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Alterações da Lei n. 9.099/95 - juizados especiais - pela Lei n. 13.994/20 para prever a possibilidade de conciliação não presencial:

análise crítica dos aspectos práticos e de acesso à Justiça

Quais os benefícios e dificuldades instituídos pela adoção de conciliações não presenciais? Qual o impacto na população à margem da inclusão digital e dos recursos de mídia? Como será a implementação das soluções técnico-jurídicas e tecnológicas?

A Lei nº 13.994, de 24/04/2020 altera a Lei nº 9.099/95, para incluir o parágrafo segundo do art. 22 desta Lei, prevendo a possibilidade de conciliação não presencial nos Juizados Especiais Cíveis (JECs) e modifica a redação do art. 23, da mesma Lei.

A parte modificada consta do Capítulo II da L. 9.099/95, o que exclui as matérias criminais.

Dito isso, nos ateremos à conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e ao impacto das mudanças, a fim de conferir maior celeridade ao andamento processual dos juizados especiais no âmbito da Justiça Estadual, em prol dos princípios explicitados no art. 2º da Lei, quais sejam: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e composição.

Nesse ínterim, outro fundamento norteador dos Juizados é o princípio da alçada (insculpido no art. 3º da Lei), na forma dos critérios “de causas cíveis de menor complexidade”, o qual motiva a solução interpessoal e a disposição dos direitos pleiteados (e resistidos) para estabelecer a possibilidade de haver a conciliação de forma não presencial no âmbito dos JECs.

Segundo as alterações da Lei dos Juizados, a conciliação poderá ser conduzida mediante emprego de recursos tecnológicos de transmissão de sons e imagens em tempo real, continuando a obrigar (conforme o antigo parágrafo único, agora §1º, do art, 22 da Lei) a redução a termo (por escrito) do resultado da tentativa, doravante, com inclusão dos anexos pertinentes, mormente ainda existirem processos físicos.

Note-se que o CPC já previa atos remotos (por meio virtual) em diversas ocasiões, como: art. 385, § 4º (sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real); art. 449, parágrafo único (inquirição de testemunhas); Art. 453, § 1º (oitiva de testemunha); Art. 460 (depoimento por meio de gravação) e Art. 937, § 4º (sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real). Todas essas possibilidades poderiam ser sido implementadas de forma subsidiária no rito sumaríssimo.

Contudo, chamo a atenção para três pontos chaves.

O primeiro, quanto aos recursos tecnológicos, não leva em conta o acesso a esses ditos recursos, nem considera a crescente necessidade da inclusão digital que afeta as camadas mais humildes da sociedade, as pessoas com baixa escolaridade e os idosos, por exemplo, que terão dificuldade de utilizar essas ditas “facilidades”.

Ainda, quanto à padronização da plataforma a ser empregada e popularização do acesso às ferramentas de hardware e software, as quais, claramente, não estão ao alcance de todos. Veja que as atas das audiências são, em regra, assinadas pelas partes e seus advogados, o que não foi considerado no projeto da referida Lei ou nas soluções atualmente existentes.

Uma solução temporária e, até o momento, bem-sucedida é a Plataforma Emergencial de Videoconferência para a realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos do Poder Judiciário, instituída pela Portaria Nº 61, de 31/03/2020, mas que tem vigência de apenas noventa dias prorrogáveis por até igual período, com base na Resolução nº 314, de 20/04/2020.

Essa plataforma em conjunto com o PJe Mídias (conforme Resolução Nº 105, de 06/04/2010), soluciona boa parte das demandas práticas do métier jurídico, tais como: segurança na transmissão de dados; gravar as audiências em formato MP4; possibilitar (ao julgador) assinatura digital de documentos, sincronizá-los e permitir acesso deles pelas partes; participação dos advogados por meio dos “escritórios digitais” (inclusive via celular, p.e.). salientando que o processo não precisa estar na plataforma do PJe, além de servir tanto para conciliações, quanto para instrução e julgamento.

Esses aspectos não serão empecilho para litigantes habituais, mas poderão consubstanciar para os hipossuficientes e, ao ver da nossa equipe, devem ser mais uma opção e não outra regra. A parte que se sentir prejudicada pela necessidade de acesso remoto deve ter a faculdade de fazer a conciliação presencial, possibilitando, assim, o afastamento do novel art. 23 da L. 9.099/95, que menciona “recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial”.

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Em tempos de isolamento social, também não é uma solução eficaz, porquanto as partes têm o direito de serem assistidas por advogados e teriam, assim, que se deslocar até o escritório ou receber o patrono em sua casa ou outro lugar em comum.

O segundo, ser em tempo real, leva à necessidade de uma transmissão de dados robusta, rápida, estável e segura, que pressupõem serviço diferenciado e longe da realidade de uma parte esmagadora da sociedade mundial, assim como no Brasil, que não têm acesso a equipamentos, infraestrutura e recurso financeiro para custear esses recursos tecnológicos.

O terceiro, se refere à redução a termo e traz questões práticas muito sérias, pois é comum o advogado solicitar a retificação da ata ou que faça constar algo relevante ao regular andamento do processo, violação de direito do cliente ou ponto relevante para apreciação do julgador ou dos revisores da decisão. Um expediente comum de proteção dos direitos do assistido (as partes, autor e réu), bem como das prerrogativas do advogado, é a recusa de assinatura da ata, o que pode ser deliberadamente dispensada para enfraquecer essas garantias.

Some-se a isso a questão de o juiz proferir sentença caso o demandando (réu) se recuse a participar da tentativa de conciliação não presencial, tal como já se observava antes, quando o juiz é autorizado a proferir a sentença se o demandado não comparecer à conciliação.

Obviamente, não se trata da mesma coisa. Não comparecer à conciliação presencial pressupõe descaso; na hipótese da audiência virtual, podem advir de questões técnicas e de infraestrutura e penalizar a parte é transferir do Estado Juiz para o cidadão o ônus de manter esses aspectos. Por isso, não pode ser de forma impositiva sem que o Judiciário forneça os meios de acesso.

Quando falta luz no fórum ou quando “o sistema cai”, não há consequências que penalizem as partes, mas se por uma condição social o réu não puder sair de casa em uma comunidade conflagrada ou isolada por questões como enchentes ou falta de transporte público, se o fornecimento de energia no local em que a parte tenha acesso à audiência remota (lan house, em casa, no escritório de seu patrono etc.), disso tudo, poderá advir injustas consequências e limitação ao acesso à Justiça.

Nesse aspecto, não fica afastada a aplicação do art. 20 da Lei dos Juizados, a qual prevê que: “não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz”, uma conseqüência demasiadamente severa e prejudicial.

Outro fato que não foi levado em consideração pela referida lei foi a questão prevista no art. 9º da Lei 9099/95, causas com valor inferior a 20 (vinte) salários mínimos em que as partes não estão assistidas por advogado, como tal questão será resolvida? Nas ações que já estão em curso, como o autor será notificado acerca da conciliação online? Como será explicitado e disponibilizado a ele tal sistema?

Embora o Judiciário não possa parar e tenha que se adaptar às questões trazidas pela covid-19, por exemplo, a utilização de tais recursos ajudará a continuidade dos serviços, mas será que garantirá o direito constitucional de acesso à Justiça?

Outro ponto a ser confirmado é o uso da plataforma tanto nos casos de convolação (transformar um ato em outro) das audiências conciliatórias, quanto nas audiências unas, de forma a evitar a obrigatoriedade de realização de duas audiências, o que traria mais morosidade ao processo, uma vez que essa já é uma realidade vivida em grande parte dos juizados especiais cíveis, ao menos os da capital do Rio de Janeiro e suas regionais.

Vencidos todos esses pontos primários, há que se admitir o fato de as modernas tecnologias hoje existentes já serem largamente utilizadas para efetivar a celeridade da prestação jurisdicional. Nesse sentido, a implementação da audiência virtual no âmbito dos JECs, com intuito de realizar as conciliações não presenciais, é bem-vinda.

Sobre os autores
Rafael Joubert de Carvalho

Advogado, MBA em Gestão Empresarial, Síndico profissional.

Paloma Pires

Advogada, Pós-graduada em Direito Civil, Pós-graduada em Processo Civil, Extensão em Direito Público e Privado junto à Fesudeperj

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Rafael Joubert; PIRES, Paloma. Alterações da Lei n. 9.099/95 - juizados especiais - pela Lei n. 13.994/20 para prever a possibilidade de conciliação não presencial:: análise crítica dos aspectos práticos e de acesso à Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6147, 30 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81634. Acesso em: 24 nov. 2024.

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