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Crimes digitais: o crime de pornografia de vingança e pornografia infantil na internet

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Agenda 18/11/2019 às 13:30

4. PORNOGRAFIA INFANTIL NA INTERNET E EXPOSIÇÃO DE MENOR A CONTEÚDO IMPRÓPRIO

A pornografia infantil, de modo geral, apresenta-se de diversas formas, tendo várias motivações e “gatilhos”, demonstrando as mais variadas consequências aos menores. Do mesmo modo, a exposição do menor a conteúdo impróprio tem sido realizada de diversas formas, sendo dificultada até mesmo a sua precaução.

Inicialmente pensa-se que a pornografia infantil é tão somente aquela obtida de maneira ilícita e disponível em fóruns na dark net. Tal entendimento é tido pelo fato de que essa conduta é repudiada até mesmo por frequentadores assíduos de conteúdo pornográfico.

Dessa forma, as pessoas tendem a pensar sempre na forma mais violenta possível para caracterização do delito, ignorando outras tantas formas de prática possíveis na rede.

Porém, tanto a exploração quanto a exposição sexual do infante é, na maioria das vezes, realizada por meio de aproveitamento da vulnerabilidade e da inocência do menor que, em regra, não faz ideia de que está sendo vítima de um delito de enorme gravidade.

Também, percebe-se que as ideias equivocadas quanto à consumação dos delitos envolvendo menores se dá pela forma como o delito é praticado na sociedade. Em regra, casos de pedofilia, compartilhamento de pornografia infantil e semelhantes são realizados de maneira silenciosa, sem qualquer alarde que possa deixar claro que tipo de delito está sendo cometido.

Na maioria das vezes nem ao menos os familiares do indivíduo que pratica esse tipo de delito um dia desconfiou de tal prática, tamanha é a discrição do autor do delito.

No que tange à pornografia infantil, o consumidor desse tipo de mídia na internet geralmente é visto pela sociedade como uma pessoa comum, sem aparentar qualquer distúrbio mental ou deixar transparecer o mínimo sinal de sua obsessão insana.

Por óbvio, não há um perfil específico para criminosos, ainda mais quando se trata de crimes tão específicos e repulsivos quanto os ligados a pedofilia.

Porém, estima-se, pela análise de casos, que a maioria dos criminosos são homens, entre 30 e 45 anos, solteiros, que moram sozinhos, geralmente reservados e inseguros.150 Esse perfil, no entanto, não é absoluto, já que há diversos casos que fogem, e muito, do perfil ora traçado.

Independente do perfil do agressor, o que sempre ocorre é a forma de atuação do autor do delito. Em regra, a atuação desse tipo de agressor é realizada de forma reservada, por meio de grupos de compartilhamento.

A forma como são obtidas as mídias disponíveis na internet é bastante simples. Os pedófilos se passam por pessoas muito mais novas do que de fato são, geralmente afirmando terem a mesma idade da vítima em potencial, aliciam os menores, utilizando argumentos compatíveis comsua idade, obtendo imagens da criança nua ou em situação erótica.

Além de tal abordagem, os pedófilos utilizam da divulgação de falsas agências de modelos infantis que, na verdade, são aliciadoras de crianças que serão posteriormente utilizadas para a propagação da pedofilia.151

Após obtenção da mídia, o agressor a inclui em fóruns específicos para a prática do delito, dispondo tais imagens para centenas de consumidores. Geralmente em tais fóruns quem tem a maior quantidade de mídias compartilhadas tem mais “respeito” dos demais membros.

Esse tratamento existe justamente para que os usuários se esforcem cada dia mais para conseguir mais mídias com conteúdo pornográfico infantil, alimentando a rede de compartilhamento e aumentando, ainda mais, o acervo de conteúdo ilícito disponível na Internet.

Tais condutas se mostram bastante facilitadas na internet, e até mesmo estimuladas. Justamente por isso, a pornografia infantil na rede aumenta a cada dia, tomando proporções incalculáveis.

Como se pode notar, há um bom número de razões para que os pedófilos utilizem a pornografia infantil na Internet – desde o simples ato de colecionar grande variedade de fotografias de crianças até o comportamento sexual impróprio com elas. A pornografia infantil também oferece uma estrutura de apoio clandestina à rede de comunicações dos pedófilos, facilitando o acesso a material que estimule a masturbação. Essas comunidades virtuais outorgam elevado poder e controle aos pedófilos porque validam e normatizam seus interesses sexuais por crianças.152

Verifica-se, portanto, que, no ambiente digital, a pedofilia acaba por ser vista como um comportamento saudável e natural, sendo estimulada entre conexões de pedofilia com o fim de aumentar ainda mais o acervo disponível na rede.

Tal incentivo vai contra as diversas políticas adotadas com o fim de proteção ao menor e diminuição de casos do gênero.

Mesmo havendo diversos casos de pedofilia vistas como uma patologia, cabe enfatizar que nem todos os casos de pedofilia na internet têm como autores pessoas com traços de doenças psiquiátricas ou problemas psicológicos. É necessária uma verificação do caso isolado e uma possível patologia somente poderá ser diagnosticada por um médico especialista.

Porém, se o potencial criminoso não buscar de imediato auxílio específico para o caso, poderá se deparar com diversos fóruns na internet que sugerem a normalidade dos impulsos sexuais do gênero. Engana-se quem acredita que tais fóruns são restritos à dark net. Há diversas plataformas disponíveis para discussão do tema, principalmente entre iniciantes, hospedadas na surface.

Um caso recente materializa bem tal afirmação. No início deste ano de 2018 foi constatado que o aplicativo de mensagens Telegram, na época muito popular entre os usuários de redes sociais, servia como plataforma para trocas de conteúdos pornográficos relacionados à pedofilia153.

Por óbvio, assim que tais atitudes foram descobertas, os produtores do aplicativo tomaram as medidas necessárias para fazer cessar os delitos.

Dessa forma, verifica-se que a surface, de modo geral, e até mesmo os aplicativos disponibilizados publicamente de forma gratuita e sem limitação de idade não são imunes à pedofilia.

Obviamente, quando as discussões se iniciam na surface, em regra, são direcionadas posteriormente para a darknet, já que os envolvidos buscam sigilo absoluto, tendo em vista que possuem plena ciência de que a conduta que estão praticando é abusiva e criminosa.

Porém, graças ao amadorismo da maioria dos autores e ao crescente desenvolvimento das tecnologias investigativas, há diversas operações de sucesso registradas, demonstrando o aumento alarmante de pedófilos no Brasil.

Prova disso é a operação “darknet”, realizada pela Polícia Federal em 2016, que investigou, em sua segunda fase, sessenta e sete pessoas suspeitas de integrarem redes de pornografia infantil, tendo ao final cumprido sessenta e um mandados de busca e apreensão, quatro de prisão e quinze prisões em flagrante.154

A referida operação teve como principal meio de investigação a Deep Web, focando especificamente na distribuição de pornografia infantil nas diversas camadas da sub rede. A investigação, tendo em vista que seu palco foi ainternet, abrangeu dezesseis estados brasileiros, envolvendo cerca de trezentos policiais federais.155

A segunda fase ora mencionada vem adotando a mesma metodologia utilizada na primeira fase, ocorrida em 2014, que teve como ponto alto a prisão de cinquenta e uma pessoas em um único dia.

Relevante, porém grotesca, foi uma das prisões resultantes da primeira fase da operação, onde, durante a operação, a Polícia Federal se deparou com o caso de um homem que planejava abusar sexualmente de sua filha assim que ela nascesse.156

O que mais assustou os investigadores, além, é claro, do conteúdo repulsivo compartilhado nos fóruns investigados, foi a frieza que o possível agressor confessou, perante às autoridades e sua então esposa, o que pretendia fazer com a criança que nem havia nascido ainda.

Toda a operação foi realizada após autorização judicial expressa e por meio de infiltração de agentes nos fóruns do gênero, tendo o “primeiro passo” sido dado emmeados de 2012, dando origem a diversas operações de combate a pedofilia.157

Além da relatada operação, muitas outras foram instauradas no decorrer dos anos, havendo também espécies de ramificações da operação DarkNet, quando havia clara necessidade de investigação mais a fundo de algum conteúdo específico.

Vale ressaltar que tais operações, apesar de serem realizadas tendo como principal busca a punição de pornografia infantil compartilhada na internet, diversas vezes acaba por enfrentar casos de pedofilia real, ou seja, fora do ambiente digital.

Isso porque, independente da operação, sempre que há verificação de risco real de menores, as autoridades tomam providências urgentes para impedir ou fazer cessar a violência identificada.

Tal possibilidade é de suma importância, já que a integridade física e psicológica do infante devemsempre serem levadas em consideração pelas autoridades, mesmo que impeça que uma maior quantidade de autores de delitos digitais possam ser identificados.

Cabe ressaltar que, apesar de haver delitos ocorridos na internet que têm como vítimas menores que acabam saindo do ambiente digital e tornando-se um delito “real” e que coloca em risco a integridade física e psicológica do menor, a maioria dos delitos praticados em ambiente digital ali permanece.

Isso porque nem todo consumidor de pornografia infantil é um agressor em potencial. Afirmar isso somente induziria a erro e dificultaria a investigação dos motivos que levam um ser humano adulto a consumir material pornográfico de crianças.

Geralmente, pessoas que cometem delitos na internet, de modo geral, o fazem por conta do suposto anonimato da rede, o que não existe fora do ambiente digital. Dessa forma, a maioria dos autores de crimes do gênero não costumam arriscar o cometimento de um delito sem tal proteção.

Justamente por este motivo, as grandes operações se mostram de grande importância já que permitem, além da identificação de autores de delitos no ambiente digital, que possíveis agressões sejam impedidas a tempo, resguardando o menor de qualquer um dos tipos de violência que possa vir a sofrer.

De fato, haver um grande avanço no que tange às possibilidades investigativas é de grande valia, porém, assim como todos os crimes sexuais ocorridos na internet, há necessidade de maior conscientização, vez que tão somente a punição não tem se mostrado o bastante para coibir a prática ou diminuir os casos, só tem feito com que os criminosos tomemmais cuidado ao praticar o delito.

4.1. Conceito e histórico

A pornografia infantil,de modo geral, se trata de mídias com conteúdos sexuais ou sexualizados de pessoas menores de idade, geralmente pré–púberes. Há várias formas de se compartilhar esse tipo de material e uma delas é pela Internet.

Diferente da pornografia infantil real, quando a mídia é compartilhada na rede, não há uma verdadeira utilização do infante para a consumação do delito. Percebe-se também que nos casos de pornografia infantil virtual, poderá haver uma distorção quanto à idade do infante, já que poderá haver manipulação de imagem, dentre outras variáveis que podem induzir o consumidor a erro.

Porém, o que se busca apresentar neste trabalho é a existência real de crime de pornografia infantil na Internet, sendo descartadas as infinitas variáveis possíveis para os casos isolados.

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Pedofilia é considerada um distúrbio de conduta sexual em que o indivíduo adulto sente desejo compulsivo por pré-púberes. Hoje, a psicanálise trata a pedofilia como uma perversão sexual, enquanto que a sociedade aponta tal delito como algo repulsivo e imperdoável.

Diante de tantas divergências quanto à conceituação da pedofilia, a que mais se mostra correta é a trazida pela medicina. Esta trata a pedofilia como um transtorno de preferência sexual, num complexo meio de parafilias. Parafilia, por sua vez, é um desvio de conduta sexual, ou seja, uma perversão sexual.

As Parafilias são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.158

Percebe-se, portanto, que a pedofilia não é o único transtorno comportamental relacionado à atividade sexual. Com essa conceituação, há maior facilidade em analisar casos específicos de pedofilia ou de compartilhamento pornografia infantil.

Obviamente, o fato de o indivíduo ter um transtorno comportamental não o isenta, em regra, da punição cabível para os atos que tenha praticado. Porém, é importante determinar a motivação do delito para que seja possível estabelecer uma forma de prevenção para que os casos diminuam.

Cabe ressaltar que a pedofilia não necessita de ato sexual real com a criança para ser caracterizada clinicamente, podendo facilmente ser identificada em indivíduos que restringem seus atos no ambiente digital.

É de salientar que não existe necessidade da presença do ato sexual entre o adulto e a criança para que possa ser considerado (o indivíduo) clinicamente como pedófilo, basta a presença de fantasias ou desejos sexuais na mente do sujeito.159

Porém, tal entendimento nem sempre foi unânime, já que, nas sociedades antigas, tal atitude era considerada normal. Em algumas culturas, infelizmente, em parte vivas até hoje, era comum que as crianças tivessem sua primeira relação sexual com seus pais ou que se casassem com pessoas muito mais velhas por conta de um acordo entre tal pessoa e os pais da criança.

Histórias de crianças que eram colocadas à venda ou obrigadas a casar com pessoas extremamente mais velhas que elas sempre foram comuns na história e, com o avanço da sociedade e das tecnologias, tal prática pedófila, pelo menos em algumas culturas, foi ganhando outros aspectos.

Obviamente, com as mudanças de entendimento social sobre o tema, bem como a ampliação das formas de execução do delito, fizeram com que legisladores de todo o mundo se atentassem à clara violência sofrida pelos menores e tomassem atitudes necessárias no sentido de legislar sobre o tema.

4.2. Proteção legal da criança e do adolescente

Desde a Constituição Federal de 1998, o menor vem sido resguardado de forma específica, tendo sido previstas diversas forma de proteção do menor e de criminalização de atos atentatórios à integridade da criança e do adolescente.

Na constituição vigente tal proteção vem disposta no artigo 227, tendo o constituinte estabelecido diretrizes para a proteção do menor apontando tal responsabilidade para a família, a sociedade e o Estado.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.

§ 8º A lei estabelecerá:

I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;

II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. 160

Mais tarde, a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente fixou novamente a necessidade de proteção do infante, tendo toda a sua estrutura sido definida como um meio de proteção à criança e ao adolescente.

A proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a ideia de que sejam simples objetos de intervenção no mundo adulto, colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento.

Deve-se entender a proteção integral como o conjunto de direitos que são próprios apenas dos cidadãos imaturos; estes direitos, diferentemente daqueles fundamentais reconhecidos a todos os cidadãos, concretizam-se em pretensões nem tanto em relação a um comportamento negativo (abster-se da violação daqueles direitos) quanto a um comportamento positivo por parte da autoridade pública e dos outros cidadãos, de regra dos adultos encarregados de assegurar esta proteção especial. Em força da proteção integral, crianças e adolescentes têm o direito de que os adultos façam coisas em favor deles.161

Por haver uma clara busca pela proteção integral do menor, a legislação brasileira se mostrou cada vez mais atenta aos interesses do infante, resguardando-o de forma a garantir a aplicação integral do disposta na Constituição Federal.

Diante dos crescentes casos de pornografia infantil e outros crimes envolvendo menores, fez-se necessária a criação de tipos penais específicos além de previsões de aumento de pena para casos já especificados na legislação vigente e que envolvammenores.

A proteção legal específica foi estabelecida em conjunto com diversas políticas públicas específicas para a proteção do menor, além da preparação específica para os aplicadores da Lei, para que tenhammais possibilidades de cuidar de casos de tanta complexidade quanto os relacionados ao infante.

Dessa forma, verifica-se a facilidade de aplicação da lei e de proteção à vítima. No entanto, como já afirmado, a legislação não tem se mostrado o suficiente para coibir a reiteração da prática delituosa, o que demonstra a extrema necessidade de conscientização social.

4.2.1. Estatuto da Criança e do Adolescente como principal referencial de proteção ao menor

Obviamente, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é a legislação destinada à proteção do menor commais visibilidade atualmente. Isso por ser uma legislação específica e de grande repercussão social.

A Lei 8.069, publicada em 1990 foi o resultado de diversas reivindicações de movimentos sociais que apontavam como necessária a previsão de direitos específicos para as crianças e adolescentes. Obviamente, em momentos anteriores à publicação da referida Lei, houveram medidas de proteção aos menores previstas, inclusive, na Constituição Federal de 1988. Porém, uma legislação específica e complexa sobre o tema traz maior segurança ao menor.

O Estatuto da Criança e do Adolescente vem pautado em uma série de princípios e regras que regem diversos aspectos da vida do menor, sendo essa sistemática amparada no princípio da proteção integral, disposto no artigo 1º do Estatuto.162

Tal legislação, num todo, não se restringe tão somente a delimitar a forma de punição do menor em casos de atos infracionais. Há também proteção total aos direitos do infante, por meio de regras e políticas específicas que visam resguardar o menor.

Dessa forma, o ECA deve ser interpretado e aplicado visando sempre os fins sociais a que se destina, tendo consciência de que os menores são pessoas em desenvolvimento, havendo ampla necessidade de tratamento específico na legislação, seja em sua edição ou em sua aplicação.

Um ponto importante trazido pelo ECA é a necessidade de preservação do menor não só pelos pais, mas também por toda a comunidade e pelos órgãos judiciais, de forma que a violência ou abuso contra a criança deva ser evitada por todos e não somente pelos responsáveis legais destas.

O ECA tem sido necessário para implementação e regularização de diversas políticas públicas hoje essenciais para a proteção do infante, trazidas pelos artigos 90 e seguintes do ECA.163

Diante disso, vê-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente se mostrou de grande importância para o avanço da proteção infantil, em todos os aspectos, vez que não se limita tão somente a regularizar situações penais.

O ECA também prevê outras abordagens para o tema, buscando proteção ao menor quanto aos abusos e violências, garantindo saúde, educação e cultura aos menores, além de regularizar a criação de entidade colocadas à disposição do menor para diversas situações.

Percebe-se, portanto, que a edição de um estatuto específico para garantia da proteção ao menor se mostrou de suma importância tendo em vista que as particularidades do tema necessitam de uma abordagem específica, exatamente como o estatuto buscou delimitar.

Com a existência de uma legislação específica sobre o tema, outras Leis puderam ser editadas com o fim de aprimorar o ECA, fazendo com que este se tornasse a mais importante Lei sobre o tema atualmente vigente no Brasil.

O ECA hoje tem previsões expressas aplicáveis a casos reais de pornografia infantil, necessárias para garantir ao menos a punição daqueles que cometerem um delito tão repudiante quanto o narrado. Tais previsões foram inseridas pela Lei 11.829/2008, que buscou combater de forma eficaz a produção, compartilhamento, aquisição, etc. de material pornográfico infantil, especialmente na rede.

A punição atinge diversos aspectos da pornografia infantil, sendo possível a penalização do autor do delito de forma específica e não tão somente se valendo de analogias. Justamente por este motivo o Estatuto da Criança e do Adolescente se mostra uma legislação completa e bastante forte para a proteção do menor.

Um ponto importante trazido pelo ECA é a criminalização da arrecadação da mídia de conteúdo pornográfico infantil. O Artigo 240 do Estatuto prevê, expressamente, a punição de pessoas que captam esse tipo de material, ressaltando diversas ocasiões semelhantes também passíveis de punição.164

Tal previsão amplia as formas de criminalização da conduta de capturar imagens dos menores, sendo necessário ressaltar que o fato de haver consentimento do menor ou, caso ele já tenha se envolvido em casos semelhantes, não exclui o crime, sendo um fato completamente irrelevante para a análise do caso.

Ainda, a norma prevê expressamente o aumento de pena quando o autor do delito utiliza de sua proximidade com o menor para cometer o delito. Tal previsão é de suma importância tendo em vista a quantidade de casos de pedofilia que ocorrem no próprio ambiente familiar, local de mais fácil acesso ao menor.

Também há previsão expressa de delito autônomo o ato de vender ou expor à venda material com conteúdo sexual relacionado a infante. De igual forma, também é delito autônomo o ato de disponibilizar ou adquirir material contendo pornografia infantil. Tais tipos penais específicos são destacados nos artigos 241, 241 – A e 241 – B do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem

I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;

II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.

§ 2º As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1º deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a que se refere o caput deste artigo.

§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:

I – agente público no exercício de suas funções;

II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo;

III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.

§ 3º As pessoas referidas no § 2º deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito referido.

Tais tipos penais são importantíssimos para os casos de violência digital vez que preveem expressamente o compartilhamento da mídia ofensiva como um tipo penal autônomo, o que traz certa segurança jurídica para os casos que envolvam esse tipo de situação.

Isso porque os dispositivos digitais, cada vez mais modernos, de fácil aquisição e ocultação, são meios hábeis de cometimento dos delitos dispostos no Estatuto. Da mesma forma, o sistema digital atual tem acesso facilitado e de grande extensão, logo, necessita de ser regulamentado, já que há extrema facilidade de cometimento de delitos na rede e as consequências são imensuráveis.

Ressalta-se também a punição pelo “mero porte” de material pornográfico bem estabelecido pelo artigo 241 – B do Estatuto. Nesse tipo penal, o simples armazenamento da mídia já pontua a consumação do delito, assim como a posse e a aquisição, não necessitando de outras condutas para ser criminalizado.

Entende-se o chamado “mero porte” como o consumo do material. Dessa forma, um indivíduo que detém em sua posse material pornográfico que expõe menor de idade se mostra como um consumidor de pornografia infantil.

Pela lógica, aquele que consome alimenta o mercado, estimulando a produção e, consequentemente, lesando mais menores de idade. Obviamente, trata-se aqui mais uma vez de pornografia infantil clara, quando se percebe com exatidão que o indivíduo ali retratado se trata claramente de menor de idade e, mesmo assim, o indivíduo opta por manter a posse da mídia.

Dessa forma, verifica-se que o chamado “mero porte” de mídias pornográficas de menores também é tipo penal específico previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, podendo ser devidamente punido, na forma da Lei, vez que ajuda a sustentar um mercado gigantesco de compartilhamento virtual de mídias ilícitas.

Percebe-se que a edição de tais artigos foi pensada tendo como base diversos casos concretos ou possíveis casos, já que delimita várias possibilidades de condutas criminalizadas, não deixando praticamente nenhuma lacuna que necessite, futuramente, de aplicação da Lei por analogia.

Da mesma forma, os artigos 241 – C e 241 – D do ECA dispõem sobre pontos comuns da pornografia infantil na Internet, prevendo punição também para os casos de aliciamento de menores na rede e de manipulação de mídias, práticas extremamente comuns nos crimes digitais.

Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo.

Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;

II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.

Percebe-se que a conduta tipificada no artigo anterior estabelece a punição sem que haja necessidade de prática real de atividade sexual com o menor. Basta a simulação para caracterização do delito, ainda que por edição de imagem ou montagem. Dessa forma, a norma acaba por desestimular qualquer produção de imagens pornográficas que envolvam menores, garantindo, mais uma vez, a integridade mental e moral do infante. Tal delito se mostra na forma dolosa, sendo plenamente admitida a tentativa.

Por conta da necessidade de se preservar o menor, até mesmo a manipulação grosseira da mídia poderá ensejar a aplicação da Lei penal.

Entretanto, o legislador acabou por deixar uma lacuna no artigo 241-D do Estatuto, vez que limita como possível vítima do delito ali tipificado a criança, ou seja, menores de doze anos. Tal entendimento se dá por conta de o artigo 2º do Estatuto afirmar que “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”165, ignorando por completo o adolescente que também pode facilmente ser vítima desse tipo de delito.

Por se tratar de crime de perigo, não há necessidade de ocorrência da prática do ato libidinoso para haver a consumação do delito. Da mesma forma, há várias formas de se “preparar” o ato libidinoso a que o autor do delito tem intenção, cabendo a análise caso a caso.

Vê-se que o ECA não se limitou tão somente a estabelecer os tipos penais específicos, mas também delimitou políticas de proteção e conceitos específicos para garantia de melhor aplicabilidade dos termos impostos no Estatuto.

Para não restar dúvidas a respeito do que estaria sendo tratado nos tipos penais impostos pelo Estatuto e quanto ao alcance da norma proibitiva, fixou-se o artigo 241 – E, que aponta que “para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão ‘cena de sexo explícito ou pornográfica’ compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais”166.

Dessa forma, vê-se que o ECA se mostra muito eficaz, ao menos teoricamente, no que tange à proteção do infante, prevenção de danos, e punição dos agressores de menores.

4.3. Pornografia Infantil como delito de extrema gravidade e de difícil investigação

Independente da legislação existente, de toda a estrutura desenvolvida para a proteção do menor e da vasta tecnologia investigativa, ainda assim o crime de pedofilia na internetse mostra de extrema dificuldade de investigação e os criminosos geralmente são de difícil identificação.

Isso porque o delito é sempre realizado às escondidas, algumas vezes de forma sutil e, que, independente do uso da internet, muitas vezes é cometido dentro do próprio núcleo familiar, o que impossibilita uma investigação e cessação da violência de forma eficaz.

O crime especificamente cometido em ambiente digital tem suas particularidades, tornando o delito, que já é de difícil delimitação, ainda mais complexo.

Conforme já abordado no início deste trabalho, a internet em um todo traz ao usuário certa segurança e a possibilidade de anonimato, necessária para os autores de delitos. Nos casos de pedofilia, tal cenário não poderia ser diferente, já que o anonimato e a segurança pessoal são buscados a todo custo pelos autores de delitos tão rejeitados pela sociedade.

No caso específico na pedofilia, o anonimato é buscado a todo custo, já que os consumidores desse tipo de material em regra se encontram em fóruns na deep web, permitindo a dificuldade de rastreamento.

Além disso, nos fóruns frequentados pelos criminosos, ninguém se conhece pessoalmente e se tratam por apelidos, não sendo possível, dessa forma, estabelecer com certeza quem é aquele usuário determinado, ao menos não sem uma investigação específica e precisa.

No mesmo sentido, tais fóruns permitem que o delito seja cometido em uma rede gigantesca de pedófilos, aumentando e muito a quantidade de autores dos delitos e a extensão dos danos, sendo praticamente impossível rastrear toda a extensão do delito e seus envolvidos.

O contato entre pedófilos constitui também uma maneira de expandir a coleção de pornografia infantil. Os pedófilos comercializam imagens de crianças para completar suas coleções. Eles podem também aprender uns com os outros táticas e estratégias sobre como aliciar crianças, manipulá-las e prepará-las para o contato sexual. Portanto, esse contato é um terreno fértil para que os pedófilos adquiram novos conhecimentos e informações, não apenas sobre como acessar pornografia infantil e expandir suas coleções, mas também sobre como abusar de crianças.167

Justamente por este motivo, diversas operações são montadas, havendo diversas fases e, todas as vezes que se conclui uma investigação, dezenas de pessoas são presas. Não há um fim com a conclusão da operação e, sim, uma diminuição na quantidade de autores dos delitos, permanecendo uma infinidade de outros mantendo a execução dos delitos em diversos locais na web que não foram alcançados pelas autoridades.

O uso da Internet para pornografia infantil produz uma enorme indústria multimilionária em todo o mundo. Acredita-se que existam atualmente 260 mil assinantes internacionais de sites de pornografia infantil. Exemplos recentes, tais como o Wonderland Club, Operação Candyman, Operação Orchid, Operação Avalanche na América e Operação Ore, mostraram em que escala se encontra a pornografia infantil e forneceram uma visão da amplitude e da diversidade de contraventores e de seus comportamentos.168

O número de casos e de materiais compartilhados é alarmante. Não se acaba com o problema do compartilhamento em massa de pornografia infantil tão somente com punição de parte dos executores. É necessária uma abordagem mais específica no sentido de prevenção do delito, de forma eficaz e duradoura.

4.3.1. Pornografia infantil em números

Conforme já apontado, a pornografia infantil em escala mundial atinge milhares de pessoas, sendo que os autores dos delitos fazem parte de uma redegigantesca de compartilhamento de mídias do gênero.

Tão grande quanto a própria rede de compartilhamentos é a quantidade de mídias disponíveis para compartilhamento, tornando impossível a retirada de todo material de pornografia infantil da internet.

Ilustrando tal afirmação, há de se pontuar a ação realizada em 2011 pelo grupo de hackers Anonymous que derrubou o servidor “FreedomHosting” que hospedava quarenta sites contendo pornografia infantil, divulgando nomes de mais de mil e quinhentos usuários. Segundo o grupo, os sites em conjunto somavam mais de cem gigabytes169 de material contendo pornografia infantil disponíveis aos usuários.170

Mundialmente, os dados a respeito da pornografia infantil são alarmantes. De acordo com a SaferNet, em doze anos de atuação, a ONG recebeu 3.925.405 denúncias anônimas envolvendo 701.224 páginas diferentes.

Em 12 anos, a SaferNet recebeu e processou 3.925.405 denúncias anônimas, envolvendo 701.224 páginas (URLs) distintas escritas em 9 idiomas e hospedadas em 94.155 hosts diferentes, conectados à Internet através de 56.416 números IPs distintos, atribuídos para 101 países em 5 continentes. Ajudou 15.983 pessoas em 27 unidades da federação e foram atendidos 2.269 crianças e adolescentes, 1.751 pais e educadores e 11.963 outros adultos em seu canal de ajuda e orientação. Além disso, foram realizadas 570 atividades de sensibilização e formação de multiplicadores de 297 cidades diferentes, 27 estados, contemplando diretamente 22.325 crianças, adolescentes e jovens, 26.570 pais e educadores e 1.345 autoridades, com foco na conscientização para boas escolhas online e uso responsável da Internet. Estas atividades beneficiaram mais de 1.2 milhões de pessoas indiretamente nas ações derivadas.171

Estima-se que haja atualmente mais de um milhão de mídias relacionadas à pornografia infantil em circulação na Internet e, graças à amplitude da rede, torna-se impossível a delimitação exata e a exclusão de todo o material em circulação.172

No Brasil, tal realidade não poderia ser diferente, já que é um dos países com maior quantidade de denúncias de delitos do gênero em todo o mundo. Diante dos números alarmantes, a quantidade de pessoas presas com relação aos delitos é pouco relevante, servindo tão somente para que os demais consumidores de pornografia infantil migrem seus fóruns para outra plataforma.

Tal afirmação pode ser ilustrada pelos dados apresentados pela Safernet que apontam que, no ano de 2016, a Polícia Federal recebeu ao menos 35,6 mil denúncias de delitos do gênero, correspondendo à maior quantidade de denúncias desde o ano de 2011.

Mesmo tendo a chamada “tolerância zero” para casos de pedofilia, a rede social mais indicada nas denúncias foi o Facebook, tendo 4,1 mil páginas cotadas nas denúncias.173

Infelizmente, os números crescem a cada ano, independente da criação de novas legislações ou ampliação das operações de investigação, estando claro que o sistema penal não se mostra eficaz no que tange à prevenção ou solução do delito. E, diante de números tão alarmantes e de um crime tão repulsivo, há de se tomar novas providências e modificar a abordagem adotada, de forma a garantir que cesse ao menos o crescimento anual de casos relatados.

4.4. Exposição de menor a conteúdos impróprios e medidas atuais de precaução

Os recorrentes casos de crimes envolvendo menores na internet cumulados com a repercussão negativa de tal ato fizeram com que a exposição de menores na internet fosse devidamente precavida, sendo alvo de um controle intenso por parte das plataformas digitais.

Atualmente há um rigoroso controle das páginas hospedadas na rede no que tange ao conteúdo disponível e ao acessodas informações ali constantes. Tais controles estão inclusos, em regra, nas políticas de privacidade da plataforma, porém também são aplicadas por meio de controle interno, seja por disponibilização de canais de denúncia ou por monitoramento particular.

Geralmente as páginas que mais fazem esse tipo de controle são as redes sociais. Isso porque são essas páginas que têm um maior tráfego de mídias disponibilizadas pelos usuários, bem como permite a interação facilitada de seus usuários.

Justamente por essa situação, busca-se proibir o acesso de menores em tais redes, restringindo a idade mínima do usuário para dezoito anos, de forma que, ao menos, se garanta que não haverá exposição do menor a conteúdo impróprio ou que este mesmo se exponha na rede, por não ter discernimento necessário quanto aos possíveis riscos.

No entanto, o estabelecimento de idade mínima para o usuário da rede social não se mostra devidamente eficaz, já que tal restrição pode ser facilmente burlada pelo menor. Além disso, mesmo em um ambiente totalmente livre de menores, a troca de materiais pornográficos de menores poderá ocorrer, diante da enorme quantidade de mídias já existentes em circulação.

Outro ponto relevante é a utilização da rede por menor, ainda que em ambientes utilizados especificamente para menores. Por mais que haja controle da plataforma e acompanhamento dos responsáveis, ainda assim a criança inserida no ambiente digital poderá ser exposta a conteúdos impróprios, seja por um erro de programação ou por um momento de desatenção dos responsáveis, motivo pelo qual se leva a crer que o menor jamais estará integralmente protegido no ambiente digital.

Conforme já tratado anteriormente, há normas penais específicas para o caso de exposição ao menor de conteúdo pornográfico ou que alicie o infante. Ou seja, pune-se o responsável pela exposição de conteúdo indevido ao menor quando este se trata de mídia com conteúdo sexual.

Porém, há diversos casos em que o conteúdo se encontra disponível, sem ter sido necessariamente colocado à disposição do infante por uma pessoa determinada, dificultando a caracterização do delito.

Temos como exemplo anúncios de páginas impróprias que, por questões de programação, acabam sendo vinculadas às páginas que, por ventura, o menor esteja acessando.

Além disso, há diversas páginas que têm a possibilidade de uso de “bate papo” entre usuários, possibilitando a interação do menor com pessoas desconhecidas com vasta experiência em aliciamento de menores, o que pode trazer consequências graves e talvez irreversíveis.

Dessa forma, verifica-se que a restrição de idade dos usuários jamais será a medida mais eficaz de proteção ao menor na Internet sendo, mais uma vez, apenas uma forma de diminuir pontualmente as ocorrências.

A proteção do menor no ambiente digital somente é possível com acompanhamento atento dos responsáveis quanto ao conteúdo acessado pelo menor, bem como a devida instrução e conscientização do menor quanto aos riscos que este sofre no ambiente digital.

Sobre a autora
Vanessa Braga Curiel

Advogada especialista em Direito Penal e Processual Penal, Direito Digital e Pós Graduanda em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CURIEL, Vanessa Braga. Crimes digitais: o crime de pornografia de vingança e pornografia infantil na internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5983, 18 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77892. Acesso em: 22 nov. 2024.

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