Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a judicialização do direito à saúde face ao princípio da separação dos poderes. Tal direito, apesar de expresso na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, muitas vezes para garantir a sua efetivação se faz necessário buscar socorro no Poder Judiciário. Devido a esta crescente necessidade de buscar o Poder Judiciário para conseguir acesso ao tratamento de saúde necessário, busca-se analisar se as decisões proferidas pelos juízes, impondo aos entes federados a concessão destes tratamentos de saúde fere o princípio constitucional da separação dos poderes. Utilizando do método de procedimento monográfico e método de abordagem dedutivo, a pesquisa foi realizada com base em doutrinas, jurisprudência, teses de mestrado, teses de doutorado e leis. Destarte, a pesquisa traz, primeiramente, o conceito de saúde relacionando-o com o princípio da dignidade da pessoa humana, além de apresentar as noções gerais sobre o Sistema Único de Saúde. Em seguida, são apresentados alguns dos entraves para a concretização do direito à saúde. Por fim, trabalha-se a questão da judicialização da saúde, ilustrando-se tal fato com a análise do Recurso Especial 1.657.156/RJ, o qual obrigou o Poder Público a fornecer medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde. A pesquisa identificou a frequente intermediação do Poder Judiciário para efetivação do acesso à saúde, visando garantir o direito previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Palavras-chave: Saúde. Judicialização. Sistema Único de Saúde.
Sumário: 1. Introdução. 2. A proteção constitucional do direito à saúde. 2.1. Conceito de saúde. 2.2. A relação entre direito à saúde e a dignidade da pessoa humana. 2.3. Noções gerais sobre o Sistema Único de Saúde – SUS. 3. Entraves para a concretização do direito à saúde. 3.1. O princípio da reserva do possível versus o princípio do mínimo existencial. 3.2. A inobservância das atribuições de cada ente da federação em relação ao Sistema Único de Saúde – SUS. 3.3. A limitação do fornecimento de medicamentos aos contidos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - Rename. 4. Judicialização da saúde. 4.1. A busca pela efetivação de um direito garantido constitucionalmente. 4.2. As decisões judiciais no âmbito da saúde. 4.3. Recurso Especial 1.657.156/RJ: obrigação do poder público de fornecer medicamentos não incorporados, através de atos normativos, ao sistema único de saúde. 5. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é o estudo do direito à saúde, sob a ótica da frequente necessidade de judicialização deste direito para sua plena efetivação.
Sabe-se que a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) trouxe o princípio da separação dos poderes, todavia, muitas vezes, existe a necessidade de interferência do Poder Judiciário na esfera de atuação do Poder Executivo. Destarte, diante de tal interferência, visa-se analisar se as decisões judiciais que obrigam os entes federados a fornecerem acesso a tratamento de saúde violam o princípio da separação dos poderes.
Conforme cediço, a saúde é um direito de todos e a CRFB estipulou o Estado como garantidor deste direito, fornecendo acesso universal e igualitário a todos que necessitem, através de políticas sociais e econômicas. Apesar da proteção constitucional do direito à saúde, muitas vezes, devido a inação do Estado na realização de políticas públicas, faz-se necessário buscar amparo no Poder Judiciário para efetivação do direito à saúde.
Ante a essa corriqueira interferência do Poder Judiciário, busca-se analisar se as decisões judiciais que impõe o fornecimento de acesso ao tratamento de saúde violam ou não o princípio da separação dos poderes ou apesar de contrariar o princípio da separação dos poderes a interferência do Poder Judiciário se faz necessária para que o direito previsto na Constituição Federal não seja apenas uma “promessa constitucional”.
Desta forma, a pesquisa pretende analisar se existe a violação do princípio da separação dos poderes, indicando o contexto histórico do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, apontando os principais entraves para efetivação do direito à saúde, além disso, visa identificar a forma como deve ser proferida as decisões judicias no âmbito da saúde, ilustrando-se tal tema trazendo à baila o recente julgamento do Recurso Especial (RE) 1.657.156/RJ.
Buscando-se uma apresentação didática, bem como uma exposição clara e objetiva, o presente trabalho foi estruturado em três capítulos. Utilizou-se do método de procedimento monográfico e o método de abordagem dedutivo. Versa o primeiro capítulo sobre a proteção constitucional do direito à saúde, sendo elencado neste capítulo o conceito de saúde, a relação entre o direito à saúde e a dignidade da pessoa humana e trata sobre noções gerais sobre o Sistema Único de Saúde.
Por sua vez, o segundo capítulo trabalha alguns dos entraves encontrados para a concretização do direito à saúde. Trazendo neste capítulo o princípio da reserva do possível versus o mínimo existencial, a inobservância das atribuições de cada ente da federação em relação ao Sistema Único de Saúde e a limitação do fornecimento de medicamentos aos contidos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais.
Por fim, o terceiro capítulo versou sobre a judicialização da saúde, sendo debatida esta busca pela efetivação do direito garantido constitucionalmente, as decisões judiciais no âmbito da saúde e a decisão exarada no Recurso Especial 1.657.156/RJ que obriga o Poder Público a fornecer medicamentos não incorporados, através de atos normativos, ao Sistema Único de Saúde.
Para o desenvolvimento deste trabalho foram realizadas pesquisas bibliográficas, além de outras fontes de consulta, tais como legislação pertinente ao tema, livros de autores diversos, teses de mestrado, teses de doutorado e jurisprudência.
2. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE
2.1. Conceito de saúde
Antes de adentrar ao tema central do trabalho, faz-se mister trabalharmos alguns conceitos e a parte histórica referente ao direito à saúde.
Ayres (1997) ensina que existia uma dificuldade muito grande de se conceituar saúde, do ponto de vista epistemológico desde a Grécia antiga, devido a carência de estudos do conceito propriamente dito e devido a influência da indústria farmacêutica, que tinha como ideia de saudável o fato de não estar doente. Todavia, devido a evolução dos estudos da divisão do corpo humano e o surgimento das mais variadas especialidades médicas vêm sendo promovido um movimento que busca a transformação da saúde em um objeto científico.
Conforme entendimento adotado pela Organização Mundial da Saúde – OMS (1946, p. s/n), “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.
Sobre o conceito de saúde, ensina Silva (2014, p. 1.093):
Origina-se do latim salus (conservação da vida, salvação), designa o vocábulo estado de saúde ou o estado de sanidade dos seres viventes. Estar com saúde, ou ter saúde, pois, é exercer normalmente todas as funções dos órgãos. Correntiamente, porém, exprimindo saúde o estado de sanidade, é suscetível de qualificação, dizendo-se, assim, boa saúde, saúde regular, ou má saúde, para que se determinem a sanidade perfeita, a sanidade não muito regular e a má sanidade. Constitui um dos direitos sociais, previstos constitucionalmente. É da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde.
Conforme leciona Masson (2015), saúde é um direito de segunda geração, sendo este substancial para uso dos demais direitos. A saúde foi consagrada como direito social, conforme art. 6° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), veja-se: “ são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Assim, nota-se que a saúde se apresenta como um dos mais importantes deveres do Estado, devendo este direito ser assegurado, através de políticas sociais e econômicas que vislumbrem a redução do risco da doença e quaisquer outros agravos, tornando-a acessível de forma universal e igualitária.
Na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986, p.382), buscou-se debater o conceito de saúde de maneira ampla, contrapondo a teoria da saúde-doença de Cristopher Boorse, que define saúde como ausência de doença, chegando-se a ideia de que:
Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.
Além de trabalhar o conceito de saúde de forma mais abrangente, na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986, p.382), trabalhou-se a ideia de não abstração da saúde, veja-se:
A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas.
Após todo o debate realizado na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986, p. 382), que contou com a participação de 4.000 pessoas, concluiu-se que para a concretização da ideia do pleno exercício do direito à saúde, deve-se garantir:
Trabalho em condições dignas, com amplo conhecimento e controle dos trabalhadores sobre o processo e o ambiente de trabalho; alimentação para todos, segundo as suas necessidades; moradia higiênica e digna; educação e informação plenas; qualidade adequada do meio ambiente; transporte seguro e acessível; repouso, lazer e segurança; participação da população na organização, gestão e controle dos serviços e ações de saúde; direito à liberdade, à livre organização e expressão; acesso universal e igualitário aos serviços setoriais em todos os níveis.
Corroborando com a temática trabalhada na 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986, Czeresnia e Freitas (2003) trazem o conceito de saúde extraído da 2ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em 1988, que entende a saúde como uma condição resultante da criação, promoção e manutenção de políticas públicas saudáveis, de ambientes favoráveis a saúde, da autonomia para o desenvolvimento de competências e de habilidades para cuidar de si e dos outros, da ação comunitária responsável por controle social, da reorientação dos serviços de saúde.
No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), em seu artigo 196, traz que:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Buscando-se um melhor entendimento do artigo 196 da CRFB, Mendes e Branco (2014) dividiram o artigo em seis elementos. O primeiro trata do direito de todos. Neste elemento, encontram-se tanto a defesa do direito individual como a do direito coletivo. O segundo elemento é o dever do Estado, que deverá promover políticas públicas que visem garantir a saúde, entendendo-se Estado como União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O terceiro ressalta a necessidade de se formular políticas sociais e econômicas que efetivem o direito a saúde. O quarto elemento ressalta a importância de políticas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, buscando-se a implementação de ações preventivas, com o combate de fatores que podem levar a disseminação de doenças. Já o quinto elemento trata de políticas que visam o acesso universal e igualitário ao sistema de saúde, reforçando a ideia de responsabilidade solidária entre os entes da federação, garantindo acesso sem privilégios ou preconceitos aos que necessitem. O último elemento explanado pelos autores traz ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, com a implementação e manutenção das políticas públicas de saúde, garantindo-se, assim, a eficácia do serviço.
Segundo Prado (2012), o direito à saúde está inserido dentre os direitos fundamentais e, com isso, configura-se como marco da passagem do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, pois passa a impor um dever ao Estado. Assim, busca-se uma ação positiva, através de uma efetiva e eficaz prestação do direito à saúde.
Conforme consta da 11ª Conferência Nacional de Saúde de 2000, houve a reafirmação do conceito de saúde trazido pela 8ª Conferência e foi trabalhada a necessidade da criação de políticas públicas multissetoriais e de modelos de atenção que assegurem a universalidade, integridade e equidade com o fito de garantir o direito à saúde.
Com a finalidade de garantir e reafirmar o conceito mais abrangente de saúde, a 12ª Conferência Nacional de Saúde de 2003 teve como uma de suas diretrizes gerais a ampliação da compreensão da saúde no sentido de qualidade de vida, garantida de forma interssetorial e como política de governo para a inclusão social e a construção da cidadania, nos planos individuais e coletivos.
Relata Prado (2012, p. 51):
A saúde não deve ser entendida apenas como fenômeno puramente biológico, uma vez que ela também é resultante de condições socioeconômicas e ambientais, devendo a doença ser considerada como um sinal estatisticamente relevante e precocemente calculável, de alterações do equilíbrio homem-ambiente, induzidas pelas transformações produtivas, territoriais, demográficas e culturais, incontroláveis nas suas consequências, além de sofrimento individual e de desvio duma normalidade biológica ou social.
Assim, deve ser observado o conceito abrangente de saúde, pois o estado de saúde representa muito mais do que meramente ausência de doença e sua efetivação não diz respeito apenas ao fornecimento de medicamentos e tratamentos para quem necessite. Pois, conforme Berlinguer (1987), considerar saúde de forma isolada, ignorando as condições que cercam o indivíduo e a coletividade, não levando em conta o relacionamento das pessoas com o meio social e ambiental, significa o regresso à época que doença era entendida como um fenômeno meramente biológico, desprovido de qualquer outra interferência que não fosse o homem e o seu corpo.
2.2. A relação entre direito à saúde e a dignidade da pessoa humana
Conforme ensinam Barros e Rangel (2018), a compreensão do direito à saúde está muito além da letra da lei, necessitando de desdobramentos para atingir a sua plenitude. Deve-se compreender o direito à saúde como um pressuposto para o direito à vida e para uma melhor percepção do direito à vida deve haver o seu entendimento juntamente com a dignidade da pessoa humana.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, principal fonte dos direitos sociais, estabelece em seu artigo XXV:
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Silva (2014, p.714) conceitua dignidade como termo “derivado do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida”.
A dignidade da pessoa humana, conforme ensinam Sarlet et al (2017), ocorreu de forma tardia no Brasil, comparando-se com a absoluta maioria das outras ordens constitucionais. A dignidade da pessoa humana passou a figurar no primeiro Título do texto constitucional, mais especificamente no art. 1°, III.
Explana Bitencourt (2010, p. 65) sobre a ideia Kantiana de dignidade, cujo os ensinamentos ainda se fazem presentes nos tempos atuais, segundo o autor:
A grande contribuição moderna para a reflexão sobre a dignidade da pessoa humana, cujo legado ainda se vê em nossos dias, é a ideia kantiana de que o ser humano existe como um fim em si mesmo, não como meio. Daí decorre que todo homem tem dignidade, não preço; consequência da dignidade humana é o dever de respeito. Cada ser humano é insubstituível, não tendo equivalente e, portanto, não pode ser trocado por coisa alguma.
Assim, tendo-se por base a ideia de que o ser humano existe como um fim em si mesmo e não como um meio, Bitencourt (2010) trabalha a ideia que deve ser respeitada a dignidade e ser reconhecida a condição de humanidade. Devendo o Estado garantir através das suas normas constitucionais os direitos fundamentais, de liberdade, políticos e sociais, pois estes são os direitos com aptidão de garantir o respeito ao ser humano e, consequentemente, assegurar a sua dignidade.
De acordo Sarlet et al (2017, p. 339):
Como a dignidade humana ganhou em representatividade e importância no cenário constitucional e internacional, portanto, numa perspectiva tanto quantitativa quanto qualitativa, também se verificou, no plano da literatura (e não apenas no campo do Direito) e da jurisprudência, uma crescente tendência no sentido de enfatizar a existência de uma íntima e, por assim dizer, indissociável ligação entre dignidade da pessoa humana e os direitos humanos e fundamentais reconhecidos e protegidos na esfera do direito internacional e do direito constitucional.
Conforme ensina Novelino (2013), não se pode desassociar a ideia do direito à vida do direito à dignidade da pessoa humana e o direito à saúde, pois estes possuem caráter fundamental, sendo direitos contidos não apenas entre os direitos fundamentais, previsto na CRFB, mas também presentes no grupo de direitos que constituem o mínimo existencial.
Segundo ensinamento de Prado (2012), o direito a saúde é direito necessário para uma condição de vida e bem-estar social, constituindo, desta forma, a sua denominada forma de Direito Social, ultrapassando a ideia de se concretizar apenas com a oferta dos serviços de saúde, pois está interligado a dignidade da pessoa humana, sendo esta imagem que sobressai no Estado brasileiro, tendo em vista a estrutura de Estado Democrático de Direito trazida pela CRFB.
Ensinam Sarlet et al (2015), que no direito à saúde existe a vinculação mais contundente com o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana. Devido a essa vinculação, entre saúde e dignidade da pessoa humana, relata Novelino (2018), que o direito à saúde é garantido a todos que estejam no território brasileiro, independente de nacionalidade ou país de domicílio.
Corroborando com o exposto, Barroso (2009) traz a ideia de que toda sociedade deve viver dignamente, cabendo ao Estado constitucional de direito se manter gravitando em torno deste princípio e também da centralidade dos direitos fundamentais.
Ademais, ensinam Sarlet et al (2017, p. 771):
O direito à vida (e, no que se verifica a conexão, também o direito à saúde) assume, no âmbito desta perspectiva, a condição de verdadeiro direito a ter direitos, constituindo, além disso, pré-condição da própria dignidade da pessoa humana. Para além da vinculação com o direito à vida, o direito à saúde (aqui considerado num sentindo amplo) encontra-se umbilicalmente atrelado à proteção da integridade física (corporal e psíquica) do ser humano, igualmente posições jurídicas de fundamentalidade indiscutível.
Devido a esse atrelamento do direito à saúde com os demais direitos fundamentais, ensina Prado (2012) que deve ser suprimida a ideia de direitos sociais serem de segunda categoria, pois não existe hierarquia entre as dimensões dos direitos fundamentais. Assim, têm-se a interligação da essência dos direitos sociais juntamente aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana. Tendo em vista a consagração destes em doutrinas e jurisprudência, uma vez que são pilares do Estado Democrático de Direito e, por isso, deve o Estado garantir a eficácia dos direitos fundamentais, pois, configuram-se como estimativa para a vida com dignidade.
Destarte, Sarlet et al (2017) demonstram que o direito à saúde merece especial destaque, pois, trata-se de um bem interligado a outros bens e direitos fundamentais. Assim, devido essa interligação, qualquer ato que venha a desconsiderar estes valores, torna-se totalmente inadmissível e inconstitucional.
2.3. Noções gerais sobre o Sistema Único de Saúde – SUS
Apesar do Sistema Único de Saúde – SUS ter se consolidado com a CRFB, este programa teve início, conforme ensina Prado (2012), com a decadência do modelo médico privatista que se espalhou na segunda metade do século XX, devido ao processo de industrialização brasileira. Assim, houve um desenvolvimento das políticas públicas de saúde visando garantir o direito à saúde.
Paiva e Teixeira (2014, p. 16) ensinam que:
Com a promulgação da nova Constituição Federal, completa-se o processo de retorno do país ao regime democrático. No contexto de busca de implantação de um estado de bem-estar social, a nova carta constitucional transformava a saúde em direito de cidadania e dava origem ao processo de criação de um sistema público, universal e descentralizado de saúde.
Conforme consta dos ensinamentos do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (2006), as bases doutrinárias para o novo sistema público de saúde foram lançadas na 8° Conferência Nacional de Saúde de 1986, tendo imediatos desdobramentos de trabalhos técnicos que foram desenvolvidos pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária, que embasaram a confecção da Seção da Saúde da CRFB.
Relatam Mendes e Branco (2014) que com a criação do SUS o constituinte originário rompe com a tradição existente de um sistema em nível ordinário como o Sistema Nacional de Saúde e o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde e adota uma rede regionalizada e hierarquizada sob o critério da subsidiariedade, buscando-se uma melhor efetivação do direito social.
A criação do SUS, conforme Prado (2012), tem por finalidade a universalidade do acesso populacional e da integridade da atenção, apresentando possibilidade de negociação e participação do povo, efetivando-se estas características através dos conselhos e conferências de saúde.
Ensina Novelino (2018) que, buscando-se assegurar os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana e, sabendo que o SUS é universal, atendendo a diferentes classes sociais, o Supremo fixou tese de Repercussão Geral, no sentido de que é constitucional a regra que veda tratamento diferenciado com relação as acomodações de internação e atendimento médico, mediante pagamento da diferença dos valores correspondentes.
A busca pelo tratamento universal é uma responsabilidade da Administração Pública, como ensina Weicherter (2004), cabendo esta efetivação ao Estado aqui entendido como União, Estados, Distrito Federal e Municípios e, também, a iniciativa privada, porém apenas com atuação complementar.
Assim, apesar de consagrado no texto constitucional, aduz Sarlet et al (2017), a solidificação do direito à saúde encontra-se em nível normativo-constitucional, ademais a Constituição delega ao legislador, em seu art. 197, a função regulamentadora, fiscalizadora e controladora. Incube também ao legislador, no art. 198, a fixação das diretrizes do sistema. Devendo ainda, oportunizar a participação a nível complementar da iniciativa privada, conforme consta do art. 199. Deverá também estabelecer um rol exemplificativo das atribuições que impende ao SUS, de acordo ensinamentos do art. 200.
O processo de criação do Sistema Único de Saúde (SUS), Conforme Paim (2015), exigiu a necessidade da criação de uma legislação específica, que elucidasse o funcionamento das regras trazidas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB).
Assim, no tocante a criação da Lei específica para o SUS, explana Paim (2015, p. 35):
A lei 8.080/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como sobre a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Regula, em torno território nacional, as ações e serviços de saúde, isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. Tem, portanto, uma abrangência muito grande. Não se limita ao SUS, nem ao setor público. Ao se referir às ações e serviços de saúde prestadas por pessoas naturais ou jurídicas, pode ser interpretada como capaz de interferir na medicina liberal e na medicina empresarial, por exemplo. Do mesmo modo, ao contemplar entidades jurídicas de direito público ou privado, essa regulação poderia se dirigir a serviços e ações de saúde realizados por funções públicas, instituições filantrópicas e empresas privadas, como as que comercializam planos de saúde.
Os recursos para financiamento do SUS, conforme ensina Moraes (2014), são provenientes dos recursos do orçamento da seguridade social, como estabelece o art. 195. da CRFB. Além dos recursos da seguridade social, explica Novelino (2013) que, devido a necessidade de se conferir uma maior efetividade nas ações e serviços de saúde, teve-se a Emenda Constitucional (EC) 29 do ano 2000 que acrescentou ao art. 198. os §§ 2° e 3°, que versa sobre a obrigatoriedade da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios investir valores mínimos todos anos.
Buscando-se a obrigatoriedade da execução das programações orçamentárias, ensina Novelino (2018), a EC n°86/2015 trouxe a imposição à União da aplicação em ações de, pelo menos, quinze por cento da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro em ações e serviços públicos de saúde. Faz-se necessário salientar que este percentual deve ser cumprido de forma progressiva, atingindo o mínimo de quinze por cento até o ano de 2020.
Além do texto constitucional, têm-se a Lei 8.142/90, que, de acordo ensinamentos de Prado (2012), garante que todos os usuários do sistema participem da gestão dos serviços e versa sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros.
Conforme aduz Silva (2017), o SUS implica ações do Estado de forma descentralizada, tendo em cada esfera do governo uma única direção, com prioridade para atividades que visem a prevenção e participação da comunidade, com isto, têm-se a confirmação do caráter social individual e de direito social coletivo.
Com já citado, poderá haver a participação da iniciativa privada na assistência à saúde, todavia, de acordo com Novelino (2018), não poderá a instituição privada ser obrigada a prestar o atendimento sem a devida contraprestação. Destarte, a participação das instituições privadas se dá através de contratos de direito público ou convênios, devendo estes serem firmados, preferencialmente, com entidades sem finalidade lucrativa e entidades filantrópicas. A participação de instituições que visem lucro também é permitida, todavia é vedada a destinação de recursos públicos.
Importante destacar que o rol de competências do Sistema Único de Saúde, previsto no art. 200. da CRFB, de forma alguma deve ser entendido como exaustivo, como explica Novelino (2018), pois as suas competências foram reguladas e ampliadas através da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90), que apresenta as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde e a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.
Relativo aos objetivos e atribuições do SUS, cabe dizer, conforme Prado (2012), que estes estão em constante aperfeiçoamento, através de uma série de ações e serviços de políticas públicas sociais e econômicas, sempre buscando a efetivação da saúde, garantindo-se uma boa qualidade de vida e, sempre visando garantir a eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana conforme a norma constitucional.