Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Com o advento da lei do pacote anticrime (Lei federal n. 13.964/2019), qual o verdadeiro prazo de conclusão do inquérito policial com investigado preso?

O art. 3º-B, §2º, do CPP está com a eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, apesar de sua proposta louvável.

A discussão é se a lei do pacote anticrime manteve o prazo em 10 (dez) dias, ampliou para o 15 (quinze) dias ou se teríamos a dualidade de prazos para finalização de procedimento policial com investigado preso no âmbito do Código de Processo Penal[1].

Após a vigência da Lei do Pacote Anticrime (Lei Federal nº 13.964/2019), que terminou por operar diversas mudanças no Código de Processo Penal, de plano surgiu uma polêmica no âmbito da investigação, qual seja, qual o verdadeiro prazo de conclusão do inquérito policial com investigado preso?

Antes de respondermos, cabe asseverar que, bem antes do pacote anticrime, não existia a previsão de prorrogação do inquérito policial no Código de Processo Penal, apesar de existir em legislações extravagantes esta possibilidade, como por exemplo, a Lei de Drogas (lei 11.343/2006).

Enfim, o art. 10, do Código de Processo Penal permaneceu intacto com a previsão de que o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o investigado tiver sido preso em flagrante ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão[4].

A propósito, o art. 10, do Código de Processo Penal dispõe que:

“Art. 10.  O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela”.

De outro lado, com advento da Lei do Pacote Anticrime (Lei Federal nº 13.964/2019), passou a contemplar que se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.

Vejamos o art. 3º-B, do Código de Processo Penal, acrescido pela Lei do Pacote Anticrime (Lei Federal nº 13.964/2019):

“Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”     

Com isto, temos a primeira conclusão: a de que, numa interpretação sistemática, a redação do texto do pacote anticrime, ao dispor sobre prorrogação do prazo do inquérito policial de investigado preso por até 15 (quinze) dias, ratifica a existência do prazo de 10 (dez) dias iniciais, previsto no artigo 10 do CPP, já que apenas se pode prorrogar o que se iniciou anteriormente. Aqui se aplica a máxima de hermenêutica de que não há palavras inúteis no texto da lei.

Nos valemos da exemplificação. Cita-se o delegado de polícia e professor, Ruchester Marreiros Barbosa (2020, p. 01), que traz uma situação de clareza solar a demonstrar um dos poucos acertos do legislador no pacote anticrime na parte da investigação:

“Exemplifiquemos: qual medida se adotaria quando o investigado é suspeito, sem indícios suficientes de autoria para denúncia, mas ameaça de morte a vítima, não tendo funcionado a medida de proibição de contato? Há periculum libertatis, no caso concreto, há prova do crime de furto qualificado e, não obstante, não haja elementos robustos de indícios de autoria, como por exemplo confronto de digitais do suspeito com as colhidas no interior da residência e além disso uma gravação de uma imagem que parece com o suspeito, mas não é tão nítida. Como se decretar uma preventiva sem indícios robustos de autoria? Nosso sistema é extremamente falho nesse aspecto.

Suponhamos que nesse caso tenha ocorrido uma prisão em flagrante na modalidade de flagrante presumido? Caso já vivenciado por nós na prática em que a pessoa que ameaçava a vítima era relacionado a outro autor do crime, ambos com qualificação desconhecida até então, que depois se descobriu que possuíam fisionomias muito semelhantes. É de extrema relevância em um caso como esse, a existência de um mecanismo capaz de proteger a vida da vítima, tutelado pelo processo penal, na qual, em muitos casos, a providência deve ser a privação da liberdade do suspeito.

A captura do suspeito foi feita com a apreensão do telefone celular, em que existia uma ligação efetuada para a vítima, mas a imagem captada pela câmera de segurança coincidia muito pouco com o mesmo, restando poucos indícios de autoria. A prova do crime, ainda, era somente a declaração da vítima, sem o reconhecimento, por ter sido um delito de furto qualificado, cuja imagem captada por câmeras não ajudou.

Essa vítima já tinha sido furtada outras vezes e por essa razão colocou câmeras de segurança no interior da residência, onde se captou algumas imagens dos autores do furto. Portanto já haviam outras investigações em trâmite, mas sem autoria definida. No último furto a imagem foi capturada e uma pessoa parecida foi encontrada nas cercanias aproximadamente 3 horas depois por uma equipe da polícia militar que sabia estar havendo muitos furtos na região e teve contato com as imagens divulgadas em redes sociais”.

Juntamente com o capturado e detido em flagrante, além do celular, que não era da vítima, mas havia uma ligação do seu telefone para o da vítima, por onde recebeu a ameaça de não procurar a polícia. Havia também uma passagem aérea para três dias depois com destino a Argentina e alguns endereços que poderiam ser checados como sendo locais que os mesmos teriam estado e se hospedado e a identificação estrangeira do investigado, que era chileno, mas falava bem o português. Juro que isso não é invenção.

Se formos analisar tecnicamente o fato, a prisão em flagrante ao ser comunicada dependeria, ainda de algumas diligências para robustecer os indícios de autoria para o oferecimento da denúncia, não sendo uma hipótese tipicamente que se daria para deduzir uma pretensão acusatória.

A prisão temporária também está descartada, visto que não há no rol das infrações penais cabíveis no artigo 1º, III da Lei 7.960/89, o delito de furto qualificado e coação no curso do processo para essa medida, A medida de não contato com a vítima seria inócua, tendo em vista a possibilidade concreta de viajar para outro país, além de não se saber o paradeiro certo, mas somente um suposto local de hospedagem, consequentemente, precário.

Em outras palavras, o ordenamento jurídico é totalmente despreparado para uma circunstância de se acautelar os fins processuais da investigação criminal. Existe com narrado, necessidade de se proteger cautelarmente a investigação tal qual ocorre na fase jurisdicional. Há risco de fuga e há comprometimento da coleta de evidências (ou provas no sentido lato).

A solução para essa lacuna veio no artigo 3º-B, §2º, que deixou explícita a possibilidade da prisão processual de flagrante, cuja novidade é reconhecer o prazo da investigação por 10 dias prorrogáveis por até 15 dias sob de acarretar o relaxamento da prisão pela não conclusão da investigação e não pelo não oferecimento da denúncia.

Assim sendo, após a vigência do pacote anticrime o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante: 1) não pode mais convertê-la em prisão preventiva de ofício; 2) não poderá decretar a preventiva abrindo prazo para o oferecimento da denúncia; 3) deverá observar na representação do Delegado há indicação da necessidade do prosseguimento da investigação criminal com fins processuais e desde já a possibilidade de postergação da situação prisional para assegurar a coleta de evidências”. (BARBOSA, 2020, p.1)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Com este exemplo, podemos perceber que o artigo 3º-B, §2º, do CPP veio para suprir lacuna com a possibilidade clara de prisão processual de flagrante, em que a novidade é reconhecer o prazo da investigação por 10 (dez) dias prorrogáveis por até 15 (quinze) dias, sob pena de eventual excesso (extrapolamento) de prazo acarretar o relaxamento da prisão pela não conclusão da investigação e não pelo não oferecimento da denúncia.

Obviamente, não quer dizer que a prorrogação se dará até nos 15 (quinze) dias cravados, já que a lei faz uso da expressão até 15 (quinze) dias, o que implica concluirmos que, a prorrogação seria de 01 (um) dia até o máximo de 15 (quinze) dias, além dos 10 (dez) dias normais do art. 10, do CPP, em caso de o delegado de polícia representar pela prorrogação do procedimento policial com investigado preso.

Há vozes advogando o prazo de 15 (quinze) dias mais 15 (quinze) dias, em que se arvora de analogia do prazo do inquérito policial ao menos na esfera federal (art. 66 da Lei 5.010/1966), sob o argumento de o que o legislador desejou igualar as contagens de prazos de conclusão de inquérito policial na Justiça Estadual e na Justiça Federal com superação (derrogação) do art. 10 do CPP, o que não concordamos datíssima máxima vênia, pois não há lacuna para se usar a analogia e a interpretação seria contra legem, ignorando dispositivos em plena vigência. O que há de fato é a previsão clara e indiscutível de 10 (dez) dias, com a possibilidade de se adicionar mais 15 (quinze) dias.

De qualquer forma, por zelo, cabe aduzir que o dispositivo do indigitado art. 3º-B, §2º, do CPP está com a eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.


Das considerações finais

Por derradeiro, concluímos que a medida legislativa foi louvável ao instituir o art. 3º-B, §2º, do CPP, por permitir o prazo da investigação de 10 (dez) dias prorrogáveis por até 15 (quinze) dias, em caso de representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, sob pena de acarretar o relaxamento da prisão pela não conclusão da investigação e não pelo não oferecimento da denúncia, embora o dispositivo em análise esteja com a eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.


Referências bibliográficas:

BARBOSA,  Ruchester Marreiros. ACADEMIA DE POLÍCIA: A prisão processual de flagrante é novidade no "pacote anticrime". Publicado no CONJUR em 31 de dezembro de 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-dez-31/academia-policia-prisao-processual-flagrante-novidade-pacote-anticrime>. Acesso em 23 de março de 2020.


Notas

[1] Lembramos aqui que existem legislações penais especiais as quais estabelecem prazo distinto da regra geral do CPP e, neste caso, prevalece a norma especial sobre a geral, como exemplo, o art. 51 da Lei 11.343/2006 – lei de drogas -, onde estabelece que “o inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto”, sendo que “os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária”.

[2] Delegado de Polícia no Estado do Mato Grosso, atualmente lotado na Delegacia Especializada de Homicídio e Proteção à Pessoa - DHPP. Especialista em Direito do Estado. Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Atualmente é professor de cursos preparatórios para concursos públicos e professor da Academia de Polícia Judiciária Civil do Estado do Mato Grosso - ACADEPOL/MT.

[3] Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso, atualmente Diretor Adjunto da Academia de Polícia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Colunista do site Justiça e Polícia, palestrante, coautor de obra jurídica e autor de artigos jurídicos.

[4] Vale lembrar de importante discussão acerca do prazo da conclusão do Inquérito Policial quando há o cumprimento de prisão temporária de crimes hediondos ou equiparados, onde poderá alcançar até sessenta dias (30 dias + 30 dias), portanto, bastante superior ao prazo estabelecido pelo art. 10 do CPP. Há divergência sobre o tema, onde se posicionam três correntes: a primeira entende que, mesmo o agente sendo preso temporariamente por crime hediondo ou equiparado o prazo seria o do art. 10, CPP (ou seja, 10 dias para a conclusão das investigações); já a segunda corrente entende que o prazo seria o do tempo da prisão temporária – 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias, neste último, em caso de prorrogação, sendo ao final acrescido ainda o prazo para a conclusão do inquérito, então em caso de agente preso temporariamente por tráfico de drogas, a autoridade policial poderia ter até 120 dias para a conclusão do IPL, porquanto o prazo máximo da temporária seria 60 (sessenta), acrescido de outros 60 (sessenta) dias para a conclusão do inquérito; por fim, a terceira corrente entende que o prazo para a conclusão do Inquérito será o prazo da prisão temporária, neste caso no prazo de 30 dias (trinta) dias, ou, havendo prorrogação da prisão temporária em até 60 (sessenta) dias.

Sobre os autores
Marcel Gomes de Oliveira

Delegado de Polícia no Estado do Mato Grosso, atualmente lotado na Coordenadoria de Plantão Metropolitano. Formado pelo Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE. Foi Advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito do Estado. Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Direito Processual Penal. Foi professor de Criminologia, Ética, Direitos Humanos e Cidadania do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado da Bahia. Atuou também como professor de Direito Penal, Legislação Penal Especial e Medicina Legal das Faculdades 2 de Julho. E, como professor de Direito Penal e Direito Processual Penal do Centro Universitário da Bahia (Estácio de Sá). Atualmente é professor de cursos preparatórios para concursos públicos e professor da Academia de Polícia Judiciária Civil do Estado do Mato Grosso - ACADEPOL/MT.

Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marcel Gomes; LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. Com o advento da lei do pacote anticrime (Lei federal n. 13.964/2019), qual o verdadeiro prazo de conclusão do inquérito policial com investigado preso?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6274, 4 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85212. Acesso em: 17 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!