucionalidade por usurpação de jurisdição por parte do policial, civil ou militar, ao aplicar a medida protetiva de afastamento do convívio contra o agressor (NUCCI, 2019).

De acordo com o doutrinador Guilherme de Souza Nucci:

“Não se fugiu desse contexto. Não visualizamos nenhuma inconstitucionalidade nem usurpação de jurisdição. Ao contrário, privilegia-se o mais importante: a dignidade da pessoa humana. A mulher não pode apanhar e ser submetida ao agressor, sem chance de escapar, somente porque naquela localidade inexiste um juiz (ou mesmo um delegado). O policial que atender a ocorrência tem a obrigação de afastar o agressor. Depois, verifica-se, com cautela, a situação concretizada.”

Nesse contexto, questionar a reserva de jurisdição no caso, significaria prejudicar várias mulheres que sofrem diariamente com agressões domésticas e familiares por conta de uma burocracia estatal judicial. Neste conflito, o princípio constitucional da dignidade a pessoa humana se sobrepõe acima de qualquer princípio ou processo administrativo.

Ainda considerando os apontamentos de Nucci, temos:

“Aliás, como tenho defendido, o delegado de polícia é um operador do Direito concursado, preparado e conhecedor das leis penais e processuais penais. Por isso, pode, com perfeição, analisar a medida protetiva. Pode avaliar, ainda, se lavra ou não a prisão formal pelo auto de prisão em flagrante. E, também por isso, pode validar, em primeiro momento, a prisão em flagrante feita por policiais na rua. Eis por que a audiência de custódia significa uma dupla avaliação sobre a validade da prisão em flagrante (delegado e juiz). Por isso, a audiência de custódia não tem sentido, a nosso ver. O delegado valida o flagrante. Após, o juiz o aceita ou rejeita, sem necessidade de se inventar um juiz de custódia.”

Ou seja, é mais importante o afastamento do agressor do que a discussão sobre viabilidade ou inviabilidade da medida. Não se trata de prender o punir o agressor severamente utilizando da usurpação do poder de julgar, mas somente da atitude de separar a vítima do agressor para a sua própria segurança e integridade.

Realizado o levantamento sobre os pontos materiais principais da Lei, é necessário descrever o atual momento jurídico da questão sobre violência doméstica e familiar contra a mulher. E dessa forma, é clara a percepção que as alterações realizadas em 2019 fora substancialmente favoráveis para uma melhor eficácia das medidas protetivas de urgência, em especial a relacionada ao afastamento do lar.

Por fim, vale salientar que qualquer forma de maximizar a proteção da mulher em situação de violência doméstica e familiar é bem aceito ao Direito Constitucional sob o aspecto do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. De certa forma, tais mudanças abrem precedentes importantes sob o modo de regular procedimentos jurisdicionais frente à situações de perigo ou ameaça vindo a reduzir cada vez mais tragédias contra milhares de mulheres em todo o país.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

________. Lei nº 13.827 de 13 de maio de 2019. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA – CFEMEA. Lei Maria da Penha: do papel para a vida. Comentários à Lei 11.340/2006 e sua inclusão no ciclo orçamentário. 2009. 1ª edição.

NUCCI, Guilherme de Souza. Alterações na Lei Maria da Penha trazem resultado positivo. Revista eletrônica Consultor Jurídico. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2019-mai-18/nucci-alteracoes-maria-penha-trazem-resultado-positivo>. Acesso em julho de 2019.

Sobre o autor
Leandro Ferreira da Mata

Cientista Jurídico; bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Brasília; Especialista em Direito da Criança, Juventude e dos Idosos e em Segurança Pública e Organismo Policial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!