Trata-se de contrato bilateral, oneroso, comutativo e de duração continuada, onde o contratante (aluno) firma um pacto com a prestadora de serviço (instituição de ensino) para que através de seus professores possam transferir conhecimento e informações importantes, visando o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício profissional da cidadania e sua qualificação para o trabalho, nos termos do art. 205 e seguintes da CF/88.
Com as determinações impostas pelos entes públicos, que restringe a circulação de pessoas com a finalidade de evitar o surto da epidemia do Covid – 19, quase que a totalidade dos Estados e Municípios suspenderam as atividades acadêmicas e educacionais por prazo indeterminado, ou através de fixação de termo futuro, mas possivelmente incerto.
Diante da ausência da efetiva prestação de serviço ou da sua redução, ou ainda da prestação de forma diversa da pactuada, surge a seguinte indagação: Como fica a relação contratual entabulada? Existe obrigatoriedade do pagamento? Existe possibilidade da redução dos valores das mensalidades? Pode haver rescisão do contrato por uma das partes sem pagamento de multa contratual?
Essas perguntas devem ser respondidas com base na legislação vigente. Sendo certo que se trata de situação atípica não prevista de forma específica, mas pode através da utilização da interpretação sistemática do sistema jurídico brasileiro, principalmente das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil pode-se achar uma saída para questionamentos tão complexos.
Pois bem, em primeiro lugar é factível aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de Ensino, haja vista que o prestador de serviços educacionais encontra-se devidamente enquadrado na condição de fornecedor nos termos do art. 3º, bem como o aluno também se enquadra na qualidade de consumidor do serviço, conforme denota-se da dicção contida no art. 2º do mesmo caderno normativo.
Nesse diapasão, deve-se trazer a lume que segundo a Doutrina majoritária, o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria do Risco do Empreendimento, a qual determina que o fornecedor ai ingressar no mercado de consumo deve assumir os riscos decorrentes de sua atividade econômica, a qual também decorre da Responsabilidade objetiva, entretanto, devendo ser mencionado que a responsabilidade objetiva é decorrente do próprio exercício da atividade econômica, e não do risco integral, podendo, portanto, a responsabilidade ser excluída em caso de comprovação de caso fortuito ou força maior.
Essa noção introdutória serve apenas para esclarecer a condição de fornecedora da instituição de ensino e a aplicação do CDC, mas também para deixar claro que a responsabilidade da instituição de ensino comporta restrições, sendo certo, que o caso fortuito e a força maior são excludentes de responsabilidade, uma vez que rompe o nexo causal.
Nesse contexto, resta clarividentemente demonstrado que a suspensão da prestação do serviço não decorreu única e exclusivamente de ato praticado pelas instituições de ensino, mas sim de uma situação atípica, epidêmica, que atingiu vários continentes, podendo, portanto, ser enquadrada como uma situação de caso fortuito ou força maior, dependendo da conceituação doutrinária, o que por si só, afastaria qualquer responsabilidade contratual de instituição de ensino prestadora de serviço.
Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º prevê como direitos básicos do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Notadamente, tal dicção contida no CDC, traduz a possibilidade do consumidor requerer a modificação das cláusulas contratuais sempre que em decorrência de fatos supervenientes, as obrigações inicialmente pactuadas se tornem excessivamente onerosas.
Não há dúvidas, que passa a surgir a partir de então um conflito de interesses, primeiramente da contratante em exigir o cumprimento do contrato com o pagamento das mensalidades normalmente, e em segundo plano o direito do consumidor de buscar uma revisão das cláusulas contratuais decorrente dos fatos supervenientes, uma vez que o surgimento da Covid-19 impactou tanto o comércio, bem como os consumidores que estão impedidos de trabalhar, e logicamente de auferir renda para o cumprimento tempestivo de suas obrigações creditícias, atrelado ainda à ausência de efetiva prestação de serviço pelo contratado, ou pela sua prestação de forma descontínua ou diversa da inicialmente pactuada.
Ocorre que diversos PROCONS passaram a emitir opiniões no sentido de que deve ser mantido o cumprimento integral do contrato pelo consumidor, com o pagamento integral das mensalidades, tendo em vista que o custo com atividade, professores e demais despesas continuariam sendo mantidas, não justificando assim a suspensão do contrato ou abatimento nos valores pagos.
Entretanto, analisando a legislação vigente, verifica-se que a posição que vem sendo tomada pelos PROCONS possui uma natureza prioritariamente política, até mesmo, levando em consideração a situação atual do país, que busca a redução do número de desempregos diante da pandemia, do que uma posição eminentemente jurídica, haja vista que diante da bilateralidade da relação contratual, tem que se observado o direito de ambas as partes.
Pois bem, com base na legislação vigente, da mesma forma que as instituições de ensino não são responsáveis pelo evento (epidemia), o consumidor também tem o direito de rever as cláusulas contratuais, e bem mais que isso, buscar, inclusive, a sua rescisão com base no art. 478 do Código Civil que prescreve:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Por outra via, as Instituições de Ensino pode evitar a ocorrência da rescisão do contrato a partir da flexibilização das regras contratuais, podendo modificar equitativamente as suas condições para o fim de adequá-lo a situação atual, conforme prescreve o art. 479 do Código Civil:
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Diante das informações traduzidas, conclui-se com muita facilidade que o evento epidêmico não altera a relação contratual entabulada, pelo fato de que não existe responsabilidade da instituição de ensino pelo evento danoso, permanecendo, desta forma, a obrigação de pagamento.
Entretanto, o que deve ser discutido entre a instituição de ensino e o aluno, ora consumidor, é a relativização das cláusulas contratuais, com objetivo de equilibrar a relação jurídica, uma vez que na maioria das vezes o serviço não está sendo efetivamente prestado, está sendo prestado de forma reduzida ou ainda de forma diversa da pactuada no contrato, o que pode ocasiona, o desequilíbrio contratual e o enriquecimento sem causa por uma das partes.
Logo, a melhor saída para evitar rescisões contratuais indesejadas nesse período de crise é o consenso entre os contratantes, com a finalidade de revisar as cláusulas contratuais buscando equilibrar o pacto inicialmente firmado, tendo como fundamento a ocorrência dos acontecimentos imprevisíveis e extraordinários decorrentes da epidemia mundial, até que a rotina normal seja restabelecida.