A judicialização da saúde face ao princípio da separação dos poderes

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10/10/2019 às 15:49

Resumo:


  • O direito à saúde é um direito fundamental assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que impõe ao Estado o dever de garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde.

  • A judicialização da saúde surge como um fenômeno decorrente da ineficiência ou inércia do Estado em cumprir suas obrigações constitucionais, levando os cidadãos a buscar no Poder Judiciário a garantia de seu direito à saúde.

  • O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.657.156/RJ, estabeleceu critérios para a obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS, exigindo a comprovação da necessidade do medicamento, da hipossuficiência do paciente e da aprovação do medicamento pela ANVISA.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. ENTRAVES PARA A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

3.1. O princípio da reserva do possível versus o princípio do mínimo existencial

Apesar de todo o aparato normativo que visa garantir o acesso universal e igualitário ao direito à saúde, conforme trabalhado no capítulo anterior, o acesso efetivo a saúde encontra entraves e, este capítulo trabalhará alguns destes entraves que interferem no cumprimento universal no direito à saúde.

Ensina Silva (2014) que o termo reserva do possível consiste em um termo hermenêutico, devendo a sociedade entender que o fornecimento do serviço público está sujeito a uma prestação de forma racional, observando-se as condições históricas.

O surgimento da reserva do possível, conforme Mendes e Branco (2017), se deu em um julgamento realizado pelo Tribunal Constitucional Alemão, onde estudantes reivindicavam o direito de admissão em curso superior de medicina, com fundamentos na Lei Fundamental alemã que garantia liberdade para escolha de trabalho, ofício ou profissão. Todavia, a Corte alemã ao decidir o litígio entendeu que o pleito se encontrava limitado na reserva do possível, não devendo o Estado disponibilizar o acesso a todos que pretendessem cursar medicina, sob pena de comprometimento da efetivação dos demais direitos sociais.

Meirelles et al (2016) entendem que os deveres do Poder Público serão efetivados ou cumpridos conforme a disponibilidade dos recursos públicos. Neste mesmo pensamento, destaca Souza (2013) que ainda que possua recursos disponíveis deverá o Estado analisar a razoabilidade da pretensão requerida.

Sarlet et al (2017, p. 754) sustenta a caracterização da reserva do possível estruturada através de uma tríplice dimensão, qual seja:

(a) a real disponibilidade fática dos recursos para efetivação dos direitos sociais; (b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, e, em países como o Brasil, ainda reclama equacionamento em termos de sistema federativo; e (c) problema da proporcionalidade da prestação, em especial quanto à sua exigibilidade e razoabilidade, no que concerne à perspectiva própria e peculiar do titular do direito.

Importante ressaltar que apesar da vinculação destes fatores, ensinam Sarlet et al (2017), que não se pode permitir que estes fatores sejam utilizados como uma barreira invencível para efetivação dos direitos fundamentais, mas sim como mais um instrumento que visa garantir a proteção dos direitos fundamentais e sociais, com o fito de garantir um direito essencial em contrapartida a outro, diante da indisponibilidade de recursos.

Buscando-se uma melhor compreensão da tríplice dimensão proposta por Sarlet et al, Masson (2015) faz o estudo individualizado de cada uma das dimensões, sendo que a dimensão da disponibilidade fática deve ser analisada levando-se em consideração não apenas uma única demanda, mas sim analisando a possibilidade de se estender a prestação a todos que dela necessitem, respeitando o princípio da isonomia e universalização dos direitos sociais.

No tocante a dimensão da disponibilidade jurídica, deverá ser verificado a possibilidade de o Poder Judiciário interferir quando os órgãos Legislativos e Executivos se manterem inertes à implementação de direitos. Apesar do debate sobre a viabilidade do Poder Judiciário intervir em decisões que envolva a alocação de verbas, que deveriam serem tomadas pelo Legislativo e Executivo, reputa-se válida tal interferência havendo violação inconteste e desarrazoada dos comandos constitucionais. Destarte, torna-se possível que o Poder Judiciário, ainda que de modo atípico, determine a implementação das políticas públicas definidas pela CRFB.

Corroborando com o entendimento proposto por Masson, Cunha (2012, p.785) expõe que:

As decisões sobre prioridades na aplicação e distribuição de recursos públicos deixam de ser questões de discricionariedade política, para serem uma questão de observância de direitos fundamentais, de modo que a competência para tomá-la passaria do Legislativo para o Judiciário.

Ilustrando-se o exposto, Masson (2015) traz o exemplo de intervenção do Poder Judiciário no entendimento exarado pela 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário (RE) 429903/RJ, onde a Corte firmou o entendimento de que a Administração Pública deverá manter estoque de um medicamento específico devido à gravidade da doença, com a finalidade de que não haja interrupções no tratamento pela falta deste.

E, por fim, relativo a dimensão da proporcionalidade e razoabilidade, Masson (2015) explana que deverá o pleito ser razoável a sua necessidade e deverá haver disponibilidade financeira do Estado para efetivação do pedido. Porém, não deverá ser utilizada a reserva do possível como fonte para frustação da efetivação das políticas públicas estabelecidas na CRFB, devendo-se observar sempre a ocorrência de motivo justo e verificável.

O que vem se tentando explicar é que apesar de existir e ser cabível a alegação da reserva do possível deverá o Estado observar a aplicação do mínimo existencial, porém deve-se salientar, conforme explica Bitencourt (2010, p. 144) “o mínimo existencial não significa que os direitos sociais só são fundamentais quanto ao mínimo de suas possibilidades”, corroborando com este pensamento, Sarlet et al (2017) leciona no sentido que deverá o Estado resguardar não apenas o direito à vida do cidadão, mas sim o direito à vida saudável, ou seja, uma vida com qualidade.

Mister salientar que o termo mínimo existencial, conforme Masson (2015), surgiu na doutrina alemã buscando resguardar os direitos mais básicos e elementares para uma vida digna. Conforme a autora, há no direito brasileiro pelo menos duas correntes em relação ao tema, uma corrente entende não haver um conteúdo definitivo no mínimo existencial, possuindo variações conforme o tempo e o local, esta é defendida por Ricardo Lobo Torres; a outra posição que se tem é a da professora Ana Paula de Barcellos que aponta que a constituição do mínimo existencial é feita pela educação fundamental, saúde, assistência aos desamparados e acesso à justiça.

Assim, importante ressaltar que, conforme Novelino (2018, p. 517) “a possibilidade de se invocar a reserva do possível em relação aos direitos sociais que compões o mínimo existencial não encontra resposta homogênea na doutrina”. Segundo o autor, existe aqueles que defendem não existir direito ao mínimo existencial e de outro lado há quem entenda que o direito ao mínimo existencial possui caráter absoluto, não podendo encontrar óbices para a sua efetivação no princípio da reserva do possível.

Ilustrando-se a ideia do caráter essencial de proteção ao mínimo existencial, têm-se o pronunciamento do Ministro Celso de Melo no RE 482.611/SC, no sentido que a “impossibilidade de invocação, pelo Poder Público, da cláusula da reserva do possível sempre que puder resultar, de sua aplicação, comprometimento do núcleo básico que qualifica o mínimo existencial”.

3.2. A inobservância das atribuições de cada ente da federação em relação ao sistema único de saúde - SUS

Buscando-se garantir de forma mais eficaz o desenvolvimento nacional e amenizar as desigualdades regionais no território brasileiro o Constituinte de 1988 elegeu como forma de organização e distribuição do poder estatal o Federalismo.

Ensina Horta (1986), para que seja estabelecido um Estado Federal se faz necessário a adoção de determinados princípios, técnicas e instrumentos operacionais, que o autor condensou da seguinte forma: deverá haver uma decisão do poder constituinte para a criação do Estado Federal e suas partes indissociáveis; deverá ocorrer a repartição de competências entre Federação e Estados-membros; deverá ser atribuída autonomia constitucional aos Estados-membros; será utilizada a intervenção federal para restabelecimento do equilíbrio federativo, em casos definidos na Constituição; a Câmara dos Estados permitirá a participação do Estado-membro na formação da legislação federal; poderá os Estados-membros, em número qualificado, propor emenda à Constituição; a formação de novo Estado ou modificação territorial dependerá de aquiescência da população do Estado afetado; e, deverá existir no Poder Judiciário Federal de um Supremo Tribunal, para interpretação e proteção da Constituição Federal e, para que possa dirimir conflitos existentes entre a União, os Estados, outras pessoas de direito interno, além das questões relativas à aplicação ou vigência da lei federal. Importa salientar que não se faz necessário o acumulo de todas as características, por isso, conforme o autor, teve-se modelos múltiplos de federalismo.

Ensinam Odorissi e Hermany (2018), pode-se entender o federalismo como uma técnica que visa a distribuição do poder posto a serviço de um ideal de descentralização, multiplicando os centros decisórios trazendo uma maior proximidade destes com os destinatários, criando formas de participação e fiscalização do poder pelos administrados.

Tal método, conforme ensina Bercovici (2004), visa amenizar as dificuldades na execução das políticas públicas, em especial na área social e econômica, através de mecanismos que visam cooperar e harmonizar o exercício das competências legislativas e administrativas, equilibrando a descentralização federal e integração econômica nacional.

O federalismo cooperativo, ensinam Sarlet et al (2017), teve sua origem nos Estados Unidos da América e também teve seu desenvolvimento na Constituição germânica sob o amparo da Lei Fundamental de 1949, visando a atuação conjunta da União e dos Estados-membros, buscando-se alcançar objetivos comuns.

Explicam Odorissi e Hermany (2018, p.246):

No cenário brasileiro, o federalismo, adotado pelo legislador constituinte de 1988, assumiu uma forma inovadora e diversa da estabelecida pelo sistema norte-americano. Foi estabelecido um sistema de três níveis, incluindo o Município como ente federado.

Importa mencionar o texto normativo trazido pela CRFB em seus arts. 23. e 24 que demonstra de forma clara as competências comuns aos entes federativos, convencionando-se o federalismo do tipo cooperativo.

O art. 23, II, dá a entender ser competência comum dos entes federados o cuidado da saúde, porém, deve-se observar o parágrafo único do artigo que prevê a edição de Lei Complementar para fixar as normas de cooperação entre os entes, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Considerando-se o teor deste artigo se tem que a União, o Estado, o Distrito Federal e os Municípios são solidários no cumprimento da efetivação do acesso à saúde. Conforme ensina Venosa (2017, p. 113) “a solidariedade da obrigação é um artifício técnico utilizado para reforçar o vínculo, facilitando o cumprimento ou a solução da dívida”.

Para Asensi (2015), não significa que todos os Entes da Federação possuem os mesmos deveres e atribuições devido a competência comum, embasa este entendimento devido a CRFB e a Lei n. 8.080/90 determinarem atribuições exclusivas e comuns de cada Ente, assim, têm-se uma previsão dos deveres de cada um dos Entes.

Ensina Santos (2017), apesar de ser competência comum aos Entes Federados o cuidado da saúde este ponto precisa ser melhor compreendido, pois, deve-se analisar as condições do serviço pleiteado versus a condição do Ente para o fornecimento deste serviço.

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Esta análise é fundamental para efetivação do pleito, pois, conforme Santos (2017, p.5) os entes “são assimétricos do ponto de vista econômico, social, demográfico, geográfico e no que tange à organização de serviços”. Destarte, foi necessário à distribuição de competência entre os Entes Federativos pelo legislador ordinário.

Visando delimitar a competência para promoção da saúde a Lei n° 8.080/90, estabeleceu em seus artigos 15 a 19 tais competências dos Entes Federados.

A aludida Lei em seu art. 15. trouxe as atribuições comuns dos Entes. Busca-se com essas atribuições, conforme ensina Asensi (2015), a formulação de estratégias e conjugação de esforços para obtenção de uma efetiva saúde no território brasileiro.

O art. 15. da Lei 8.080/90 trouxe um rol de 21 atribuições comuns aos entes federados, dentre elas, fiscalizar as ações e serviços de saúde; administrar os recursos destinados a cada ano à saúde; organizar e coordenar o sistema de informação de saúde; elaborar normas para estabelecimento de padrões de qualidade para promoção da saúde; elaborar e atualizar periodicamente o plano de saúde; elaborar normas para regularização das atividades de serviços privados; implementar o sistema nacional de sangue, componentes e derivados; realizar pesquisas e estudos na área da saúde; fomentar, coordenar e executar programas e projetos estratégicos e de atendimento emergencial.

Além de tratar das atribuições comuns aos Entes, a Lei n° 8.080/90 versa também das atribuições específicas de cada Ente Federado. Trouxe a referida Lei, em seu art. 16, as atribuições de competência exclusiva da União, assim, têm-se que compete a União a direção nacional do SUS, explana Asensi (2015, p. 150) que “o traço mais marcante desta competência é o caráter de coordenação nacional das políticas de saúde a serem desenvolvidas no SUS. ”

O rol de competência da União trazido pelo art. 16, elenca 29 atribuições, dentre elas: formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição; formular e implementar políticas de controle das agressões ao meio ambiente, ao saneamento básico e ao ambiente de trabalho; participar da definição de normas e mecanismos de controle, com órgãos afins, de agravo sobre o meio ambiente ou dele decorrentes, que tenham repercussão na saúde humana; coordenar e participar na execução das ações de vigilância epidemiológica; estabelecer normas de vigilância sanitária em portos, aeroportos e fronteiras, podendo estas serem complementadas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios; formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da política nacional e produção de insumos e equipamentos para a saúde, em articulação com os demais órgãos governamentais; prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios; elaborar normas para regular as relações entre o SUS e os serviços privados contratados de assistência à saúde; estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avalição técnica e financeira do SUS em todo o Território Nacional em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal. Além das atribuições contidas no art. 16, o parágrafo único do artigo traz a possibilidade de a União executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais.

Consoante a competência da União no tocante aos medicamentos, tal competência é consagrada no Decreto n. 7.508/2011, em seu art. 25. ao 29 trabalha sobre a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), que compreende a seleção e padronização de medicamentos que serão utilizados para atendimento de doenças e agravos no âmbito do SUS. Mister salientar que conforme impõe o art. 29. do referido Decreto, somente poderão compor a RENAME produtos com registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.

A atribuição específica dos Estados, trazida pela Lei n° 8.080/90, encontra-se no art. 17, devendo o Estado, representado pela secretaria estadual de saúde ou por órgão correspondente, exercer a direção estadual do SUS, além disso, conforme Asensi (2015, p.151) deverá “cada estado formular a sua Relação de Medicamentos em complementação à RENAME. ”

No tocante a competência do Estado, o art. 17. da Lei 8.080/90 trouxe um rol que apresenta 14 atribuições que deverá o Estado exercer para promoção da saúde, dentre estas atribuições pode-se citar, promoção da descentralização dos serviços e das ações de saúde para os Municípios; prestar o apoio técnico e financeiro que necessite os municípios, além de executar supletivamente ações e serviços de saúde; cabe ao Estado coordenar e de formar complementar executar serviços de vigilância epidemiológica e sanitária, serviços de alimentação e nutrição e serviços referente à saúde do trabalhador; coordenar a rede estadual de laboratórios de saúde pública e hemocentros, e gerir as unidades que permaneçam em sua organização administrativa; formular normas e estabelecer padrões, em caráter suplementar, de procedimentos de controle de qualidade para produtos e substâncias de consumo humano; identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional; colaborar com a União na execução da vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras; cabe ainda ao Estado o acompanhamento, a avaliação e divulgação dos indicadores de morbidade e mortalidade no âmbito da unidade federada.

A competência dos Municípios encontra-se estabelecida no art. 18. da Lei 8.080/90, sendo o Município representado pela secretaria municipal de saúde ou por órgão homólogo. Deverá o município coordenar a política de saúde municipal e, além disso, assim como ocorre no Estado, ensina Asensi (2015), deverá o ente municipal desenvolver uma Relação de Medicamentos que complemente a lista de medicamentos estadual e federal.

Conforme leciona o artigo supracitado, compete aos Municípios um rol de 12 atribuições, podendo-se citar, a competência para planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde; incumbe ao município a participação do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde, em articulação com sua direção estadual; deve o município executar os serviços de vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, saneamento básico e de saúde do trabalhador; deverá dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde; formar consórcios administrativos intermunicipais; controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde; normatizar complementarmente as ações e serviços públicos de saúde no seu âmbito de atuação.

Por fim, em seu art. 19, estabelece a Lei n° 8.080/90 que deverá o Distrito Federal exercer as atribuições reservadas aos Estados e aos Municípios.

Desta forma, analisando a repartição de competências trazidas na Lei n°8.080/90, relata Ohland (2010) seria necessário antes do pleito do serviço de saúde a verificação de qual Ente é competente para atender o pedido. Porém, apesar de ser tese consagrada pelo Supremo Tribunal Federal que há competência solidária dos Entes, em recente julgado de um Agravo de Instrumento 10148180010545001, tendo como Relatora Alice Birchal (2018, p. s/n), entendeu-se que:

A solidariedade, todavia, não implica em ampla e irrestrita discricionariedade da parte para demandar quaisquer dos entes públicos, devendo atentar para as normas que disciplinam a dispensação de medicamentos nos três níveis: União, Estado e Municípios.

Além disso, foi entendido pela Relatora no julgado supracitado que, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter entendido que há solidariedade entre os entes federados para prestação da saúde, deve-se, minimamente, observar as competências estabelecidas em lei infraconstitucional, pois não se mostra cabível imputar condenação a pequenos municípios, por exemplo, ao financiamento de tratamentos excepcionais, de custo elevado.

No tocante à solidariedade entre os entes da federação, mister trazer à baila a recentíssima decisão do STF, no julgamento do RE 855178, de relatoria do Ministro Luiz Fux, originando, em 23/05/2019, o Tema 793 onde ficou definido que os entes são solidariamente responsáveis em demandas referentes à saúde, competindo à autoridade judiciária o direcionamento para o órgão competente para execução do cumprimento, respeitando-se os critérios de descentralização e hierarquização, determinando ainda o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Pode-se observar que apesar da solidariedade dos entes, contida no art. 23, II da CRFB, no tocante a promoção da saúde, deve ser levado em consideração que existe um sistema de divisão de atribuições regionalizado e hierarquizado, que envolve as ações e serviços nesta seara conforme a capacidade de cada ente federado, pois evita os debates dentro do processo sobre a qual ente pertence a competência para satisfação da tutela.

3.3. A limitação do fornecimento de medicamentos aos contidos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME

A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) no SUS foi criada através da Lei n° 12.401 de 28 de abril de 2011, que busca a regularização referente a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologias em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A CONITEC visa o assessoramento do Ministério da Saúde (MS) no tocante à incorporação, exclusão ou alteração das tecnologias aplicadas na saúde pelo SUS, atuando também na constituição ou alteração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT).

A tomada de decisão de inclusão de incorporação de tecnologias no SUS deverá ser realizada no prazo de 180 dias, podendo ser prorrogáveis por mais 90 dias, devendo observar a eficácia, acurácia, efetividade e a segurança da tecnologia e, deve-se observar o custo-benefício em relação às tecnologias já existentes. Para que ocorra a avaliação se faz necessário que o procedimento/medicamento esteja registrado na ANVISA.

A CONITEC é composta por uma Secretaria Executiva e um Plenário. Cabe ao Plenário a recomendação ou exclusão de tecnologias no âmbito do SUS, sobre a constituição e alteração nos protocolos clínicos, bem como atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME. A composição, competências e funcionamento da CONITEC está regulado no Decreto n° 7.646/2011.

Medicamentos essenciais, conforme ensinam Yamauti et al (2017, p. s/n), “medicamento essencial é aquele selecionado com base em critérios epidemiológicos, de efetividade, segurança, comodidade posológica e custo-efetividade que melhoram a qualidade de cuidados e de resultado na saúde. ” Porém, conforme os autores, o Brasil adotou conceito diverso ao da OMS com relação aos medicamentos essenciais, salientam que para o Brasil medicamentos essenciais são aqueles definidos pelo SUS com fito de assegurar acesso do paciente ao tratamento medicamentoso.

Conforme o Ministério da Saúde (2017, p.11), “a RENAME é elaborada atendendo aos princípios fundamentais do SUS, isto é, a universalidade, a equidade, e a integralidade”.

No tocante a publicação da Lista RENAME, ensinam Yamauti et al (2017) que está se encontra em constante atualização, porém a sua publicação ocorre a cada dois anos.

Atualmente está publicada a Lista RENAME do ano de 2017 que pode ser acessada online e, conforme consta do seu texto (2017, p. 12) “a presente edição, a referida subcomissão contou com a colaboração de especialistas ligados a universidades públicas, com expertise clínica”.

Para uma melhor compreensão a Lista RENAME é dividida em seções e seções divididas em anexo. A atual lista conta com quatro seções.

Além das quatro seções, a lista RENAME possui um índice remissivo, possibilitando a busca seja pelo nome do fármaco em sua forma base ou pela sua denominação derivada.

Importa salientar que o financiamento do Componente Básico de Assistência Farmacêutica, conforme consta da Lista RENAME (2017), é responsabilidade dos três entes federados, sendo o repasse regulamentado pela Portaria GM/MS n° 1.555, de 30 de julho de 2013. Sendo o Município responsável pela aquisição e fornecimento dos itens à população.

Referente ao Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica os medicamentos contidos nesta seção visam o controle de doenças de alto potencial endêmico, devendo o Ministério da Saúde adquirir e distribuir os medicamentos e repasse aos Estados e Distrito Federal, que deverão armazenar e redistribuir aos Municípios.

O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica contém medicamentos que visam garantir tratamento em nível ambulatorial, que possuam custos elevados ou de maior complexidade. O financiamento dos medicamentos desta categoria é regulamentado pela Portaria 1.554, de 30 de julho de 2013.

A Relação Nacional de Insumos integra os itens da relação dos componentes Básicos e Estratégicos da Assistência Farmacêutica. Já os medicamentos de uso hospitalar integram os procedimentos financiados por autorização de internação hospitalar ou por autorização de procedimento ambulatorial de alta complexidade, sendo financiado pelo bloco de atenção de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar.

Após este breve introito sobre a CONITEC e a lista RENAME, necessário analisar que o Estado, considerando como os 03 Entes Federados, muitas vezes, tentam se eximir da responsabilidade de fornecimento do medicamento, embasado na teoria de descentralização do SUS.

Ilustrando-se esta narrativa, têm-se a apelação cível n° 10520120043820001 MG de 2017, onde o Estado de Minas Gerais alega não possuir responsabilidade de fornecimento de medicação, devido a divisão de competências atribuídas pela Lei n° 8.080/90, alega ainda que é insustentável o fornecimento de medicamentos sem a observância do sistema de padronização de medicamentos fornecidos pelo SUS, ou seja, a lista RENAME.

Ensina Mendes (2017) que, a política do SUS, baseia-se na ideia da “medicina com base em evidências”, adotando-se “protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas”. Assim, em regra, deve-se privilegiar o tratamento fornecido pelo SUS em relação à tratamento diverso, caso não se comprove a ineficiência ou impropriedade do tratamento ofertado pelo SUS, pois obrigar o financiamento de qualquer tratamento geraria grave lesão ao orçamento administrativo, prejudicando ainda mais o funcionamento do SUS. Entretanto, explica o autor que, faz-se necessário a periódica revisão dos protocolos existentes e a elaboração de novos protocolos. Ademais, afirma que, em casos excepcionais, comprovado que a única alternativa é o tratamento não constante nos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, poderá o requerente pleitear o tratamento judicialmente.

Devido à tentativa de se esquivar da responsabilidade do fornecimento de medicamentos alegando a não inclusão do mesmo na lista RENAME se tornou prática tão rotineira que o STJ, definiu a suspensão de todos os processos que versem sobre a obrigação do poder público fornecer medicamentos não constantes na lista do SUS, gerando o Recurso Especial 1.657.156 (REsp), que será trabalhado no próximo capítulo.

Assim, analisando os argumentos trazidos neste capítulo, pode-se notar que apesar da ampla defesa e normatização para que o acesso à saúde seja universal ainda há inúmeros entraves que acabam por atrapalhar a sua plena eficácia.

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