A pandemia provocada pelo coronavírus ultrapassa as questões de saúde pública alcançando a nossa economia deixando nefastos reflexos.
Dia a dia desnuda-se diante dos nossos olhos um caos sem precedentes dado o isolamento social que é imposto à sociedade como única alternativa para combater a disseminação do vírus letal.
É desolador ver ruas e avenidas vazias e as portas das lojas cerradas, fábricas com suas linhas de produção paralisadas e muitos trabalhadores com férias coletivas concedidas e levando consigo a incerteza da continuidade de seus empregos. O vírus não é apenas letal à vida humana, mas também à sanidade da sociedade e à economia ao conduzir à falência múltipla, submetendo à atividade empresarial a um teste de sobrevivência em condições extremas.
Os entes federativos, por precaução, e seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), implantaram a chamada “quarentena horizontal” determinando o fechamento de shoppings centers, restaurantes etc., restando funcionando, precariamente, as poucas atividades consideradas essenciais. O consumo retraiu, a economia se estagnou e comprometeu as operações das empresas. Assim, com pouca (ou nenhuma) receita, a manutenção dos estabelecimentos é desafiador.
Com os parcos recursos em caixa e sem conseguir vislumbrar o que acontecerá no futuro próximo, diariamente os empresários têm de escolher entre quais despesas deve direcionar seus esforços, seja para o pagamentos dos alugueis, fornecedores, impostos ou o salário dos pais e mães de família que estão nas folhas de pagamento de suas empresas, decisões que, dentro da ciranda do mercado, provoca consequências inimagináveis.
Sob a ótica dos princípios constitucionais tributários, é possível asseverar que as empresas estão com a capacidade contributiva[1] comprometida e por consequência não conseguem, momentaneamente, arcar com o recolhimento dos tributos na forma da legislação tributária, e diga-se mais, não enxergar esse momento e exigir a todo custo o tributo representa a odiosa prática do confisco[2], vedada pela Carta Maior.
Assim, diante deste lamentável quadro, é necessário se buscar alternativas legais para socorrer os contribuintes e, sobretudo, a atividade empresarial patrocinadora da maciça geração de emprego e renda.
Pondere-se também que a deplorável retração econômica decorre de fato provocado pela própria administração pública (Principis factum) quando, por não haver outra opção, determinou o fechamento geral do comercio e da indústria na tentativa de conter a disseminação do Covid-19.
No último dia 20/03 o Congresso Nacional reconheceu o inédito estado de calamidade pública da União Federal, através do Decreto legislativo n 06/2020. De mais a mais, todos os 26 Estados e o Distrito Federal também decretaram calamidade pública e quase todos municípios no mesmo caminho.
O estado de calamidade pública retrata uma nítida situação de evento furtuito que reclama providências excepcionais do Estado. Para atender a esse tipo de situação extraordinária é que foi concebida no ano de 2012[3] a Portaria de número 12 pelo Ministério da Fazenda autorizando a prorrogação dos prazos para pagamentos de tributos federais, inclusive quando objeto de parcelamento, norma editada considerando a prerrogativa concedida pelo art. 66 da Lei 7.450/1985[4].
Nos termos da Portaria Ministerial, em vigor, deve ser concedida a moratória, ou seja, a prorrogação dos vencimentos, sem juros e multa, das obrigações tributarias dos sujeitos passivos domiciliados em municípios atingidos por calamidade pública reconhecido pelo Estado devendo ser prorrogado até o último dia útil do terceiro mês subsequente, inclusive quando se tratar de débito tributário parcelado. Para tanto, estabelece que a RFB e a PGFN[5] expedirão, nos limites de suas competências, os atos necessários para a implementação.
Argumente-se que o prejuízo pela não concessão dos benefícios implica numa série de prejuízos que vão desde o pagamento dos encargos moratórios em razão da inadimplência; a possível perda da Certidão de regularidade fiscal que inviabiliza a tomada de empréstimos junto aos bancos oficiais, bem como a impossibilidade de participar de licitações e ainda, conforme decidido no final do último ano pelo STF, poderá o empresário ser denunciado pela pratica de crime contra a ordem tributária prevista no art. 2º, II da Lei 8.137/90[6], que prevê pena de até 2 anos por deixar de recolher aos cofres públicos tributo regularmente declarado. Como vê, “depois da queda o coice”.
Ocorre que, mesmo diante deste cenário, em que pese a autorização da portaria ministerial, ainda não foi expedido nenhum ato da RFB e da PGFN para que os contribuintes possam fruir dos benefícios.
A multicitada portaria possui todos os elementos necessários e, portanto, é auto executável, bastando a RFB e a PGFN tão somente regulamentar à sua própria estrutura, nos limites de as suas competências, atos necessários à implementação de forma a recepcionar e acompanhar os pedidos dos contribuintes - A omissão viola direito líquido e certo dos Contribuintes de um direito já reconhecido.
Com feito, o momento exige providencias para amparar os contribuintes afetados concedendo a moratória dos tributos federais, medida adequada sob o ponto de vista dos direitos fundamentais que esteiam a nossa carta política, sobretudo, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais e da livre iniciativa.
Assim, estando preenchidos os requisitos na portaria MF 12/2012, é direito dos contribuintes a moratória tributária, ou seja, a postergação dos vencimentos dos tributos federais sem juros e multa, sendo o Mandado de Segurança o remédio adequado para obstar a indigitada lesão.
Notas
[1] Art. 145 § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
[2] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
[3] Art. 1º As datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, ficam prorrogadas para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente. § 3º O disposto neste artigo aplica-se também às datas de vencimento das parcelas de débitos objeto de parcelamento concedido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela RFB.
[4] Art 66 - Fica atribuída competência ao Ministro da Fazenda para fixar prazos de pagamento de receitas federais compulsórias.
[5] Art. 3º A RFB e a PGFN expedirão, nos limites de suas competências, os atos necessários para a implementação do disposto nesta Portaria, inclusive a definição dos municípios a que se refere o art. 1º.
[6] Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.