4. CONCLUSÃO
De acordo com a interpretação dada à bibliografia deste artigo, considera-se que previamente à discussão sobre a descriminalização do aborto, faz-se necessário pensar o direito à educação sexual, a incidir principalmente na parcela de maior vulnerabilidade da população, que não tem acesso tanto ao ensino adequado de periodização do ciclo menstrual e das formas de prevenção à gravidez, quanto ao recebimento de métodos anticonceptivos e suporte à saúde.
Mesmo que o sistema mundial de computadores e o acesso à informação tenham se propagado, não se deve pressupor que esse acesso seja possível a todas as pessoas, ou mesmo que haja qualidade nessas informações acessadas, no que diz respeito à sexualidade e à reprodução. Nem permitir que a regulação e controle sobre as mulheres continue materializando e implicitamente justificando a criminalização do aborto, seja por questões de autonomia, seja por questão de saúde pública.
Retomando o que foi dito, a educação sexual atravessa, inclusive, a existência dos casos de estupro de crianças e adolescentes no ambiente familiar, uma vez que, diante da ausência de informações adequadas sobre o funcionamento do próprio corpo e as fases da sexualidade, ficam sujeitas a abusos que podem culminar em uma gravidez precoce e indesejada, que afeta não só a vida da gestante e dos familiares, mas também a estrutura de toda uma sociedade.
Portanto, por ser um direito social que propõe-se a igualar e salvaguardar as pessoas através da educação, o ensino sexual deve se aplicado nas escolas, em cumprimento às determinações da Constituição, bem como da Convenção Americana de Direitos Humanos e do ECA, para informar as crianças e os adolescentes, evitando gravidezes indesejadas, apresentando-lhes métodos contraconceptivos, demonstrando todos os riscos de uma relação sexual sem proteção, protegendo-os das possibilidades de assédio e estupro, pelo autoconhecimento do corpo.
Avançando à face jurídica da descriminalização do aborto, pela fragilidade da educação sexual oportunizada no Brasil e pela existência de situações que a ultrapassam, como nos caso de anomalias (falhas dos métodos anticonceptivos), de estupros e dentre outros, é imperativo destacar que, já nessas circunstâncias, deve ser possibilitado e efetivado às mulheres o direito ao aborto seguro, estruturado e amparado física e psicologicamente. Contudo, o direito ao aborto permanece sobremaneira condicionado à atuação do Poder Judiciário, marcada pela ausência de entendimento pacífico e pela morosidade dos procedimento nos tribunais brasileiros.
Por esses motivos, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou a ADPF nº 442, buscando, por via judicial, descriminalizar o aborto. Ocorre que na arguição, a decisão tem eficácia ampliada em relação aos demais meios de controle abstrato, em face dos efeitos vinculantes, retroativos ou não, e abrangendo os demais órgãos do Estado. Desse modo, a decisão implica em determinar ao Poder Público que se adeque a futuros procedimentos, desde uma equipe técnica para realizar o procedimento do aborto, até leitos para posterior recuperação da mulher.
Isto posto, um debate público a ser realizado pelo Congresso Nacional, analisando a possibilidade da descriminalização do aborto, conjuntamente com a elaboração dos planos de políticas públicas para a consubstancialização deste direito, seria uma discussão mais interessante, qualificada e democrática do que uma decisão judicial de um Poder que não tem competência e legitimidade para tanto.
Desta maneira e diante de tudo que foi exposto, o reconhecimento político das mulheres e a reconquista de sua existência, consciência e liberdade têm de ser basilares ao Estado Democrático de Direito brasileiro. Como implicação, deve o Estado investir na educação sexual das crianças e adolescentes, proporcionar os métodos de vivência sexual e planejamento reprodutivo, e admitir o direito das mulheres de decidir e de ter direitos, pela descriminalização do aborto, em um movimento de resgate da humanização das mulheres.
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