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Medicina autopreventiva: a relação médico-paciente na visão judicial:

primeiras linhas acerca da política de redução de danos

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Agenda 26/09/2020 às 08:30

1. O que é direito médico?

 

É o ramo do Direito (Ciência Jurídica) que regulamenta e disciplina a relação entre médico (profissional da medicina) e paciente. Durante muitos anos essa relação restou desprotegida pela ciência jurídica.

Na aurora da humanidade, os sacerdotes eram os médicos e, portanto, essa relação era considerada divina, intocável. O que ocorria com o paciente era expressão da vontade dos deuses, logo, incontestável.

No entanto, com o passar dos anos, a Medicina ganhou roupagens científicas, sendo considerada uma ciência humana e, destarte, merecedora da devida regulamentação legal.

Eis as lições do professor Genival Veloso de França[1], nestes termos:

 

Com as recentes descobertas científicas e o fantástico desenvolvimento da tecnologia, aumentaram, sem dúvida, da parte do homem, os poderes de domínio sobre a Natureza, mas cresceram também os perigos de destruição da vida. Os horrores das guerras mais recentes demonstram, à saciedade, que o crescimento acelerado das ciências e das técnicas não se fez acompanhar de um desenvolvimento paralelo no campo da Moral. O descompasso entre as duas ordens continua existindo, a demonstrar, nos seus paradoxos e incoerências, as contradições inerentes à condição humana.

 

É que as ciências da natureza, em si mesmas, são neutras para o mundo dos valores. A desintegração do átomo abre perspectivas de salvação ou de destruição total. Cabe à nossa consciência moral saber aplicá-la. E essa decisão pertence ao mundo normativo, vale dizer, ao mundo dos deveres e obrigações. O que “é” e o que “deve ser” são, portanto, duas janelas do espírito, sobre as quais nos debruçamos para observar e admirar a realidade.

 

Na verdade, vemos os fatos como eles simplesmente “são” ou os observamos como “devem ser”, segundo os padrões éticos e jurídicos da civilização a que pertencemos.

 

Se a técnica expressa o diálogo entre as mãos e o cérebro, também demonstra o quanto ela mesma deve estar subordinada à razão prática, disciplinadora da ação, a fim de que a natureza humana não se desvirtue, mas se desenvolva na plenitude de suas dimensões. (grifos nossos)

 

De acordo com recentes estatísticas, nos últimos dez anos o número de processos judiciais contra médicos aumentou em 1600%. Atualmente, 7% dos médicos brasileiros respondem a processos judiciais. Já o número de processos ético-disciplinares contra médicos aumentou, nos últimos 10 anos, 302%[2].

Destas estatísticas decorre que há uma grande necessidade de um diálogo claro entre médicos e pacientes, bem como sua clara regulamentação normativa.

Como diz o professor Genival Veloso de França[3]: “O médico, na sua missão de prevenir, aliviar, tratar e curar, está no centro das atividades preservadoras da vida. A sua atividade profissional lida com os bens supremos do indivíduo, protegidos pela ordem estatal. Daí a íntima relação entre a Medicina e o Direito e as razões para que se inclua a Medicina Legal entre as disciplinas que formam os currículos dos respectivos cursos[4]”.

Estabelecem os artigos 948 a 951 do Código Civil, litteris:

 

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

 

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

 

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

 

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

 

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. (grifos acrescidos)

 

De acordo com a legislação em vigor, havendo dano, haverá o dever de ressarcir e/ou reparar, dependendo do caso concreto. O termo indenização é o gênero, ao qual pertencem as espécies reparação e ressarcimento.

Reparar é colocar algo no lugar daquilo que foi danificado. Isso é mais comum em indenizações por danos materiais. Estes danos podem ser mensurados e quantificados. A situação anterior ao dano pode ser restabelecida.

Ressarcir é colocar algo em substituição ao que foi danificado. Ressarce-se os danos morais e os danos estéticos, por exemplo, tendo em vista que, nesta categoria de danos, as situações não podem ser restabelecidas ao estado anterior em que se encontravam.

Os fundamentos legais mais importantes do direito de ser indenizado (ressarcido/reparado) encontram-se nos seguintes dispositivos legais:

1. No Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002), em seu Art. 186, que reza: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; em seu Art. 927, que giza: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”; e, ainda, no Art. 944 do mesmo codex, que estabelece: “A indenização mede-se pela extensão do dano”.

2. O maior de todos os fundamentos está nos incisos V e X, do Art. 5º da Constitução Federal, que prescrevem: “V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (grifos nossos).

3. Temos, ainda, em razão do entendimento dos Tribunais de que à relação médico-paciente se aplica o Código de Defesa do Consumidor, a aplicação do § 4º, do Art. 14 de referida norma, que estabelece: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 4°. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. No caso do profissional liberal a culpa deve ser provada.

No caso da relação médico-paciente, a supramacia normativa fica a cargo do Código de Defesa do Consumidor, infelizmente, nem sempre adequadamente interpretado.

Assim, dentre outros fundamentos legais, os acima descritos respaldam uma pretensão indenizatória.

 


2. Qual o ponto central do direito médico e que lhe dá fundamento?

 

O ponto central que justifica a regulamentação da relação médico-paciente é o erro médico, ou seja, a possibilidade de desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa, que culminam em um dano. Aliás, impende advertir-se que, sem dano, não há dever de indenizar. Eis o fundamento da responsabilidade médica, bem como de qualquer responsabilização pelas consequências de um ato.

O erro médico pode ser definido como um defeito na prestação do serviço de saúde que venha a causar dano ao paciente.

Aliás, o Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/2009) diz, em seu Art. 1º, que é vedado ao médico: “Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência”.

Esse preceito está em consonância com o princípio geral da responsabilidade civil que, no latim, enuncia: neminem laedere ou alterum non laedere, que traduzido significa: a ninguém ofender / a ninguém lesar. Essa a base e o fundamento da responsabilidade civil.

Ademais, são princípios bioéticos[5], ou seja, normas éticas direcionadas aos cuidados com a vida: 1. Não maleficência; 2. Beneficência; 3. Autonomia e 4. Justiça.

A norma diz que não devemos ofender nem lesar ninguém. Logo, havendo ofensa ou lesão, surge para o ofendido o direito à devida reparação.


 3. Qual a natureza jurídica da relação médico-paciente?

 

Trata-se de uma relação de obrigação de meio e não de resultado ou de fim.

Isso significa que o médico não garante (e nem pode garantir) a cura da moléstia ou a vida do paciente, tendo em vista que cada organismo reage de modo diverso às mais variadas terapêuticas existentes. São as chamadas intercorrências médicas.

O que o médico tem por obrigação, inclusive legal e ética, é fazer o possível, dentro do atual estado de evolução da ciência médica, para salvar a vida ou restabelecer a saúde de seus pacientes. Apenas isso.

As obrigações de resultado são aquelas por meio das quais o profissional se obriga a atingir o resultado esperado pelo cliente, tendo em vista uma promessa feita pelo profissional. Temos, como exemplo, o engenheiro: ele deve fazer os cálculos necessários e que garantam a existência concreta, sem riscos de desabamento, de uma determinada construção. O resultado contratado deve ser atingido.

Entretanto, dentro da responsabilidade médica há uma exceção à regra: a cirurgia plástica estética. Essa exceção não é a que defendemos, mas sim, a estabelecida pelos Tribunais brasileiros.

A cirurgia plástica, consoante definição técnico-científica, pode ser assim conceituada[6]:

 

A cirurgia plástica é uma das mais de 50 especialidades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e   pela   Associação   Médica   Brasileira. Por meio de avançadas técnicas cirúrgicas, seu objetivo é reconstituir alguma parte do corpo para tratar doenças e deformidades anatômicas, congênitas, adquiridas, traumáticas, degenerativas e oncológicas, bem como de suas conseqüências, objetivando beneficiar os pacientes visando seu equilíbrio biopsicosocial e conseqüente melhoria sobre a sua qualidade de vida. (sic)

 

Dentro da especialidade médica da cirurgia plástica há as cirurgias estéticas e as reparadoras.

A cirurgia plástica reparadora tem como objetivo a correção de lesões, deformidades, tanto as adquiridas, quanto as congênitas. Como exemplo, podemos citar a correção de lábio leporino [deficiência congênita]. São procedimentos cirúrgicos tão necessários quanto qualquer outro, classificados, juridicamente, como uma obrigação de meio. Afinal, não há como garantir resultados precisos.

A cirurgia plástica estética por sua vez “é aquela realizada com o objetivo de melhorar a aparência física do indivíduo. A pessoa quando se submete a tal intervenção cirúrgica não a faz com intenção ou propósito de obter alguma melhora em seu estado de saúde, mas sim para melhorar algum aspecto físico que não lhe agrada, ou seja, corrigir uma deformidade congênita, por exemplo, como uma orelha proeminente ou em abano, ou uma mama flácida que pode lhe dificultar um relacionamento afetivo. Situações que não lhe causam prejuízo da ordem funcional, mas sim de ordem psicológica. Atualmente, as duas cirurgias plásticas estéticas mais realizadas no Brasil são a lipoaspiração e o implante de prótese de silicone nos seios[7]”.

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Nestes casos, tendo em referência o julgamento proferido pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), no Recurso Especial nº 731.078, estamos diante de uma obrigação de resultado, tendo em vista que o médico é obrigado a proporcionar ao paciente o resultado esperado por este. Além disso, eis matéria veiculada no Informativo nº 464 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (apud Flávio Tartuce[8]), que apregoou:

 

“Responsabilidade civil. Médico. Cirurgia estética e reparadora. Na espécie, trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada pela recorrida em desfavor dos recorrentes. É que a recorrida, portadora de hipertrofia mamária bilateral, foi submetida à cirurgia para redução dos seios – operação realizada no hospital e pelo médico, ora recorrentes. Ocorre que, após a cirurgia, as mamas ficaram com tamanho desigual, com grosseiras e visíveis cicatrizes, além de ter havido retração do mamilo direito. O acórdão recorrido deixa claro que, no caso, o objetivo da cirurgia não era apenas livrar a paciente de incômodos físicos ligados à postura, mas também de resolver problemas de autoestima relacionados à sua insatisfação com a aparência. Assim, cinge-se a lide a determinar a extensão da obrigação do médico em cirurgia de natureza mista – estética e reparadora. Este Superior Tribunal já se manifestou acerca da relação médico-paciente, concluindo tratar-se de obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de cirurgias estéticas. No entanto, no caso, trata-se de cirurgia de natureza mista – estética e reparadora – em que a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, conforme cada finalidade da intervenção. Numa cirurgia assim, a responsabilidade do médico será de resultado em relação à parte estética da intervenção e de meio em relação à sua parte reparadora. A Turma, com essas e outras considerações, negou provimento ao recurso” (STJ, REsp 1.097.955/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27.09.2011).

 

Este posicionamento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) foi inaugurado por meio do julgamento do Recurso Especial nº 10.536, que ficou assim ementado, litteris:

 

Processo REsp 10536 / RJ, RECURSO ESPECIAL 1991/0008177-9, Relator(a) Ministro DIAS TRINDADE (1031), Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 21/06/1991, Data da Publicação/Fonte DJ 19.08.1991 p. 10993 JBCC vol. 194 p. 41, RSTJ vol. 33 p. 555 SJADCOAS vol. 101 p. 31

 

CIVIL. CIRURGIA ESTETICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL E DANO MORAL. CONTRATADA A REALIZAÇÃO DE CIRURGIA ESTETICA EMBELEZADORA, O CIRURGIÃO ASSUME OBRIGAÇÃO DE RESULTADO, SENDO OBRIGADO A INDENIZAR PELO NÃO CUMPRIMENTO DA MESMA OBRIGAÇÃO, TANTO PELO DANO MATERIAL QUANTO PELO MORAL, DECORRENTE DE DEFORMIDADE ESTETICA, SALVO PROVA DE FORÇA MAIOR OU CASO FORTUITO. Acórdão POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO ESPECIAL, PELA ALINEA 'C', MAS LHE NEGAR PROVIMENTO.

 

Recentemente, em revisão ao seu posicionamento quanto a temática da natureza jurídica da obrigação do cirurgião plástico, na modalidade de cirurgia plásitca estética, a Ministra NANCY ANDRIGUI, em relatoria e voto no Recuro Especial nº 1.097.955, assim fez constar, litteris:

 

PROCESSO CIVIL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CIRURGIA DE NATUREZA MISTA – ESTÉTICA E REPARADORA. LIMITES. PETIÇÃO INICIAL. PEDIDO. INTERPRETAÇÃO. LIMITES.

1. A relação médico-paciente encerra obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de cirurgias estéticas. Precedentes.

2. Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora –, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora.

3. O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo. Precedentes.

4. A decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes não viola os arts. 128 e 460do CPC, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da ação. Precedentes.

5. O valor fixado a título de danos morais somente comporta revisão nesta sede nas hipóteses em que se mostrar ínfimo ou exagerado. Precedentes.

6. Recurso especial não provido.

 

A Ministra NANCY ANDRIGHI, em seu Voto, assim discorreu acerca da natureza jurídica da obrigação da cirurgia plástica estética, nestes termos:

 

O TJ/MG entendeu que a obrigação do médico seria de resultado, bem como que este agiu com negligência no seu dever de informação, por não ter esclarecido ao paciente que a cirurgia poderia não alcançar o resultado estético almejado.

 

O recorrente, por sua vez, afirma que “a cirurgia da recorrida era reparadora, tanto que realizada pelo Sistema Único de Saúde” (fl. 547), de modo que “não se poderia assegurar o resultado, visto ser a obrigação de meio” (fl. 549).

 

Em primeiro lugar, há de se refutar a assertiva do recorrente, de que a cirurgia a que se submeteu a recorrida era apenas reparadora. O acórdão recorrido aponta para a natureza mista – estética e reparadora – da intervenção, e o acolhimento da tese do recorrente exigiria o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, procedimento vedado pelo enunciado nº 07 da Súmula/STJ.

 

Outrossim, para que seja autorizada pelo Sistema Único de Saúde, a cirurgia não precisa, obrigatoriamente, ter caráter exclusivamente reparador. Se, além de se destinar à resolução de problemas físicos, a intervenção puder agregar uma finalidade estética, nada impede a sua realização pelo SUS.

 

Não vislumbro, pois, motivo para afastar a premissa fixada pelo Tribunal Estadual, no sentido de que a cirurgia a que foi submetida a recorrida tinha natureza mista.

 

Dessarte, resta apenas averiguar se a responsabilidade imputada ao médico pelo TJ/MG está em consonância com a natureza da cirurgia.

 

Esta Corte já se manifestou acerca da relação médico-paciente, concluindo tratar-se de obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de cirurgias estéticas. Confiram-se, à guisa de exemplo, os seguintes precedentes: REsp 1.104.665/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 09.06.2009; e REsp 236.708/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, DJe de 10.02.2009.

 

A obrigação de meio limita-se a um dever de desempenho, isto é, há o compromisso de agir com desvelo, empregando a melhor técnica e perícia para alcançar um determinado fim, mas sem se obrigar à efetivação do resultado. Na obrigação de meio, compete ao autor a prova da conduta ilícita do réu, demonstrando que este, na atividade desenvolvida, não agiu com a diligência e os cuidados necessários para a correta execução do contrato.

 

Já na obrigação de resultado, o contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a inexecução desta. Nas obrigações de resultado há a presunção de culpa, com inversão do ônus da prova.

 

A hipótese específica dos autos, porém, encerra uma peculiaridade, consistente no fato de a cirurgia ter uma natureza mista, estética e reparadora, situação que, salvo melhor juízo, ainda não foi apreciada por este Tribunal.

 

Seja como for, em situações como esta, nas quais a cirurgia possui mais de um escopo, a responsabilidade do profissional não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, conforme cada finalidade da intervenção.

 

Vale dizer, numa cirurgia estética e reparadora, a responsabilidade do médico será de resultado em relação à parcela estética da intervenção e de meio em relação à sua parcela reparadora.

 

No particular, o TJ/MG deixa claro que o objetivo da cirurgia de redução das mamas não era apenas livrar a paciente de incômodos físicos ligados à postura, mas também de resolver problemas de autoestima relacionados à insatisfação da recorrida com a sua aparência.

 

Não cabe dúvida de que, do ponto de vista reparador, a intervenção alcançou a finalidade esperada, eliminando as dores que assolavam a paciente. Porém, do ponto de vista estéticoem relação à qual a obrigação do médico é de resultado –, a cirurgia nem de longe cumpriu com as expectativas, deixando a recorrida com um seio maior do que o outro, com cicatrizes grosseiras e visíveis e com retração de um dos mamilos.

 

Ainda que se admita que o intuito primordial da cirurgia era reparador, o médico jamais poderia ter ignorado o seu caráter estético, mesmo que isso não tivesse sido consignado no laudo que confirmou a necessidade da intervenção.

 

Afinal, além da resolução dos problemas físicos, é evidente que uma cirurgia desta natureza desperta na paciente expectativas quanto aos seus resultados estéticos. Para além disso, espera-se, pelo menos, que os seios mantenham um aspecto natural, que não cause nenhum desconforto ou constrangimento no convívio social ou íntimo. Nesse contexto, o resultado final do trabalho realizado pelo recorrente é inaceitável, exsurgindo de forma clara a inexecução parcial da obrigação para a qual foi contratado.

 

Acrescente-se, por oportuno, que o uso da técnica adequada na cirurgia não é suficiente para isentar o recorrente da culpa pelo não cumprimento de sua obrigação. Se, mesmo utilizando-se do procedimento apropriado, o recorrente não alcançou os resultados dele esperados, há a obrigação de indenizar.

 

Ademais, como bem pontuado pelo TJ/MG, não foi cumprido o dever de informação. Se, como quer fazer crer o recorrente, fosse absolutamente razoável supor que a cirurgia pudesse ter esse resultado, cabia a ele alertar a recorrida desse risco.

 

Entretanto, de acordo com o acórdão recorrido, “quanto ao dever de informação, que deve ser exaustiva, não há prova nos autos de haver o médico-réu se desincumbido de cumprir esta obrigação, no sentido de deixar explícito à paciente não estar garantindo o resultado, explicando, ainda, cuidadosamente, o que esperar da operação” (fl. 360).

 

Com relação ao acórdão alçado a paradigma pelo recorrente, verifica-se que a situação nele descrita não se identifica com os fatos delineados pelo TJ/MG para o caso específico dos autos.

 

Para que se pudesse concluir pela similitude entre os julgados, seria necessário o reexame das provas carreadas aos autos, retificando o panorama fático traçado pelo Tribunal Estadual para adequá-lo à versão trazida pelo recorrente, procedimento que, repiso, encontra óbice no enunciado nº 07 da Súmula/STJ.

 

Além disso, há de se ter em mente que cada cirurgia deixa suas próprias sequelas, o que torna casuística a definição acerca da existência ou não de erro médico. No particular, o resultado da intervenção foi o de que as mamas ficaram com tamanho desigual, com grosseiras e visíveis cicatrizes, além de ter havido retração do mamilo direito. O dissídio, por sua vez, relata apenas a existência de “defeitos físicos deixados nas laterais dos seios” (fl. 457), concluindo que “o resultado da mamoplastia redutora efetuada na autora é bom, tanto sob o aspecto anatômico como funcional, com cicatrizes pouco perceptíveis” (fl. 458). Vê-se, portanto, que também do ponto de vista da extensão das sequelas, as hipóteses são bastante distintas.

 

Dessarte, não vejo como afastar a responsabilidade do recorrente pelo resultado final da cirurgia a que foi submetida a recorrida. (grifos acrescidos)

 

Além disso, filiam-se a este entendimento os juristas brasileiros CARLOS ROBERTO GONÇALVES[9], PAULO NADER, PABLO GAGLIANO STOLZE[10], RODOLFO PAMPLONA FILHO[11] e FLÁVIO TARTUCE[12], dentre outros.

Por oportuno, importante registrar que há uma divergência de entendimento entre os Tribunais brasileiros e o Conselho Federal de Medicina.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CRM), por meio da Resolução CRM nº 1.621, de 2001, assim faz constar em seu Art. 3º, verbis: “Na Cirurgia Plástica, como em qualquer especialidade médica, não se pode prometer resultados ou garantir o sucesso do tratamento, devendo o médico informar ao paciente, de forma clara, os benefícios e riscos do procedimento” (grifos acrescidos). E complementa em seu Art. 4º, litteris: “O objetivo do ato médico na Cirurgia Plástica como em toda a prática médica constitui obrigação de meio e não de fim ou resultado”. (grifos e destaques nossos)

O que o Conselho Federal de Medicina quis foi proteger o cirurgião plástico dos resultados malsucedidos relativos aos procedimentos estéticos. O que até é compreensível, pois, na atual sociedade o culto ao corpo perfeito, uma ilusão do século XXI (dentre tantas outras), nunca dantes na história da humanidade esteve tão em voga.

Não se pode negar que as pessoas criam verdadeiras ilusões estéticas e querem que o médico concretize esse milagre instantâneo. O que depende de um incontável número de fatores biológicos, fisiológicos e genéticos em muitos casos.

Ocorre que, muitos cirurgiões plásticos e clínicas de cirurgia plástica têm feito maciças e massivas campanhas de publicidade, prometendo o corpo perfeito das celebridades hollywoodianas e dos atores e atrizes da televisão.

Portanto, a medicina estética tem incentivado e insuflado esse culto ao corpo perfeito. Há, inclusive, prática repudiada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, consistente na formação de grupos de consórcio para a realização de procedimentos estético-cirúrgicos, quando não observam a lei de regência dos consórcios.

O conceito de consórcio é dado pelo Art. 2º, da Lei nº 11.795, de 8.10.2008 (que dispõe sobre o Sistema de Consórcio), que assim giza: “Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento”.

Em um site de consórcio (que segue as diretrizes da lei de regência), sob o título “Tire 16 dúvidas sobre o consórcio de cirurgia plástica”, assim está expresso já na pergunta de número 1, litteris:

1. Como funciona o consórcio de cirurgia plástica?

Você escolhe o valor da carta de crédito, ou seja, o dinheiro que pretende gastar com a plástica. Funciona assim: uma empresa que administra consórcios abre um grupo para quem está interessado em um consórcio de serviços – que é o nome do consórcio para cirurgia plástica, por exemplo. Todos os participantes pagam as parcelas durante o período de duração previsto em contrato, e a administradora cuida do dinheiro e dos sorteios. Todo mês alguém é sorteado e, mesmo com o dinheiro na mão, continua pagando as parcelas mês a mês até o final do consórcio[13].

 

Acerca de modalidades de consórcio que não atendem às diretrizes normativas da Lei nº 11.795/2008, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica assim se manifestou, em Nota de 6 de fevereiro de 2018[14], verbis:

 

Tendo em vista a repercussão e interesse que o assunto gerou, oportunamente complementamos o comunicado anterior que versa sobre entidade nominada “Plástica para Todos”, entre outras instituições que não atendem as regras estabelecidas pela Lei 11.795/2008.

Tais instituições promovem planos financeiros para realização de cirurgias plásticas, aliciando médicos a esta prática aética e que não se coaduna com as regras definidas pela Resolução 2/2017 do Conselho Federal de Medicina. Todavia as empresas administradoras de consórcio, devidamente fiscalizadas pelo Banco Central, estão autorizadas a comercializar esse tipo de consórcio, INCLUSIVE PARA CIRURGIA PLÁSTICA, nos moldes da Lei 11.595 e o cirurgião plástico que recebe honorários por meio de cartas de crédito emitidas por essas empresas, não contrariam as regras éticas, de acordo com o parecer 02/2017 do CFM.

Com efeito, a SBCP reitera que consórcios promovidos por entidades, empresas, clínicas e similares, sem autorização legal do Banco Central e ABAC (Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios), com fim específico (em nosso caso), ligados à cirurgia plástica, exercem atividades ilícitas e ainda, promovem a mercantilização da medicina, o que é inaceitável, eis as razões da nossa insistente luta.

 

Portanto, as entidades consorciais que atendem aos regramentos normativos da lei de consórcios poderão promover a venda, em grupo, de cirurgias plásticas estéticas.

Entretanto, o entendimento administrativo do respeitável órgão de classe, quanto à natureza jurídica da obrigação no caso de cirurgia plástica estética, que entende ser de meio, vai em sentido contrário ao entendimento jurídico majoritário, consoante exposto acima.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), além dos entendimentos firmados nos Recursos Especiais nos 10.536, 731.078 e 1.097.955, no sentido de considerar a cirurgia plástica estética como obrigação de resultado, tem, ainda, vários outros entendimentos no mesmo sentido. Eis mais algumas decisões do STJ[15], litteris:

 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NULIDADE DOS ACÓRDÃOS PROFERIDOS EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONFIGURADA. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. DANO COMPROVADO. PRESUNÇÃO DE CULPA DO MÉDICO NÃO AFASTADA. PRECEDENTES. 1. Não há falar em nulidade de acórdão exarado em sede de embargos de declaração que, nos estreitos limites em que proposta a controvérsia, assevera inexistente omissão do aresto embargado, acerca da especificação da modalidade culposa imputada ao demandado, porquanto assentado na tese de que presumida a culpa do cirurgião plástico em decorrência do insucesso de cirurgia plástica meramente estética. 2. A obrigação assumida pelo médico, normalmente, é obrigação de meios, posto que objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de um prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica na busca pela cura. 3. Apesar de abalizada doutrina em sentido contrário, este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a situação é distinta, todavia, quando o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado resultado, o que ocorre no caso da cirurgia plástica meramente estética. Nesta hipótese, segundo o entendimento nesta Corte Superior, o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios. 4. No caso das obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa por parte do médico. Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia, basta que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou o resultado prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo, destarte, a inversão do ônus da prova. 5. Não se priva, assim, o médico da possibilidade de demonstrar, pelos meios de prova admissíveis, que o evento danoso tenha decorrido, por exemplo, de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva da "vítima" (paciente). 6. Recurso especial a que se nega provimento (STJ - REsp: 236708 MG 1999/0099099-4, Relator: Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF, Data de Julgamento: 10/02/2009, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: 20090518 > DJe 18/05/2009) (grifos e destaques acrescidos)

 

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ART. 14 DO CDC. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido. 2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia. 3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional. 4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em termo de consentimento informado, de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ - REsp: 1180815 MG 2010/0025531-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2010)

 

Em decorrência do entendimento acima exposto, Marcelo Barça[16] assim faz constar, litteris: “Como se vê, o médico assume obrigação de resultado na cirurgia plástica estética, porquanto se compromete em proporcionar ao paciente resultado aparente. Contudo, quando não existir viabilidade de transformação satisfatória do corpo humano, o médico deverá negar a realização da cirurgia, bem como informar ao paciente que o resultado almejado não irá ocorrer. Desta forma, a conduta do médico coaduna-se com a ética profissional e o princípio da boa-fé contratual” (grifos acrescidos).

E complementa[17]: “A realização de intervenções cirúrgicas estéticas malsucedidas em decorrência de barbaridades técnicas efetuadas pelo médico (erro médico), corresponde ao insucesso da cirurgia estética, sendo certo que haverá presunção de culpa do médico que a realizou”.

Em 30 de junho de 2017, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA condenou o CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA “pela omissão no ato de fiscalizar as sequelas advindas dos procedimentos cirúrgicos indevidamente realizados por ex-médico, vez que o referido conselho estava ciente das barbaridades técnicas efetuadas, conforme se verifica na ementa a seguir[18]”:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO EM REITERADAS CIRURGIAS PLÁSTICAS. OMISSÃO DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. DANOS MORAIS. REVISÃO DA INDENIZAÇÃO. EXORBITÂNCIA NÃO CONFIGURADA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal contra o Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul - CRM/MS e A J R O, em razão da realização de reiteradas cirurgias plásticas das quais derivaram danos materiais, morais e estéticos em diversos pacientes, objetivando a condenação dos réus à indenização pelas sequelas advindas dos procedimentos cirúrgicos indevidamente realizados pelo ex-médico. 2. O Tribunal de origem, com base no conjunto probatório dos autos, consignou que, "para a condenação solidária do Conselho à reparação pelos aludidos danos, foi considerado o fato de que o CRM/MS teve ciência das barbaridades técnicas efetuadas pelo ex-médico, ao menos em 1992, todavia permaneceu inerte. Assim, a evidente omissão do Conselho quanto ao seu dever fiscalizador por cerca de dez anos, há de ser ponderada para fixação do importe indenizatório, ainda que se vislumbre a alta somatória que poderá ser ao final devida, considerando a totalidade das vítimas. (...) A tal realidade, somem-se os contornos fáticos da presente lide, os quais foram devidamente sopesados pelo magistrado a quo para fins da fixação da verba indenizatória ora impugnada, destacando-se que: a paciente fez a cirurgia de abdominoplastia. Apresenta abdômen globoso com cicatrizes de boa qualidade e cicatrizes alargadas nas regiões iguinais. Seqüelas de queimadura na região glútea esquerda de mais ou menos 3 x 5cm. A paciente foi diagnosticada como portadora de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (C1D10 F43.1), sentindo intenso sofrimento, angustia, e vergonha, pois possui marcas no corpo, não conseguindo trocar de roupa na frente de outras pessoas. Há necessidade de tratamento, tendo o psicólogo recomendado a psicoterapia de apoio. Portanto, não há dúvidas que a cirurgia desastrosa deixou seqüelas físicas e psicológicas e há muitos anos a agravada está convivendo com elas. Face tais circunstâncias, não podem prevalecer as assertivas postas pelo agravante, no sentido de que não fora respeitada a moderação para a fixação dos valores e de que não teria a vítima buscado "diretamente" qualquer indenização, cuja demora refletiria situação a influenciar na fixação do quantum indenizatório, uma vez que já havia sido intentada a ação civil pelo Ministério Público Federal, sendo perfeitamente justa a espera de seu julgamento para oportuna habilitação para a liquidação e execução. Quanto aos danos estéticos, nenhuma discussão se põe quanto ao tema, pois vasta a comprovação de sua existência, diante do conjunto probatório constante nos autos. Assim, no tocante à indenização por danos morais, esta acaba por se perfazer mediante recomposição, ou seja, através da fixação de valor em pecúnia, forma de se tentar minorar a contrariedade vivenciada, cujo montante há de ser compatível à extensão do dano causado, ao abalo psíquico suportado, sem dar ensejo ao enriquecimento sem causa, bem como ostentar feitio de reprimenda ao responsável pela ocorrência fática, para que em tal conduta não venha reincidir, devendo ser de igual modo ponderada a situação econômica de ambas as partes. Ainda, consoante entendimento assente na doutrina e jurisprudência pátrias, deve o importe arbitrado observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade (STJ, AGAREsp 313672). Desse modo, tendo em vista o histórico dos dissabores passados pela agravada, decorrentes da malsucedida intervenção cirúrgica realizada pelo corréu Alberto Rondon, relatados em sede da decisão agravada, e em especial considerando o conjunto probatório, entende-se dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade a fixação procedida pela instância a quo, a saber, o importe de R$40.000,00 (quarenta mil reais) a título de danos morais e, ainda, a quantia, de R$30.000,00 (trinta mil reais), para fins de reparação pelos danos estéticos" (fls. 313-315, e-STJ). 3. A revisão desse entendimento implica reexame de matéria fático-probatória, o que atrai o óbice da Súmula 7/STJ. Precedentes: AgInt no AREsp 903.130/MS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 7.10.2016, e AgRg no REsp 1.505.298/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6.4.2015. 4. Recurso Especial não conhecido. (grifos acrescidos)

 

Assim, no que concerne à natureza jurídica da relação obrigacional entre médico e paciente, a regra é que a mesma tem natureza de obrigação de meio, exceção sendo feita aos procedimentos cirúrgicos plásticos de natureza estética, que é interpretada jurisprudencialmente como obrigação de resultado ou de fim, porque, neste caso, o médico se compromete com o paciente a alcançar determinado resultado.

Meu posicionamento, entretanto, é o de que nem todo procedimento de cirurgia plástica estética gera uma obrigação de resultado. É possível prevenir essa presunção quando o médico adota protocolos informativos específicos a serem postos no termo de consentimento informado e esclarecido.

Essa presunção tem decorrido de várias omissões protocolares dos cirurgiões plásticos que, com a consultoria adequada, poderiam evitar vários transtornos e inconvenientes decorrentes de processos judiciais. Mas, isso um tema para outra oportunidade.

 

Sobre o autor
Rodrigo Mendes Delgado

Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; macedoedelgadoadvocacia@gmail.com)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Rodrigo Mendes. Medicina autopreventiva: a relação médico-paciente na visão judicial:: primeiras linhas acerca da política de redução de danos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6296, 26 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85564. Acesso em: 2 nov. 2024.

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