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As representações do sistema de justiça criminal cearense acerca de mulheres vítimas do crime de estupro.

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Agenda 04/11/2020 às 15:24

3 ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES EM DECISÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL CEARENTE ACERCA DO ESTUPRO

Como foi exposto no decorrer dos capítulos anteriores, resta demonstrado que o movimento de mulheres percorreu uma longa trajetória para que seus direitos fossem reconhecidos. Pois, como visto, as legislações penalistas mais antigas traziam em seu bojo conteúdos androcentrados, de dominação masculina, e consequente desvalorização da figura da mulher, fazendo com que as mesmas fossem divididas em classes de mulheres com honra e sem honra. Nesse sentido, inicialmente se faz necessário abrir um tópico no presente capítulo com uma breve problematização do valor probatório da palavra da vítima em julgamentos de crimes sexuais.

Em seguida, ainda neste capítulo, será apresentada a análise do texto e as representações de notícias que trazem processos que foram julgados pelo Sistema de Justiça Criminal Cearense. Sendo importante trazer à tona o conceito de representações.

3.1 Valor probatório da palavra da vítima em crimes sexuais

Como se sabe, a instrução probatória é de suma importância em todos os âmbitos do Direito, pois é através das provas que o juiz consegue fundamentarsuas decisões, concretizando de maneira hábil suas convicções. A palavra prova é apenas o gênero de onde decorrem algumas espécies, quais sejam: depoimento pessoal, prova pericial, testemunhal, documental, dentre outras. Cada tipo penal trará suas particularidades inerentes, as quais ensejarão o tipo de prova mais adequado(SPERANDIO, 2017).

Nesse sentido, se faz grande destaque à palavra da vítima no que se refere aos crimes contra a dignidade sexual, tendo a palavra do ofendido uma valoração diferente com relação aos demais crimes, objetivando-se com isso, uma satisfatória aplicação do Direito Penal, sem que haja implicação de prejuízo aos interesses do acusado. Assim sustenta Grego Filho:

Evidentemente, para que o sujeito ativo que praticou crimes contra a dignidade sexual seja condenado, é indispensável a comprovação da autoria e materialidade do delito, para que assim o magistrado possa avaliar as provas e julgar a ação procedente ou improcedente, aplicando-se o direito ao caso concreto.

Os crimes sexuais tanto podem ser comprovados por documentos, através de vídeos e laudos psicológicos, como também por exame de corpo de delito. O que ocorre é que no primeiro caso, por exemplo, é muito difícil para a vítima conseguir provas documentais. Isto porque, em decorrência da própria natureza do delito, o fato normalmente ocorre de forma sorrateira, às escondidas, tornando quase impossível para a vítima que essa comprove a materialidade do fato através de documentos.

No segundo caso, por exame de corpo de delito, se vê uma maior efetividade com relação ao primeiro tipo de prova. Nesse sentido, reza o artigo 158 do código de processo penal: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”Os exames de corpo de delito que normalmente são utilizados quando há emprego de violência, são divididos em: Exame de Conjunção Carnal, Exame de Ato Libidinoso e Exame de Pesquisa de Espermatozoides, além do Exame de Lesão Corporal. Contudo, não é sempre que esses crimes deixam vestígios, mesmo com realização dos exames citados, fatores como: decurso de tempo, peculiaridades físicas ou psíquicas ou, até mesmo uma característica própria do abuso realizado, podem fazer com que um dos referidos exames não possuam efetividade. Nesse caso, o artigo 168, § 3 do Código de Processo Penal, tenta suprir em seu conteúdo casos em que não se possa comprovar o crime através do exame de corpo de delito: “§ 3º A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal.”

O STJ sustenta, em seu agravo regimental:

A ausência de laudo pericial conclusivo não afasta a caracterização de estupro, porquanto a palavra da vítima tem validade probante, em particular nessa forma clandestina de delito, por meio do qual não se verificam, com facilidade, testemunhas ou vestígios. (AgRg no AREsp 160961/PI, 6ª T., rel. Sebastião Reis Júnior, 26.086.2012, v.u.).

Nesse mesmo sentido, Tourinho Filho (2013) assevera que:

Nos crimes contra a liberdade sexual, e.g., a palavra da ofendida constitui o vértice de todas as provas. Na verdade, se assim não fosse, dificilmente alguém seria condenado como corruptor, estuprador etc., uma vez que a natureza mesma dessas infrações está a indicar não poderem ser praticadas à vista de outrem.

Consideradas essas peculiaridades, vale ressaltar que até mesmo uma clara evidência médica de abuso sexual muitas vezes ainda não constitui prova forense no que se refere à pessoa que cometeu o abuso. Portanto, a prova documental e o exame de corpo de delito podem não ser totalmente efetivos para comprovação de um crime de estupro, tendo a palavra da vítima efetivo valor probatório, sendo valorada de modo diferenciado em crimes contra dignidade sexual.

3.2 Elementos que aumentam a confiabilidade da palavra da vítima

Os crimes contra a dignidade sexual são delitos que carregam um forte e negativo estigma social, tanto para o agressor como para a vítima. Como já demonstrado em capítulos anteriores, a sociedade pode trazer consequências psicológicas maiores para a vítima em decorrência de preceitos androcentrados, que culminam na atribuição da culpabilidade ao sujeito passivo. Por essa razão, admite-se uma maior credibilidade ao meio de prova isolado para o depoimento da vítima de estupro. No entanto, não é tão somente a prova isolada que vinculará o juiz ao depoimento. Essa última deve conter verossimilhança e linearidade ante os fatos narrados, sendo analisada também a fidedignidade de quem prestou o depoimento.

É válido ressaltar que são quase inexistentes casos em que a vítima mente para prejudicar o agressor, pois como já dito, não são poucas as consequências advindas do fato, são lastros que podem perdurar por toda vida. Outro quesito que deve ser levado em conta é a firmeza exposta pela vítima em suas palavras, narrando um fato verossímil e sem contradições. Nesse sentido, sustenta Bittencourt (1971):

Elemento importante para o crédito da palavra da vítima é o modo firme com que presta suas declarações. Aceita-se a palavra da vítima, quando suas declarações ‘são de impressionante firmeza, acusando sempre o réu e de forma inabalável’ (RT. 195-355)

A convicção da vítima termina por aumentar a credibilidade do depoimento. Ao final cabe ao juiz através do seu livre convencimento e tendo por base esses conhecimentos sobre a palavra da vítima em crimes sexuais, decidir sobre o julgamento final do processo.

Fernandes (1995) traz considerações acerca do livre convencimento do juiz:

Por certo, em um sistema onde vigora o livre convencimento motivado do magistrado, este não está sujeito a regras e valores previamente determinados em relação às provas, podendo, por esta razão, a palavra do ofendido por vezes, convencê-lo mais do que as de uma testemunha.

Portanto, a palavra da vítima aliada aos fatores citados possuem tratamento diferenciado no que se refere aos crimes contra dignidade sexual, pois se sabe que é uma situação que causa constrangimento e diversas consequências nefastas para a vítima, fazendo com que se atribua credibilidade no que a mesma expõe. Importa salientar que tal valoração não fere as garantias do acusado, pois a palavra da vítima deve ser criteriosamente analisada, através da verossimilhança e linearidade com os fatos, com especial atenção a possíveis desarmonias, para que assim seja aplicado o critério de especialidade nos crimes contra dignidade sexual.

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Com isso, após conhecer o valor probatório que a palavra da vítima possui nos crimes de estupro, serão analisados processos da Justiça Estadual do Ceará, se atentando às representações do judiciário no que se refere aos crimes de estupro.

3.3 Representações Sociais: uma breve conceituação

Para que se entenda melhor a titularização do presente trabalho, é importante salientar o que se entende por representações e de que forma será apresentada nos seguintes tópicos. O termo representações sociais tem como fundador o psicólogo social Serge Moscovici, seu objetivo era ser aplicado na psicanálise e em todas as áreas de conhecimento. Segundo Moscovici (2007) “Representações Sociais são teorias emanadas do senso comum, as quais estão presentes na vida cotidiana, nas relações entre os indivíduos e nos meios de comunicação.” Ou seja, são representadas por um grupo de pessoas no qual cada individuo se comunica por meio do seu conhecimento, opiniões, crenças e ideias referentes a um determinado assunto.  Dessa forma, o presente trabalho traz as representações as quais o judiciário Cearense possui no que se refere ao crime de estupro, tanto no que se refere ao magistrado, como a defesa.  Os quais serão abordados nos tópicos seguintes.

3.4 Análise de processos de crime de estupro

Neste tópico, é apresentada a análise do texto de algumas notícias que trazem processos que foram julgados pelo Sistema de Justiça Criminal Cearense. A análise teve como propósito identificar a ocorrência da culpabilização da vítima de estupro (através do argumento da vítima provocadora) e sua sobrevitimização. Nas narrativas em que a culpabilização da vítima e a sobrevitimização foram identificadas, a análise recaiu sobre a identificação dos emissores da narrativa (juiz, defesa, acusação). Os textos foram submetidos a uma cuidadosa leitura, que considerou o conteúdo total das narrativas contidas no texto verificando se, em seu bojo, a figura da mulher está em equilíbrio com a figura do homem, ou, se ao contrário, incide um discurso androcentrado e patriarcal. Para a realização deste trabalho analítico, foram consideradas manifestações das partes no que se refere às alegações advindas do judiciário, no âmbito da denúncia, da defesa e do julgamento.

Os processos se referem à apuração de crimes de estupro, em que a análise se restringiu da denúncia até a sentença de 1º grau, por se apresentarem mais próximas dos fatos a serem avaliados, porém excepcionalmente foram abordados casos que ultrapassaram tal delimitação em decorrência da sua natureza inédita. Os processos foram representados por numeração não intencional, tendo em vista a da delicadeza do tema, bem como os traumas trazidos às pessoas envolvidas. Além disso, a identificação das partes foi feita unicamente por meio das iniciais de seus nomes.

3.3.1 Processo nº 1

Trata-se de processo que tramitou na 3ª Vara Criminal de Fortaleza no ano de 2014, compreendendo dois crimes de estupro praticados por um policial militar T.C.S, onde o mesmo teria oferecido carona para uma mulher, por volta das 21h, a qual foi recusada pela mesma. Em seguida, o autor perseguiu a vítima e se utilizando de arma de fogo a obrigou a entrar no veículo e praticar sexo oral com ele. O autor realizou abordagem semelhante com outra vítima, por volta das 5h, onde a mulher se encontrava em uma parada de ônibus. A defesa de T. negou seu envolvimento, sustentando que os depoimentos das vítimas não seriam suficientes para comprovar a autoria. O processo acabou determinando ao réu uma condenação a 12 anos de prisão, em regime fechado, por dois crimes de estupro. Segundo o magistrado “em nenhum momento as vítimas apresentaram declarações dissonantes ou contraditórias, como alega a defesa do acusado. Pelo contrário, narraram à sucessão de fatos de forma contínua e coesa com todo o conjunto fático probatório, oferecendo elementos suficientes para se concluir pela autoria do acusado”.Determinou ainda que o réu não poderia recorrer em liberdade.

Esse processo permite que se leia nas entrelinhas que o comportamento do autor denota “o poder” que o homem, mesmo em tempos hodiernos, julga ter em face das mulheres pois, como é notório, o mesmo ignorou o direito de liberdade que as mulheres possuem, se valendo de meios coercitivos em busca de satisfação sexual. Além disso, é visto como a palavra da vítima é tratada de forma pouco satisfatória nas alegações finais pela defesa.É alegado que o conteúdo de suas palavras é fraco e duvidoso, não podendo vincular o juízo, colocando a figura da mulher como ser sugestionável e não merecedor de confiança. O interessante do referido caso é que o juiz não acatou os argumentos da defesa, trazendo assim com essa decisão uma maior segurança para possíveis vítimas de estupro, tendo em vista que muitas deixam de ir ao judiciário por suporem que encontrarão juízes que façam pouco caso da palavra da vítima,desmotivando futuras denúncias.

3.3.2 Processo nº 2

O segundo processo ocorrido em 2017 tramitou na comarca de Fortaleza, Estado do Ceará, trata-se de um líder religioso que foi condenado a 10 anos de prisão por tentativa de estupro de vulnerável. A narrativa dos fatos se deu da seguinte forma: o réu foi acusado de abusar sexualmente de meninas e mulheres com idade entre 12 e 30 anos. Há cerca de dez acusações semelhantes contra o fundador da comunidade religiosa. Testemunhas também apontam a esposa dele, de ser conivente com os crimes. Conforme depoimento das vítimas, o acusado convidava fiéis da comunidade a dormirem na sua residência, e à noite alegava ter as ouvido com tosse, e as dopava com algum remédio. A esposa do autor estimulava as garotas a utilizarem roupas íntimas para agradar o mesmo. No caso exposto, a menina que sofreu a violência alegava ter acordado no outro dia com uma pressão no quadril e ao abrir os olhos viu o denunciado saindo do quarto, em seguida deparou-se com o próprio short abaixado. A defesa nega que o réu tenha cometido os fatos, expondo que já era costume que membros da comunidade fossem dormir na sua casa, visto que ele era o líder da mesma. Alegou ainda que era normal que elas fossem para lá doentes, e por isso ele aplicava alguns remédios, no entanto, o que mais chama a atenção na alegação da defesa é que, ao final, o réu alega que na verdade a vítima está sendo influenciada pelo pai, sendo induzida a crer no abuso sexual.

Dessa forma, é visto como mais uma vez os agressores tentam tornar a palavra da vítima duvidosa. O argumento de que a vítima é influenciada pelo pai coloca a palavra da vítima como subordinada à palavra de um homem. A filha é vista como propriedade absoluta do pai e essepossivelmente estaria inventando fatos para que a “justiça fosse feita”, desacreditando, a defesa, totalmente das palavras da vítima, tornando-a uma figura secundária na situação. A juíza do caso afirma que não restou comprovada a consumação do crime, no entanto, considera que ele queria praticar o crime. Os familiares da vítima expõem que a condenação demonstrou justiça, alegando que todos foram sensíveis ao caso sejam juízes, promotores e delegados e que iriam reforçar os amparos psicológicos da filha. Portanto, a figura jurisdicional mostrou-se justa e coerente, mais uma vez trazendo segurança jurídica e reforçando a palavra da vítima como meio de prova efetivo.

3.3.3 Processo nº 3

O processo número 3 ultrapassa a sentença de 1º grau, em decorrência da natureza inédita da decisão. Ocorre que o Tribunal de Justiça do Ceará anulou uma sentença que acusou o réu de ter praticado estupro e (ao tempo) atentado violento ao pudor contra uma adolescente. A data do fato foi em 2013.Houve repercussão nacional, tendo em vista que o crime ocorreu nas dependências da sede de um órgão da própria Justiça, o prédio anexo III do Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Ocorre que, ao apreciar um recurso de apelação da defesa do réu, a Segunda Câmara Criminal do TJ-CE, por unanimidade de votos de seus integrantes (três a zero), decidiu anular a condenação de 12 anos de prisão imposta ao acusado do crime, o vendedor de gravatas M.D.R. Em decorrência da Juíza de primeiro grau, titular da 12ª Vara Criminal da Capital, ter supostamente ignorado um pedido da defesa que, no decorrer da tramitação do processo, postulou a perícia degravação de uma fita com imagens da entrada do casal no edifício do TRT, gravada pelas câmeras da vigilância eletrônica. De acordo com a defesa, a magistrada não se posicionou nem contra nem a favor do pedido da perícia e condenou o réu. Caso ascendeu à Segunda Câmara Criminal do TJ. O advogado criminalista subiu à tribuna e fez a defesa oral do recurso, que foi acatado, inicialmente, pelo relator da matéria, o desembargador. Os demais desembargadores acompanharam o voto do relator. Agora, com a anulação da condenação, o processo deve retornar à 12ª Vara Criminal com a determinação para que a juíza despache sobre o pedido de perícia. A defesa alega que não houve crime de estupro e atentado violento ao pudor. A garota teria agido espontaneamente acompanhando o vendedor – que conhecera horas antes em um centro comercial – até a sede do TRT, onde ocorreu a relação sexual entre os dois.

Trata-se de uma situação que acaba trazendo mais constrangimento à vítima, pois em tese aquela situação constrangedorahaviasuperado uma fase. No entanto, não foi o que ocorrera. Em decorrência de um erro judicial, a vítima terá que reviver em sede de 1º grau novamente a situação. Isso demonstra uma negligência judiciária em face de um crime que, mais que fisicamente, também atinge psicologicamente a vítima, o que acaba repercutindo insatisfação e insegurança jurídica.

3.3.4 Processo nº 4

O processo número 4 que tramitou na 2ª Vara da Comarca de Camocimem 2015 compreende um crime praticado em face de uma menor de idade. O Juiz da vara supracitada, condenou o Réu a uma pena de 9 anos e 4 meses para ser cumprida inicialmente em regime fechado, em decorrência de o acusado ter mantido relações sexuais com uma adolescente entre os seus 12 ou 13 anos de idade. Ocorre que os fatos só foram levados à autoridade policial quando a vítima já se encontrava com suspeita de gravidez do acusado. No interrogatório, o Réu negou as acusações, e resumiu-se em arguir que a acusação era fruto de uma perseguição que a tia da vítima possuía contra o mesmo.

O juiz expôs que a defesa da vítima no interrogatório era descabida, fantasiosa e desprovida de verossimilhança. A vítima por outro lado, narrou com riqueza de detalhes toda a situação, inclusive alegou em sua exposição que encontrava o acusado 3 vezes por semana e estava sendo ludibriada em decorrência de uma proposta de casamento vinda do réu. A defesa do acusado requereu de pronto sua absolvição, pois alegou que não havia elementos probatórios conclusivos que indicassem que o réu participara de fato no crime. Segundo a defesa a “decisão foi pautada apenas nas palavras da vítima e de uma tia.”

Importa salientar que, mais uma ve,z a palavra da vítima é vista como insuficiente. Enquanto, no processo nº 2, o poder da palavra do homem é sobrevalorizada, no caso do processo nº 4, a palavra da mulher é subvalorizada na argumentação da defesa. O magistrado por sua vez, ao analisar o pedido da defesa expôs que:

não há como desconsiderar a imaturidade da vítima no que concerne a relacionamentos sexuais, visto que a mesma, além de ser menor, era de reconhecimento público o recato, e a inexistência de relacionamentos anteriores. Dessa maneira, fica devidamente comprovada a tipicidade do delito, concluiu.

De acordo com denúncia do Ministério Público, a vítima teria iniciado o relacionamento com o Réu com 12 anos de idade, e na época o acusado iria buscá-la na escola algumas vezes para manterem relações sexuais. Aos 14 anos a vítima suspeitou de estar grávida do mesmo, quando foi procurada pelo pai do acusado para dar-lhe uma indenização em troca da mesma não ir à justiça ofertar a denúncia.

Revelou-se, na decisão, valor probatório para a palavra da vítima.

3.3.5 Processo nº 5

O caso de número 5 foi tramitado na comarca de Viçosa no Estado do Ceará. O réu F.D.S. foi condenado pelo Juiz H.M.G. a 29 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, pelos crimes de latrocínio (roubo com resultado morte) e estupro. De acordo com os autos, o acusado estuprou e assassinou uma idosa pela madrugada do dia 23 de julho de 2009, para que em seguida lhe roubasse uma quantia de R$ 40,00 (quarenta reais). No interrogatório o Réu confessou o crime, dando detalhe de toda a ação alegando estar acompanhado de outro homem, o qual se encontra foragido. O Ministério Público Estadual denunciou o acusado por latrocínio e estupro.O magistrado aceitou a referida denúncia e pronunciou o réu. A defesa do acusado representada pelo defensor público requereu a absolvição do mesmo, alegando não haver provas suficientes da autoria e materialidade. Na sentença, o juiz H. M. G. disse que, “diferentemente do que afirmou a defesa, a prova apurada durante a instrução foi suficiente e coerente para demonstrar a culpabilidade do réu”.

Trata-se de uma situação que, igualmente às demais citadas, enseja repúdio, pois expõe o caso de uma senhora que estava em sua própria casa e foi vítima de um crime dessa natureza. Como pode ser visto, a defesa tenta se valer dos argumentos de que não há provas suficientes nos autos para ensejar a condenação, pois mesmo o réu tendo confessado todo o crime, sabe-se que a confissão não é elemento suficiente para uma condenação, tendo em vista sua natureza retratável. No entanto, como fora abordado, o crime de estupro normalmente acontece às escondidas, sendo difícil obter elementos probatórios documentais ou testemunhais, e nesse caso nem mesmo a vítima pode narrar os fatos, pois já se encontrava morta. O que se pode ver é que nesse caso a Polícia Civil através de sua investigação foi crucial, pois através dos seus instrumentos conseguiu desvendar o delito.Com isso, traz maior segurança para vítimas dessa violação, tendo em vista que mesmo com a natureza sorrateira do crime, o judiciário através da polícia civil mostrou efetividade, bem como também pelo magistrado que condenou o réu.

3.3.6 Processo nº 6

Trata-se de um processo com trâmite na 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), onde o comerciante R.S.G foi preso em flagrante após praticar ato sexual com uma mulher mediante grave ameaça e manter a vítima em cativeiro. Além disso, o Réu ainda tentou ter relações com uma menor. Ocorre que, por descuido do autor do crime, as vítimas conseguiram fugir. As mesmas relataram que o acusado as abordaram em uma motocicleta, obrigando-as a subir na garupa do veículo. As vítimas afirmaram que conseguiram anotar a placa da moto e passar para a Polícia Militar, que o identificou e o prendeu. A defesa impetrou um habeas corpus alegando que houve excesso de prazo na formação da culpa, ofensa ao princípio da inocência e carência de fundamentação do decreto prisional. O relator por sua vez expõe que:

O paciente foi preso em flagrante pela suposta prática do delito de estupro, por duas vezes, em sua forma consumada e tentada. Esta conduta revela gravidade extrema, havendo a necessidade de seu cárcere, uma vez que nada impede de que, ao ser posto em liberdade, ele cometa novamente o delito, já que tais práticas, em verdade, revelam comportamentos patológicos do criminoso.

A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) acompanhou o voto do relator e negou os pedidos expostos no habeas corpus. Dentre os demais processos expostos, esse foi o único em que houve uma alegação diferente da defesa, em relação ao que foi encontrado nos demais processos. Neste caso, não se alegou ausência de provas, mas sim outros elementos. No entanto, o que é válido salientar diz respeito aos últimos pedido da defesa, quais sejam: ofensa ao princípio da inocência e carência de fundamentação do decreto prisional. Ocorre que mesmo tendo as vítimas fugido de uma situação perigosa e constrangedora, a defesa tenta inibir a gravidade da situação, expondo que, mesmo sendo feita uma prisão em flagrante, as vítimas podem estar mentindo para prejudicar o réu. Esse tipo de alegação acaba por trazer uma situação psicológica ainda pior para as vítimas, pois mesmo após ter passado por transtornos graves, ainda existem alegações de que possivelmente o réu é inocente. Com isso, pode-se extrair como as vítimas desse crime são tratadas frente à defesa, que deixa de lado preceitos morais e humanos. O judiciário, por sua vez, entendeu por acolher a acusação do Ministério Público, eivado de verossimilhança e nexo no que tange às palavras das vítimas.

3.3.7 Discussão sobre os achados processuais

Nesse momento, serão ressaltados os resultados encontrados a partir da leitura dos processos. Foram encontrados alguns padrões e algumas características destoantes do restante em determinados processos. Em um primeiro momento, faz-se necessário expor sobre a falta de credibilidade que se dá à palavra da vítima.Como já demonstrado em tópicos anteriores, a palavra da vítima em crimes contra dignidade sexual, possui valor diferenciado em relação a outros crimes. No entanto, na maior parte dos processos, extraiu-se que a defesa tenta derrubar o referido argumento, expondo que somente a palavra da vítima não enseja a condenação do réu, pois é destituída de veracidade e não possui valor probante. Mesmo mulheres não ofendidas, que presenciaram o ato e serviriam como testemunhas, precisaram ter sua palavra validada. Isso denota que os tempos em que a palavra da mulher não possuía valor ainda persistem na atualidade.

Sobre a questão da imagem que se tem sobre a mulher e sua condição como sujeita de verdade, afirma Coulouris (2010):

Estas últimas eram consideradas as representantes do mal na terra, seres perversos, subversivos e mentirosos por natureza. Contra elas, nenhuma precaução era demasiada; sobre elas, inúmeros discursos foram elaborados e de tal forma que as mulheres foram construídas por teólogos, médicos e juristas como objetos de verdade e excluídas violentamente como sujeitos de verdade. E somente a partir do momento em que se observa essa relação entre as mulheres e a verdade é que a desconfiança e a tortura daquela que acusa pode aparecer como “natural” diante desse espaço perigoso de criminalização do masculino que qualquer julgamento de estupro representa. Principalmente porque, como vimos, a desconfiança em relação aos testemunhos das mulheres é bem anterior ao princípio jurídico de inocência do réu.

Com isso, é visto que essa desvalorização sobre a palavra da mulher advém de tempos antigos, pois as mesmas eram vistas como seres perversos e mentirosos por natureza.

Com relação às testemunhas, se pode extrair que o Réu na maioria dos processos tenta trazer uma motivação de cunho pessoal para aquela, expondo que as mesmas só o estão acusando em decorrência de alguma rixa que se tem com o mesmo.Ou seja, o acusado tenta tirar todo o peso da acusação de si para trazer à tona questões que deem à testemunha utilização de fatos duvidosos e dissonantes, e a vítima nenhuma credibilidade.

Outra questão a ser analisada, é em relação ao problema encontrado em todos os processos.Refere-se à ausência de um atendimento multidisciplinar em relação à ofendida, de maneira que ela serviu no processo apenas como elemento de prova, não lhe sendo oferecidos atendimentos psicológicos. Isso acaba trazendo à tona questões como: as vítimas serem submetidas a vivenciar duas vezes os eventos traumáticos sofridos, pois além de serem vítimas do crime em si, são vítimas do judiciário, tendo em vista que terão de expor todos os fatos vivenciados.Verifica-se, entretanto, que além da ausência de encaminhamentos da vítima a serviços de atendimento integral, os agressores não foram alvo de nenhuma medida educacional de gênero, sendo geralmente submetidos apenas à medida penal padrão de encarceramento. Encarar a violência contra a mulher de forma simplista, por um viés unicamente penal, não parece ter capacidade para sustentar uma política eficiente de combate à violência contra as mulheres.

Por outro lado, pôde-se observar algum avanço em termos de argumentação no interior dos processos de estupro, pois o judiciário do Ceará se mostrou coerente a respeito da força probante da palavra da vítima.Em todos os processos expostos, negou a argumentação da defesa de que não havia provas suficientes nos autos para condenar o réu, se valendo das palavras da vítima como provas suficientes para ensejar a materialidade e autoria do crime.

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