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Medicina autopreventiva: a relação médico-paciente na visão judicial:

primeiras linhas acerca da política de redução de danos

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26/09/2020 às 08:30
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9. Qual é o grande objetivo de uma ação judicial para constatação do erro médico?

 

Na esfera civil, a ação indenizatória visa reparar ou ressarcir os danos que o paciente alega ter tido em decorrência do tratamento médico. Estes danos são de ordem estética, moral e/ou material. Aqui o objetivo é dinheiro, ou seja, buscar uma justa reparação pelos danos sofridos. Há aqui, também, a possibilidade de requerimento de reparação in natura, ou seja, de que o profissional refaça o procedimento que causou o dano, visando restabelecer as coisas ao estado em que estavam antes do procedimento.

Citamos, como exemplo, nesta modalidade de reparação in natura, os procedimentos de cirurgia plástica estética. Um erro estético causado em uma cirurgia pode ser solucionado/reparado por outra. É importante, todavia, deixar consignado que, na ampla maioria dos casos, o paciente não quer que o mesmo médico refaça o procedimento. Diante disso, o juiz determina que o procedimento seja refeito por outro profissional, às custas do médico faltoso.

Na esfera administrativa, por meio da instauração do processo ético-disciplinar, o objetivo é buscar que o órgão de classe do médico aplique uma penalidade administrativa, consoante seus estatutos e, fundamentalmente, o Código de Ética Médica.

Já na esfera penal, a mais complicada, o paciente busca que o Estado imponha ao profissional faltoso uma pena, com o objetivo de puni-lo por uma conduta que reputa grave, decorrente da lesão a um bem tutelado pelo Direito Penal, como, por exemplo, sua integridade física, sua vida, dentre outros.

A experiência tem nos mostrado que, geralmente, o registro de uma ocorrência policial só ocorre quando os canais de diálogo falharam, ou seja, quando o paciente sente que não recebeu do profissional a devida atenção. São mais comuns as ocorrências policiais que desembocam em ações penais quando o caso envolve lesão corporal de natureza gravíssima ou homicídio. Por essa razão, uma consultoria e assessoria jurídicas que funcionem, inclusive, como canal de comunicação entre médico e paciente é de fundamental importância.

Quanto às ações indenizatórias, importante fazermos mais algumas considerações.

Falamos em reparação quando é possível relocar as coisas no estado anterior em que se encontravam antes do dano. Exemplo: uma cirurgia plástica estética. Quando o cirurgião plástico constata um erro cometido, deve o mesmo, da forma a mais imediata possível, submeter o paciente a nova cirurgia para corrigir o erro. Se isso não for feito, o paciente pode acioná-lo judicialmente para o que o faça.

Caso o paciente tenha perdido a confiança no profissional, o médico que fez a cirurgia pode pedir que outro colega de sua confiança realize o procedimento reparador com a máxima urgência. Se o caso já estiver sendo discutido judicialmente, o paciente pode requerer ao juiz que nomeie um profissional que faça o procedimento, sendo, neste caso, pago pelo médico faltoso.

Já a compensação ocorre quando não é possível recolocar as coisas no estado anterior em que se encontravam antes do dano. É o caso dos danos estéticos, como, por exemplo, a perda de um membro em decorrência de uma cirurgia ou tratamento malsucedido. Nesse caso, o Poder Judiciário estabelece um valor que sirva para compensar os danos sofridos. Estes danos podem ser de ordem moral e/ou estética.

Pode ainda, o paciente sofrer danos de ordem material, como despesas com outros tratamentos decorrentes do erro médico sofrido e, ainda, por não poder trabalhar por certo período, em decorrência das intercorrências sofridas, necessitar de auxílio para o próprio sustento por determinado período de tempo.

Nesse caso, configura-se o que se chama de perdas e danos. A previsão da compensação por perdas e danos está prevista nos arts. 402 a 405 do Código Civil, que gizam:

 

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

 

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

 

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

 

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

 

Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial. (grifos nossos)

 

As perdas e danos se subdividem em danos emergentes e lucros cessantes. O dano emergente é o prejuízo efetivamente sofrido pelo lesado e os lucros cessantes consistem no que o lesado razoavelmente deixará de lucrar pelo período em que estiver i

ncapacitado para o trabalho.

 


Conclusão

 

Tendo em vista o quanto acima posto e exposto, fica claro que o melhor caminho que o profissional da área médica tem a trilhar, na contemporaneidade, é praticar o que se chama de medicina autopreventiva.

A medicina autopreventiva compõe-se, fundamentalmente, em o médico formar uma sólida equipe para gerir sua empresa, afinal, uma clínica médica é uma empresa.

Isso, evidentemente, não é mercantilizar a medicina, o que, inclusive, é vedado pelo Código de Ética Médica, a exemplo do que prescreve seu art. 58, que giza que é vedado ao médico: “O exercício mercantilista da Medicina”.

Praticar a medicina autopreventiva, inclui, dentre outros protocolos, incorporar na rotina da clínica a governança corporativa[26], um dos sub-ramos da ciência administrativa.

Além disso, não se pode esquecer de que o médico não deve fazer tudo sozinho. A dinâmica de trabalho do século XXI é diametralmente diferente da rotina do médico de família, que possuía poucos pacientes e confeccionava todos os documentos relativos aos tratamentos prescritos. Os prontuários médicos, não se esqueça, eram feitos à mão (letra cursiva) e poucos arquivos bastavam para conter todos os prontuários dos pacientes.

No mundo contemporâneo houve um aumento vertiginoso e desmesurado da demanda. Os avanços tecnológicos requerem, cada vez mais, o autoaperfeiçoamento do profissional da medicina, impedindo que o mesmo se ocupe de tudo ao mesmo tempo. Gerir uma clínica se tornou algo bastante estressante e complexo.

Além disso, o médico tem que se preocupar com a má-fé de alguns pacientes, que esperam o mínimo deslize para adentrarem com processos judiciais visando à obtenção de altas, ilusórias, além de irracionais, somas de dinheiro. Querer dinheiro fácil e a qualquer custo é uma característica humana muito antiga.

Tendo tudo isso em vista, fica evidente que, sozinho, o médico não será capaz de confeccionar todos os documentos médicos de que necessita e, nem mesmo, atentar-se para todos os possíveis desdobramentos das mais variadas terapêuticas de que seus pacientes necessitarão.

Em razão disso, mais do que nunca, o médico deve se valer de serviços de consultoria e assessoria jurídicas para estar constantemente salvaguardado de possíveis aventuras judiciais perpetradas por pacientes mal intencionados que, em inúmeras situações, apenas saem vencedores em suas pretensões porque o médico, já sobrecarregado de afazeres, consoante amplamente exposto acima, não teve tempo de documentar tudo da forma a mais detalhada possível.

Perde-se pela escassez, nunca pelo excesso de zelo.

 

 


Notas

[1] Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2017/06/23/a-proposito-do-direito-medico/> Acesso em 25 ago 2019.

[2] Disponível em: < https://www.adesaoonlineanadem.com.br/> Acesso em 25 ago 2019.

[3] É Médico e Bacharel em Direito. Professor. Membro da Academia Nacional de Medicina Legal. Ex-Secretário do Conselho Federal de Medicina. Ex-Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba. Membro da Junta Diretiva da Sociedade Ibero-americana de Direito Médico (SIDEME). Autor.

[4] Idem.

[5] Bioética (grego: bios, vida + ethos, relativo à ética) é o estudo transdisciplinar entre Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Filosofia (Ética), e Direito (Biodireito) que investiga as condições necessárias para uma administração responsável da Vida Humana, animal e ambiental. Considera, portanto, questões onde não existe consenso moral como a fertilização in vitro, o aborto, a clonagem, a eutanásia, os transgênicos e as pesquisas com células tronco, bem como a responsabilidade moral de cientistas em suas pesquisas e aplicações na área da saúde. (Disponível: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Bioética>. Acesso em: 19 set. 2020)

[6] Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cirurgia_pl%C3%A1stica> Acesso em 25 ago 2019.

[7] Idem.

[8] TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil”. 14.ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, vol. 2, 2019, págs. 160/161.

[9] “O cirurgião plástico assume obrigação de resultado porque o seu trabalho é, em geral, de natureza estética. No entanto, em alguns casos a obrigação continua sendo de meio, como no atendimento a vítimas deformadas ou queimadas em acidentes, ou no tratamento de varizes e de lesões congênitas ou adquiridas, em que ressalta a natureza corretiva do trabalho”. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 14.ed. São Paulo: Editora Saraiva, vol. 4, 2019, págs. 353/354)

[10] “Conforme já dissemos em volume anterior, “interessante questão diz respeito à obrigação do cirurgião plástico. Em se tratando de cirurgia plástica estética, haverá, segundo a melhor doutrina, obrigação de resultado. Entretanto, se se tratar de cirurgia plástica reparadora (decorrente de queimaduras, por exemplo), a obrigação do médico será reputada de meio, e a sua responsabilidade excluída, se não conseguir recompor integralmente o corpo do paciente, a despeito de haver utilizado as melhores técnicas disponíveis”. (STOLZE, Pablo Gagliano; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 17.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, vol. 3, 2019, p. 285)

[11] Idem.

[12] “Deve ficar claro que o médico cirurgião plástico reparador assume obrigação de meio ou diligência, somente respondendo se provada a sua culpa. Não está correta a afirmação de o médico cirurgião plástico responder independentemente de culpa. Isso somente ocorre para o médico cirurgião plástico estético. (TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil”. 14.ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, vol. 2, 2019, págs. 159/160)

[13] Disponível em: <https://www.konkero.com.br/consorcio/cirurgia-e-estetica/tire-15-duvidas-sobre-o-consorcio-para-cirurgia-plastica> Acesso em 25 ago 2019.

[14] http://www2.cirurgiaplastica.org.br/2018/02/06/nota-de-esclarecimento-consorcios/.

[15] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-ago-02/opiniao-cirurgia-plastica-estetica-implica-obrigacao-resultado> Acesso em 26 ago 2019.

[16] Idem.

[17] Ibidem.

[18] Idem, ibidem.

[19] Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=8fe826ac-881a-4b5b-a9f8-606f859a6dab&groupId=10136> Acessado em 25 ago 2019.

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[20] Prognóstico, em medicina, é conhecimento ou juízo antecipado, prévio, feito pelo médico, baseado necessariamente no diagnóstico médico e nas possibilidades terapêuticas, segundo o estado da arte, acerca da duração, da evolução e do eventual termo de uma doença ou quadro clínico sob seu cuidado ou orientação. É predição médica de como doença e/ou paciente irá evoluir, e se há e quais são as chances de cura. Estudos de prognóstico são indispensáveis tanto para a equipe médica quanto para os pacientes, pois podem levar a decisões importantes sobre o curso de cada tratamento e procedimento relevante à qualidade de vida e às tomadas de decisões. É de se anotar, imperativamente, que um prognóstico só é levado a efeito, pois proferido, com base em necessário e suficiente diagnóstico médico do caso, da situação, como ao momento do exame se apresenta. Não há, pois, credível prognóstico sem diagnóstico, o que, em qualquer caso, seria temeridade. (Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Progn%C3%B3stico>).

[21] Idem.

[22] Disponível em: <https://www.unimed.coop.br/web/regionalsulgoias/servicos/hospital-unimed/termo-de-consentimento/termos-de-consentimento-informado?inheritRedirect=true&redirect=%2Fweb%2Fregionalsulgoias%2Fservicos> Acesso em 25 ago 2019.

[23] Reza o inciso XIV, do art. 5º: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

[24] Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/subs/santoanastacio/institucional/artigos/da-responsabilidade-civil-do-medico-2013-a-culpa-e> Acesso em 25 ago 2019.

[25] O RQE significa Registro de Qualificação de Especialização. É um registro complementar, também emitido pelo Conselho Regional de Medicina de cada estado, que garante que o profissional, além de apto a exercer a Medicina, é também especialista em alguma área. (Disponível em: <https://ophtalmocenter.com.br/novidades/saiba-o-que-e-rqe-e-porque-ele-e-tao-importante/>. Acesso em 20 set. 2020.

[26] Governança corporativa ou governo das sociedades ou das empresas é o conjunto de processos, costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida, administrada ou controlada. O termo inclui também o estudo sobre as relações entre os diversos atores envolvidos (os stakeholders) e os objetivos pelos quais a empresa se orienta. Os principais atores tipicamente são os acionistas, a alta administração e o conselho de administração. Outros participantes da governança corporativa incluem os funcionários, fornecedores, clientes, bancos e outros credores, instituições reguladoras (como a Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central etc.) e a comunidade em geral. Muitas vezes nota-se que esta palavra é utilizada de maneira equivocada como sinônimo de Administração. A governança preocupa-se com os stakeholders enquanto que a Administração é voltada basicamente para a gestão interna das empresas. Governança corporativa é uma área de estudo com múltiplas abordagens. Uma das principais preocupações é garantir a adesão dos principais atores a códigos de conduta pré-acordados, através de mecanismos que tentam reduzir ou eliminar os conflitos de interesse e as quebras do dever fiduciário. Um problema relacionado, entretanto normalmente tratado em outro fórum de discussão é o impacto da governança corporativa na eficiência econômica, com uma forte ênfase em maximizar valor para os acionistas. (Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Governança_corporativa >. Acesso em: 20 set. 2020)

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Sobre o autor
Rodrigo Mendes Delgado

Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; [email protected])

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Rodrigo Mendes. Medicina autopreventiva: a relação médico-paciente na visão judicial:: primeiras linhas acerca da política de redução de danos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6296, 26 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85564. Acesso em: 22 dez. 2024.

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