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O incidente de uniformização de jurisprudência após a Lei n. 13.467/2017:

estudo sobre a subsistência do instituto no processo do trabalho

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Agenda 11/09/2019 às 13:13

3  A SUBSISTÊNCIA DO IUJ NO PROCESSO DO TRABALHO APÓS A LEI Nº 13.467/2017

A obrigação de uniformização de jurisprudência pelos tribunais consignada no art. 926 do CPC manteve-se após o advento da Lei nº 13.467/2017, diploma que revogou a previsão do IUJ na CLT. Resta saber, portanto, se o incidente de uniformização subsiste após esta alteração e qual o tratamento conferido pelos tribunais à questão.

3.1  O ADVENTO DA LEI Nº 13.467/2017. A REFORMA TRABALHISTA

A Lei nº 13.467/2017 reformulou a Consolidação das Leis do Trabalho por meio de um conjunto amplo de modificações no campo do Direito do Trabalho e do processo do trabalho. Dentre estas alterações, houve a revogação dos §§ 3º a 6º (acrescidos pela Lei nº 13.105/2014[124]) do art. 896 da CLT, os quais previam expressamente a aplicação do incidente ao processo do trabalho.

Com a vigência desta lei e a consequente revogação referida, o incidente de uniformização de jurisprudência foi suprimido da CLT. Deste modo, deixou de existir a previsão expressa e específica da legislação do trabalho sobre a aplicação e procedimento do incidente.

Parte da doutrina entendeu que a revogação dos dispositivos foi oportuna, correta e que ocorreu para solucionar equívocos quanto à observância do procedimento. Vólia Bomfim Cassar partilha deste pensamento, consoante atesta a transcrição abaixo:

Os §§ 3º a 6º, acrescidos pela Lei 13.015/2017, foram revogados. Tratavam do processo de uniformização de jurisprudência trabalhista, o chamado Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ), que gerava um precedente obrigatório, vinculante. De fato, os tribunais vinham cometendo alguns equívocos ao aplicarem as regras do revogado CPC de 1973 ao procedimento, sob o argumento de que este era o expresso comando contido no antigo § 3º do art. 896 da CLT. Por outro lado, o procedimento de uniformização estava trazendo mais insegurança que segurança, mais instabilidade que estabilidade, situação oposta à recomendada pelo art. 926 do CPC.  Algumas súmulas, que representavam a maioria de um tribunal pleno, estavam sendo superadas por teses vinculantes fixadas por um órgão fracionário ou por um quórum inferior ao exigido pela Súmula. Daí a necessidade de reformulação do procedimento. Também por este motivo foi alterado o art. 702 da CLT, para estabilizar a jurisprudência dificultando mudanças tão drásticas e repentinas dos entendimentos majoritários dos tribunais.[125]

O argumento acima também é defendido por Cirlene Zimmermann. Alerta que a revogação do IUJ aconteceu porque o CPC de 2015 não previa o procedimento e, ainda, em razão da disciplina estabelecida por esta lei quanto à transcendência do recurso de revista. Para a autora, os temas estão intrinsecamente ligados.[126]

Quando dos debates referentes à Lei nº 13.015, foi discutido como disciplinar o recurso de revista, para que ele, de fato, pudesse atingir a função a que foi criado, qual seja: uniformizar a jurisprudência em todo território nacional. Isso porque, ao final, o TST vinha exercendo função que não lhe competia, consistente em uniformizar a jurisprudência interna das Cortes Regionais, na medida em que preponderavam acórdãos divergentes entre os órgãos fracionários de cada uma delas que fundamentavam a admissibilidade do recurso de revista, por uma ou por outra tese.

Na oportunidade, optou-se por tornar obrigatória a uniformização e adotar o procedimento específico que era previsto no CPC de 1973. A reforma trabalhista retoma a realidade anterior, embora permaneça cabível o incidente de resolução de demandas repetitivas, por força do artigo 769 da CLT e artigo 15 do CPC. Nessa nova configuração, a fim de que o TST cumpra sua missão constitucional de uniformizar a jurisprudência no território nacional, o legislador disciplina o pressuposto de admissibilidade da transcendência.[127]

Sobre a relação entre o IUJ e o recurso de revista, Célio Horst Waldraff ensina que:

Esse microssistema ‒ que a rigor, em seu formato final, acabou tendo vida curta ‒ pretendia estimular intensamente os Regionais a uniformizar primeiramente a sua própria jurisprudência. Só então a via estreita da uniformização nacional no TST seria acionada. É que, pelo filtro do revogado art. 896, §4º, da CLT, interposto o recurso de revista, se o Ministro-Relator constatasse que a matéria era controversa no Regional, cabia-lhe devolver o recurso ao Tribunal a quo, previamente para a uniformização interna, antes de se julgar a Revista.[128]

Notadamente, a produção de súmulas pelos tribunais regionais do trabalho é imprescindível para a construção da jurisprudência uniformizada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Ainda sobre esta questão, Homero Batista Matheus da Silva assevera que:

A revista se destina apenas à padronização da jurisprudência trabalhista, esforço este que se torna obrigatório a partir do momento que o Brasil se comprometeu a ter uma legislação trabalhista nacionalizada, evitando conflitos entre Estados e regiões num tema diretamente ligado aos direitos fundamentais do ser humano. Se o art. 22, I, da CF/88 promete monopólio da União para os fins do direito do trabalho, então também a aplicação do direito do trabalho tem de ser unificada, porque direito não é apenas a fabricação das leis, mas a fabricação e a concretização juntas.[129]

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Passada a questão da relação entre os institutos, Zimmermann acredita que a revogação das normas sob estudo (art. 896, §§ 3º a 6º da CLT) tem sentido e lógica jurídica. Isto é, acredita que o legislador revogou as normas porque eram incompatíveis com a transcendência (pressuposto de admissibilidade previsto no art. 896-A da CLT) do recurso de revista.

Mauro Schiavi, conquanto tenha sustentado a competência dos regimentos internos do TRT’s apenas com base na dicção do CPC, acredita que a revogação do dispositivo de regência do IUJ pela Lei nº 13.467/2017 foi oportuna.

Isto porque, segundo o autor, a uniformização de jurisprudência constitui função precípua do Tribunal Superior do Trabalho, restando aos Tribunais Regionais a competência para processar e julgar os recursos de natureza ordinária, para apreciar as questões fáticas, jurídicas e a justiça das decisões de primeiro grau, além dos demais processos de sua competência originária.[130]

Neste sentido, afirma o autor que, embora seja conveniente a uniformização de jurisprudência nestes tribunais em alguns casos, a utilidade deste procedimento é questionável, uma vez que não há vinculação vertical ou horizontal da jurisprudência que se firma no âmbito da corte regional.[131]

Igualmente, Teixeira Filho reforça esta premissa de ausência de efeito vinculante dos precedentes ao destacar que, embora o IUJ pretendesse atribuir alguma segurança jurídica aos jurisdicionados, “a súmula ou a tese oriunda da uniformização não possui, do ponto de vista legal, efeito vinculativo nem mesmo dos juízes que tenham, eventualmente, ficado vencidos na votação do incidente”.[132] Por meio do exemplo transcrito a seguir, ensina o autor:

Assim sendo, os referidos magistrados do Tribunal Regional podem votar, no julgamento dos casos concretos, em sentido contrário à súmula. É bem verdade que os acórdãos, derivantes desse entendimento ‘rebelde’, por não estarem materializados em súmula, nem configurarem tese jurídica prevalecente, não poderão servir como elemento paradigmático com vistas à admissibilidade de futuro recurso de revista, por divergência jurisprudencial (CLT, art. 896, § 6º); contudo, a soma desses votos ‘rebeldes’ pode ser determinante do resultado do julgamento dos casos concretos.[133]

A obra da qual se extraiu o trecho acima data de 2018, mas interessa observar que o pensamento do doutrinador mantem-se idêntico há mais de 18 anos, posto que em obra publicada em janeiro de 2000 asseverou que falta às súmulas o traço coercitivo, uma vez que no sistema jurídico brasileiro “as súmulas não obrigam ninguém a nada”.[134]

Contudo, embora Teixeira Filho se alinhe à corrente que defende a ausência de efeito vinculante dos entendimentos consagrados pelo tribunal, o doutrinador defende o IUJ e tece críticas à revogação dos parágrafos do art. 896 da CLT. Neste sentido, relaciona tal revogação com o que chama de “perversa instabilidade da legislação de nosso país”[135], além de destacar que o IUJ foi, simplesmente, defenestrado pelo legislador sem qualquer justificativa.[136]

Em sentido idêntico, Francisco Antônio de Oliveira não percebe qualquer sentido na revogação das normas que regiam o IUJ no processo do trabalho. Nesta linha, consigna a seguinte crítica ao legislador:

A revogação dos §§ 3º, 4º, 5º e 6º foi de péssima inspiração e demonstra a ausência de intimidade do legislador com a matéria. A interpretação sumulada direciona o caminho para a boa aplicação do direito em consonância com o princípio da ‘una lex, una jurisdictio’. A interpretação cristalizada no direito sumular dá segurança aos jurisdicionados.[137]

O autor não identifica qualquer incompatibilidade entre o IUJ e a nova configuração dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista. Ao revés, argumenta quanto à relevância da produção de súmulas pelos tribunais, inclusive como maneira de promover o tratamento isonômico das partes e promover a segurança jurídica para os jurisdicionados.

Por fim, destaca-se que, diante das revogações firmadas pela Lei nº 13.467/2017, será desnecessária a remessa dos autos pelo TST ao tribunal de origem para uniformização de sua jurisprudência, posto que a determinação do art. 896 § 4º da CLT deixou de existir. Notadamente, poderão ainda os TRT’s formular súmulas de jurisprudência.[138]

3.2  APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A COMPETÊNCIA DOS REGIMENTOS INTERNOS

Mauro Schiavi destaca que o Código de Processo Civil de 2015 não disciplinou o incidente de uniformização de jurisprudência que constava do CPC de 1973. Com isso, afirma que, diante da redação dada pela Lei nº 13.015/2014, cumpria ao tribunal, por meio de seu regimento interno, a regulamentação do procedimento.

Interessante observar que o argumento do autor acima indicado, consubstanciado na premissa de que cabe ao regimento interno do tribunal regulamentar o procedimento da uniformização, observa apenas a ausência de normas regulamentadoras no CPC de 2015.

Significa dizer, portanto, que antes da entrada em vigor do art. 5º, alínea “o”, da Lei nº 13.467/2017 que revogou os §§ 3º a 6º do art. 896 da CLT, já existia o argumento de que os regimentos internos eram o instrumento normativo adequado para a regulamentação do procedimento do IUJ nos Tribunais Regionais do Trabalho.

Conclui-se, então, que não se trata de novel pensamento jurídico produzido após a Lei nº 13.467/2017, unicamente para a defesa da subsistência do instituto de uniformização enfocado.

E esta conclusão referente ao regimento interno foi assumida pelo Tribunal Superior do Trabalho em 15 de março de 2016, o qual, através do art. 2º da IN 40/16, estabeleceu que: 

Após a vigência do Código de Processo Civil de 2015, subsiste o Incidente de Uniformização de Jurisprudência da CLT (art. 896, §§, 3º, 4º 5º e 6º), observado o procedimento previsto no regimento interno do Tribunal Regional do Trabalho.[139]

Diante da exclusão do IUJ da CLT pela Lei nº 13.467/2017, acrescenta Francisco Antônio de Oliveira que “aconselha-se aos tribunais que os parágrafos revogados passem a fazer parte dos respectivos Regimentos Internos”.[140]

Barbosa Garcia também acredita que os regimentos internos deverão suprir a ausência de norma celetista. O autor registra, ademais, que mesmo diante da referida revogação, ainda vigora o art. 926 do CPC, cuja norma jurídica impõe aos tribunais o dever de uniformizar a jurisprudência.[141]

Argumenta Barbosa Garcia que:

Cabe lembrar que compete privativamente aos tribunais eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos (art. 96, inciso I, “a”, da Constituição da República).[142]

Waldraff, através de considerações a respeito do regimento interno do TRT da 9ª região, destaca que a posição deste tribunal de, mesmo diante da revogação dos dispositivos pela lei reformista, regulamentar o IUJ, “está firmemente alicerçado no que há de mais moderno e correto em matéria processual e constitucional.”[143]

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, diante das alterações, manifestou concordância com a posição que entende pela subsistência do IUJ no processo do trabalho e editou a resolução administrativa nº 28/2018. Por meio desta resolução, atribuiu-se o nome de “Incidente de Uniformização Regional” ao instituto[144].

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, embora tenha atualizado seu regimento interno por meio da Resolução Regimental nº 002/2018, conforme consta do próprio regimento interno, manteve a referência aos dispositivos revogados da CLT, nos termos do art. 126 do regimento enfocado[145].

Distintamente, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, atualizado com a Emenda Regimental nº 30 de 13-8-2018, conforme consta do regimento interno, não tratou do incidente de uniformização de jurisprudência, limitando-se a disciplinar o IRDR[146].

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, conquanto não mencione os dispositivos revogados da CLT, manteve o procedimento que detalha acerca da utilização do IUJ, de modo que nada se alterou em relação ao comportamento do tribunal[147].

O mesmo foi feito pelo Tribunal Regional da 15ª Região, cujo regimento interno foi atualizado em 2019, mas manteve as disposições que regulamentavam o procedimento do IUJ[148].

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no mesmo sentido, manteve a normatização (art. 116 do regimento interno) que regrava o incidente de uniformização de jurisprudência. Inclusive, este tribunal expressamente se referiu aos dispositivos da lei processual civil (art. 476 e 479 do CPC)[149].

A conclusão é de que os Tribunais Regionais do Trabalho têm seguido a correte da doutrina que defende a subsistência do incidente de uniformização de jurisprudência, haja vista a obrigação de uniformização e a competência dos regimentos internos quanto a regulamentação da matéria.

Portanto, o CPC tem sido reconhecido pelos Tribunais Regionais do Trabalho como norma subsidiária, tal como preceitua o art. 769 da CLT e art. 15 do CPC, para impor as cortes regionais a obrigação de uniformizar a jurisprudência.

A interpretação que se alcança diante deste cenário não é a de conflito entre o Poder Legislativo e o Judiciário, consubstanciada na rebeldia dos tribunais contra a vontade do legislador de extinção de determinado procedimento.

A correta interpretação sustenta-se na premissa de que o legislador revogou os dispositivos pois se referiam ao antigo Código de Processo Civil e, com a revogação, passa-se aos tribunais regionais o dever de regulamentação dos procedimentos específicos da uniformização.   

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