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Medicina autopreventiva: a relação médico-paciente na visão judicial:

primeiras linhas acerca da política de redução de danos

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26/09/2020 às 08:30
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4. Quais são os requisitos para a comprovação da responsabilidade do médico?

 

Quatro são os requisitos exigidos pela lei para a configuração da responsabilidade profissional, que são: 1) ação ou omissão [um comportamento positivo, consistente em um agir, fazer e/ou um comportamento negativo, consistente na omissão de um comportamento devido, ou seja, um não fazer]; 2) dano [prejuízo sofrido pelo paciente em algum ou alguns de seus bens jurídicos tutelados pelo direito, como vida, integridade física, integridade moral, estética, etc., dentre outros]; 3) nexo de causalidade [comprovada relação entre o comportamento lesivo do médico e o dano experimentado pelo paciente] e 4) culpa (dolo, negligência, imprudência ou imperícia) [ou seja, elemento intencional com o qual o médico agiu].

Não basta o mero descontentamento por parte do paciente. Aquilo que, juridicamente, se chama de mero dissabor. É necessária a ocorrência de um dano efetivo (real, concreto), seja ele moral, material, estético ou existencial. É preciso, para melhor entendimento do problema, entender desde que momento o médico torna-se responsável pelo paciente.

De acordo com GRÁCIA CRISTINA MOREIRA DO ROSÁRIO[19], tem-se que: “O médico assume a responsabilidade desde o diagnóstico clínico ou laboratorial, pois da constatação ocorrerão as medidas terapêuticas cabíveis. O erro no diagnóstico implica grave prejuízo. A medicação não adequada pode agravar o mal patente e ainda manifestar contra-indicações”.

Há doutrinadores que entendem que a responsabilidade do médico pode ocorrer já no prognóstico[20]. Nesse sentido, o jurista JOSÉ DE AGUIAR DIAS (apud GRÁCIA CRISTINA MOREIRA DO ROSÁRIO [21]) giza, litteris:

 

Pode, apesar de raro, apresentar-se o caso de responsabilidade médica derivada de erro de prognóstico. A norma que o profissional deve seguir é a de que o prognóstico, estando sujeito a imponderáveis de toda sorte, exige a maior soma de prudência e reflexão. Considera-se capaz de gerar a responsabilidade do médico o prognóstico que formula, em perícia, mesmo em face de queimaduras externas e profundas, de incapacidade temporária do paciente, quando, menos aconselhava ao médico a abstenção ou prudência no Parecer.

 

A questão atinente à responsabilidade médica no momento do prognóstico deve ser analisada com muita cautela, pois, nesse momento da análise clínica, o médico ainda não possui elementos técnico-científicos suficientes para o início de um tratamento ou precisão do diagnóstico correto.

Em razão disso, deve, o médico, evitar manifestações precipitadas de opinião, diferindo, para momento oportuno, a conclusão sobre o real quadro clínico do paciente, as possíveis terapêuticas e as chances de cura, caso elas efetivamente existam.

Dar esperanças a quem já as perdeu, pode causar muitas e desnecessárias dores de cabeça.

Todavia, uma vez mais reafirmamos e aconselhamos: não comece qualquer tratamento médico, terapêutica ou ministração de medicamentos sem antes exigir que o paciente assine o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido, no qual constem todas as possíveis informações necessárias, desde o êxito, até as possíveis intercorrências e resultados adversos.

Como sempre dizemos: é melhor pecar pelo excesso, do que pela escassez.

Um médico nunca cometerá erro por informar demais.

 


5. Como o médico pode evitar ser responsabilizado por erro médico?

 

A melhor forma de o médico se proteger contra futuras ações indenizatórias (nas quais os pacientes busquem ressarcimento/reparação por danos morais, materiais, estéticos e/ou existenciais), bem como ações penais e processos ético-disciplinares e, por conseguinte, praticar uma medicina autopreventiva, é por meio da documentação de todo atendimento médico. Principalmente, jamais deixar de confeccionar o mais importante de todos os documentos médicos: o termo de consentimento informado e esclarecido.

Neste documento, o médico informa o paciente acerca das terapêuticas que serão aplicadas ao mesmo, bem como os riscos decorrentes dos tratamentos, os possíveis efeitos colaterais dos medicamentos e, ainda, as prováveis intercorrências médicas. Em isso sendo feito, o paciente consenti de forma consciente não podendo, em momento posterior, alegar ignorância. Ato documentado é ato provado. Com uma boa documentação de todos os atos médicos, fica muito mais fácil formular a defesa do médico em caso de eventual ação judicial.

O termo de consentimento informado e esclarecido, pode ser assim definido: “O termo de consentimento informado é um documento que possibilita ao paciente a manifestação expressa de sua vontade em consentir com a realização de determinado procedimento, após esclarecimento prestado pelo médico, assegurando-lhe o direito de decisão quanto ao tratamento proposto pelo profissional responsável[22]”.

Diz o Art. 22 do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/2009) que é vedado ao médico: “Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”. Este artigo está topograficamente posto no Capítulo IV do Código de Ética Médica, que está sob a rubrica direitos humanos.

Já no Capítulo V, que trata da relação com pacientes e familiares, giza o Art. 31 do Código de Ética Médica que é vedado ao médico: “Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”.

O artigo precitado é complementado pelo Art. 34, que reza: “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”.

Assim, o direito à informação, além de ser um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988[23], também possui ancoragem legal no próprio código de posturas éticas da profissão médica.

Por meio de referido documento, o paciente assume a responsabilidade pelo tratamento proposto e toma consciência e ciência das possíveis consequências da terapêutica a que será submetido.

Conforme leciona MARIA PRETAL (Da responsabilidade civil do médico – a culpa e o dever de informação[24]): “O paciente tem todo o direito de conhecer os riscos (e eventuais conseqüências) a que se encontra sujeito, ao passo que o médico tem o direito de se resguardar, inclusive com a elaboração de Termo de Consentimento Informado” (sic).

O constante investimento nos canais de comunicação é a melhor forma de se prevenir contra futuros processos judiciais e/ou administrativos.

Não se descura do fato de que a vida profissional do médico é bastante corrida, não apenas com a rotina dos consultórios e das clínicas, mas, fundamentalmente, com pacientes internados nos hospitais. A rotina do médico começa antes mesmo do sol raiar, quando começa sua incansável ronda por meio daquilo que se conhece por passar visitas. É o momento de visitar os acamados, confortá-los, tranquilizá-los, acompanha-los e, acima de tudo, mostrar que não estão lutando sozinhos.

Depois, o médico, que muitas vezes nem mesmo conseguiu dormir à noite, engole seu café da manhã e ruma ao consultório, onde vários pacientes o esperam. Muitos estão desesperados, ensandecidos por uma palavra amiga e de conforto e que lhes reacenda o sentimento de esperança para que possam continuar a lutar pela vida.

Deveras, o médico segura em muitas mãos, mas, tem encontrado poucas para segurarem a sua.

Ao final da tarde, sai do consultório extenuado e, nem sempre consegue ir para casa, ver a família. Muitos assumem longos e exaustivos plantões, muitas vezes em hospitais públicos com poucos ou nenhum recurso para sua especialidade.

Tendo em vista essa rotina sobre-humana - e, em muitos casos, desumana - é evidente que o médico não tem tempo hábil para documentar tudo, transcrever cada detalhe, registrar cada intercorrência, descrever cada protocolo de atendimento e precaver-se contra as mais variadas e possíveis alegações do tão temido erro médico.

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Entretanto, o médico não mais precisa fazer tudo sozinho. Nem deve. Na vida de qualquer pessoa é preciso a intervenção de várias pessoas e profissionais para que a mesma consiga dar execução em tudo o que deve fazer.

Diante disso, a consultoria e a assessoria jurídicas precisam começar a ser vistas pelos médicos brasileiros da mesma forma que são vistas pelos médicos estadunidenses: como investimento. A consultoria e assessoria jurídicas devem entrar dentro do ativo financeiro das clínicas e consultórios médicos.

Dentro da área de consultoria e assessoria jurídicas o advogado auxilia o médico fazendo com que o mesmo ganhe dinheiro ou dando caminhos para que o mesmo evite perder dinheiro.

Assim como o médico, na contemporaneidade, não trata doentes, mas sim é um promotor da saúde, o advogado não resolve problemas, mas, promove soluções. Justamente por isso, o investimento mais eficaz para o médico é na advocacia preventiva e não na litigiosa, que ocorre quando os problemas já estão instaurados, ou seja, as ações cíveis, penais e administrativas já foram propostas.

Uma advocacia preventiva evita que o médico passe pela tríade emocional de enfrentar acusações por erro médico, que são: 1. Ansiedade (preocupação com o prazo para ofertar a defesa e os meios de provas mais eficazes para afastar sua responsabilidade); 2. Medo (com as consequências do que pode ocorrer); e 3. Tempo (no começo o profissional quer saber do andamento dos processos, depois, fica bravo se o advogado liga informando, pois, é um problema que lhe suga tanta energia que o profissional não quer lembrar do mesmo por muito tempo). Portanto, é uma questão de análise de custo-benefício.

A frase-guia do presente momento é: ninguém faz nada sozinho. Até mesmo o médico tem que formar uma boa equipe.

 


6. E quanto ao paciente: pode acontecer do mesmo ter sido vítima de erro médico e ficar em dúvida acerca de sua ocorrência?

 

Plenamente possível. Nesse caso, o paciente deve procurar uma segunda opinião médica para uma correta avaliação do seu quadro pós-tratamento.

Justamente por isso o médico deve documentar absolutamente tudo que faz com o paciente e lhe fornecer cópias desta documentação.

Assim, caso o paciente procure uma segunda opinião, ao entregar ao outro médico seu histórico, devidamente documentado, terá a resposta correta acerca do que realmente ocorreu durante seu tratamento com o profissional anterior.

Afinal, infelizmente, não é incomum que o médico ou advogado consultado pelo paciente tenha apenas a versão deste em que se fiar. Muitas ações de suposto erro médico poderiam ser evitadas se os atos fossem devidamente documentados.

 


7. O que deve fazer o paciente quando for vítima de erro médico?

 

A primeira providência é procurar um advogado e expor o caso. O profissional que tenha conhecimento desse ramo do direito irá analisar os documentos médicos apresentados pelo paciente e, assim, verificar se é possível o ajuizamento de uma ação judicial visando a reparação do dano alegado.

É fundamental que o paciente se instrua adequadamente antes, evitando, assim, uma aventura judicial, que ocorre quando uma pessoa propõe uma ação judicial sem qualquer base ou fundamento probatório. Isso, inclusive, pode gerar a responsabilização processual, por meio de um instituto chamado litigância de má-fé.

Direito tem quem o consegue provar. Sem provas o direito não se materializa e, assim, não há direito a qualquer indenização.

 


8. O paciente pode ou tem como evitar o erro médico?

 

É muito difícil uma precaução total. Imagine-se o melhor cirurgião do mundo que, em uma determinada cirurgia, comete um ato de imperícia, como, por exemplo, esquecer um instrumento de cirurgia no abdômen da pessoa? São coisas que podem acontecer. O médico, quando constata um erro médico, pode (e deve) envidar todos os esforços para minimizar ou reparar os possíveis danos ao paciente.

O que o paciente deve fazer é pesquisar sobre o profissional ao qual será submetido a tratamento. Pesquisar as qualificações profissionais do médico que o acompanhará no restabelecimento de sua saúde é de fundamental importância. Muitos profissionais da Medicina têm feito propaganda de especialidades que não possuem. Não é incomum, por exemplo, clínicos gerais que se autointitulam especialistas em cirurgia plástica. Esses têm cometido os mais trágicos danos aos seus pacientes.

Além da inscrição no Conselho Regional de Medicina do Estado em que atua, o profissional, atualmente, deve ter uma inscrição de especialista, chamada RQE – Registro de Qualificação de Especialista[25].

Portanto, mostra-se de fundamental importância que as pessoas se informem acerca dos profissionais pelos quais serão consultadas, tratadas e, até mesmo, operadas, e, valendo-se do atual repertório tecnológico hoje disponível, pesquisem as qualificações dos profissionais de cujas especialidades médicas necessitam.

Essa, acreditamos, para o paciente, a maior medida preventiva da atualidade.

 

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Sobre o autor
Rodrigo Mendes Delgado

Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; [email protected])

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Rodrigo Mendes. Medicina autopreventiva: a relação médico-paciente na visão judicial:: primeiras linhas acerca da política de redução de danos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6296, 26 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85564. Acesso em: 20 abr. 2024.

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