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Covid-19: como lidar com os impactos sobre os contratos

Agenda 22/05/2020 às 09:15

Consideram-se os impactos negativos provocados pela pandemia do coronavírus no universo dos contratos privados e examinam-se as possíveis alternativas de mitigação.

Índice: 1. Introdução. 2. Impactos econômico-sociais nos contratos. 3. Possíveis formas de lidar com os impactos da crise sobre os contratos. 3.1 Tentativa de preservação: novação e aditamento. 4 Conclusão


1. Introdução

Nos últimos meses, o mundo tem enfrentado uma ameaça silenciosa que tem causado severos danos à humanidade. Estamos falando da pandemia do coronavírus, que, à medida que se espalha e se intensifica, agrava os seus efeitos colaterais, dentre os quais estão: a superlotação de hospitais públicos e privados, impactos na gestão da saúde, da economia, e, mais grave, a perda de milhares de vidas humanas.

Antes de qualquer discussão ou reflexão, deixamos aqui o pedido para que o leitor deste artigo fique em casa até que as autoridades de seu município ou estado determinem o fim ou flexibilização do distanciamento social.

Dito isto, abordaremos de forma prática e simplificada possíveis formas de lidar com a dificuldade ou impossibilidade de cumprir os contratos de duração em que você tenha de desempenhar uma determinada atividade ou desembolsar alguma quantia, em razão de impactos que você possa ter sofrido diante da crise econômica e social ocasionada direta ou indiretamente pela pandemia da covid-19.


2. Impactos econômico-sociais nos contratos

Além do impacto na saúde global, a pandemia de coronavírus trouxe efeitos negativos diretos e indiretos para a economia e a sociedade, obrigando os governos de diferentes países ao redor do mundo a determinarem medidas de isolamento e distanciamento social, a fim de evitarem o colapso de seus sistemas de saúde e a perda de mais vidas humanas. Tais medidas estão respaldadas no entendimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) baseado em diversos estudos, com destaque aos estudos divulgados pela Imperial College London, renomada universidade inglesa que vem acompanhando o avanço do coronavírus ao redor do mundo.

Aqui no Brasil, as medidas de isolamento e distanciamento geraram expressiva redução da demanda por bens e serviços, conforme informações da Confederação Nacional da Indústria e da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Essa redução de demanda determina o maior grau de endividamento das empresas, que passam a consumir seus caixas de forma mais intensa, sem que tenham receitas suficientes para recompô-lo, o que redunda na dispensa de empregados, e no aumento do nível de desemprego. O desemprego de fato já sofreu elevação conforme dados do IBGE divulgados em 31 de março de 2020.

Esse cenário econômico, que está atingindo de maneira negativa as finanças de famílias e empresas, diminui a capacidade de cumprimento dos contratos de duração (isto é, aqueles que se prolongam no tempo), tais como os contratos de financiamento bancário, de prestação de serviços, de locação, de consumo, contratos comerciais, entre outros.

Nesse contexto, com o aumento da inadimplência, há uma tendência geral de aumento dos conflitos, e, consequentemente, dos processos judiciais a eles relacionados.

A seguir abordaremos alternativas que podem auxiliar a reequilibrar as relações contratuais ou distribuir o riscos e prejuízos, a fim de minimizar os conflitos, dar estabilidade às relações, e assim preservar os contratos, permitindo maior segurança e previsibilidade na retomada econômica.


3. Possíveis formas de lidar com os impactos da crise sobre os contratos

Em geral, por meio do contrato duas ou mais pessoas se obrigam reciprocamente a fazer ou não fazer determinada atividade, entregar determinada coisa, ou pagar uma quantia em dinheiro, em troca de uma contraprestação, que também pode ser uma atividade, a entrega de uma coisa, ou o pagamento de quantia.

Os contratos de duração são aqueles que se prolongam no tempo, seja porque as obrigações se renovam no tempo, seja porque se dão em prestações periódicas, ou porque suas obrigações apenas deverão ser cumpridas em momento futuro. Esses contratos, particularmente, são bastante afetados pelas variações sociais e econômicas que ocorrem ao longo de seu prazo de duração, podendo passar a representar benefício de um contratante em prejuízo do outro, benefício somente a um dos contratantes, ou prejuízo aos dois.

Imagine-se, por exemplo, a situação de um produtor de tomates que possui um contrato de compra e venda de safra com um grande complexo industrial, e que, por ocasião de fortes chuvas ou estiagem não tenha conseguido entregar a quantidade combinada.

Nessas situações, recomenda-se a elaboração de um contrato bastante detalhado e flexível, estabelecendo regras de calibragem para distribuir os riscos de eventos como esse, ainda que faltando essas regras no contrato, seja possível recorrer às regras gerais do Código Civil para ajudar na resolução dessa questão.

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Saindo desse exemplo, e buscando tratar de situações em que ainda não houve um dano, preparamos uma série de alternativas práticas a fim de ajustar os contratos para que você não fique inadimplente, ainda que não tenha capacidade de cumpri-los exatamente como estão disciplinados hoje.

3.1 TentatiVa de preservação: novação e aditamento

Para aqueles que possuem interesse em manter determinado contrato em vigor, mesmo diante desse cenário de crise, uma boa alternativa é buscar a renegociação por meio do estabelecimento de uma série concessões recíprocas. Afinal muito melhor se antecipar a uma briga judicial, evitando perda de tempo e dinheiro no pagamento de custas processuais e contratação de advogados para acompanhamento da demanda.

Ainda que a contratação de advogado seja fundamental na renegociação do contrato, certamente é muito menos custosa do que a contratação deste posteriormente para defesa e acompanhamento de um processo.

A) Novação

Novação é o nome utilizado em direito para designar o fenômeno pelo qual contrato e suas obrigações são extintos, em razão da substituição por outro contrato em outras condições. Assim, a novação substitui uma dívida velha por uma dívida nova, e, dessa forma, é muito usada nas relações estabelecidas por contratos financeiros.

Essa medida pode ser útil para quem já tiver um contrato financeiro vigente, e passe a ter dificuldade de pagá-lo em razão da crise. A medida pode ser vantajosa também, já que os bancos vêm concedendo carência de até 90 dias para que você inicie o pagamento do empréstimo.

Assim, seria possível contratar uma dívida nova, encerrando e substituindo a antiga, e iniciando a pagá-la em 90 dias da data que celebrou a novação. Esse procedimento é normalmente denominado refinanciamento.

Obs: preste muito atenção às cláusulas e aos cálculos realizados para determinar o novo valor refinanciado para evitar sofrer prejuízos. A contratação de um advogado pode ser recomendada.

B) Aditamento

O aditamento consiste na alteração ou substituição de condições e obrigações específicas do contrato primitivo, sem que com isso haja um novo contrato.

No contexto atual, o aditamento dos contratos pode ser usado para permitir um reequilíbrio das obrigações. Assim, algumas alterações (que não esgotam todo o universo de hipóteses que se limita somente à capacidade de imaginação) possíveis são as seguintes, podendo ser utilizadas conjunta ou isoladamente:

B.1. Suspensão do contrato por determinado prazo

Essa medida pode ser ajustada a fim de desobrigar os contratantes ao cumprimento do contrato por determinado prazo, sem que isso configure descumprimento contratual.

Exemplo: Se o seu comércio está fechado e você tem um contrato de fornecimento ou abastecimento vigente com seu fornecedor, pelo qual você se obrigou a adquirir um determinado volume de produtos ou mercadorias, é possível usar essa medida para garantir que o contrato com seu fornecedor continue vigente e você se desobrigue temporariamente de adquirir os produtos ou mercadorias e seu fornecedor de entregá-los.

Nota-se do exemplo que a medida serve tanto para quem for o comprador quando para quem for o fornecedor, independendo de quem seja a iniciativa de propor o ajuste.

B.2. Redução do volume de produtos ou serviços com redução proporcional do preço

Essa medida pode ser extremamente útil naqueles contratos em que há a obrigação de entrega ou aquisição de determinada quantidade de produtos ou realização de serviços em determinado volume.

Obs: é possível, ainda, criar uma cláusula que permita o restabelecimento do volume inicialmente acordado após a superação da crise, com aumento gradual a fim de recompor o montante de produtos e serviços que foram reduzidos temporariamente.

Exemplo: no contrato pelo qual A esteja obrigado a entregar 500 engradados de refrigerante por mês a B, e B esteja obrigado a adquiri-los de A, pode ser estipulada a entrega de 100 engradados de refrigerante por 2 meses, sendo entregues e pagos 650 engradados no mês 3, 800 engradados no mês 4, e 950 engradados no mês 5 (assim, a quantidade que seria entregue inicialmente em 5 meses mantém-se a mesma).

B.3. Redução temporária de preço, e aumento subsequente do preço a fim de absorver o desconto concedido

Essa medida muito se assemelha à lógica utilizada no exemplo acima, e consiste em reduzir o preço pago (desconto) por determinado prazo definido pelos contratantes, e posterior aumento de preço nos meses subsequentes para compensar os descontos concedidos.

Pode ser útil na manutenção dos contratos de locação vigentes, em eventual situação de dificuldade enfrentada pelo inquilino (perda de emprego, fechamento de seu comércio, etc).

Vale dizer, melhor manter receber menor valor temporariamente do não receber nada ou ficar com o imóvel desalugado.

Exemplo: A aluga um imóvel a B por R$ 2500,00. B é demitido, tem a jornada de trabalho e salário reduzidos proporcionalmente, ou seu negócio passa por problemas em razão das medidas de distanciamento social. Seria possível aditar o contrato para prever a redução do valor da locação durante 3 meses em 50%, findo os quais o valor do aluguel passaria a ser de R$ 2916,66 pelos 9 meses seguintes, devolvendo-se, assim, o desconto concedido durante os 3 meses.


4. Conclusão

É importante destacar que a aplicação dessas medidas depende da negociação com o outro contratante. Se está em dificuldades não tenha receio ou vergonha, afinal todos estamos solidarizados em torno do mesmo sofrimento e causa, e, portanto, há boas chances de se chegar a um bom termo.

Por fim, é recomendada a formalização do novo combinado a que você e o outro contratante chegaram por escrito, a fim de garantir a prova da existência desse novo combinado. Recomenda-se também a contratação de um advogado para negociação e garantia da adequada redação.

Sobre o autor
Daniel Oliveira

Advogado graduado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, autor do site Direito e Sociedade (direitoesociedade.com), atuante nas áreas consultiva e contenciosa em direito civil contratual, empresarial e imobiliário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Daniel. Covid-19: como lidar com os impactos sobre os contratos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6169, 22 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80892. Acesso em: 21 nov. 2024.

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