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A educação e a proteção ao deficiente

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Agenda 04/12/2020 às 15:35

III – UM DECRETO NÃO TEM PODER DE INOVAR

O Decreto em discussão afronta a Lei nº 9.394 – Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB) que define educação especial, assegura o atendimento aos educandos com necessidades especiais e estabelece critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial para fins de apoio técnico e financeiro pelo poder público.

Vai além dela. 

O decreto não tem poder de inovação no ordenamento jurídico.

O ministro Toffoli observou que o decreto, que tem por objetivo regulamentar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996), inova no ordenamento jurídico, porque não se limita a pormenorizar os termos da lei regulamentada, mas promove a introdução de uma nova política educacional nacional, com o estabelecimento de institutos, serviços e obrigações que, até então, não estavam inseridos na disciplina da educação do país.

Entre os italianos, Ranelletti, além de outros, entende que o caráter especifico da lei, no sentido material, está na novidade ou modificação (“novità), e não na generalidade, se bem que seja esta uma característica habitual trazida à norma jurídica.

Ranelletti, com razão, nega o caráter de lei às regras que o Estado regula a sua própria atividade, por lhe parecer que não produzam efeito jurídico em relação a terceiros.

Ao lado da generalidade é, sem dúvida, elemento intrínseco, inapartável da lei, a modificação do direito preexistente alterando situações jurídicas anteriores. A novidade de que falou Ranellleti.

Ora, no Brasil, não ocorre no ato administrativo normativo (decreto), mas somente na lei, generalidade e novidade.

Aliás, dita o artigo 5º, inciso II, da Constituição, quanto ao princípio da legalidade e da reserva de lei, que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou não fazer senão em virtude de lei.

A lei que se fala é formal e material de modo que é ato normativo oriundo de reserva do Parlamento.

Há, para o caso, uma supremacia e preeminência de lei formal.

O princípio da legalidade eleva a lei à condição de veículo supremo da vontade do Estado.

A lei é uma garantia, o que não exclui, como bem se avisa, a necessidade de que ela mesma seja protegida contra possíveis atentados à sua inteireza e contra possíveis máculas que a desencaminhem de sua verdadeira trilha.


IV – O ATENDIMENTO ESPECIALIZADO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O ministro salientou que a Constituição Federal garante o atendimento especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, e que, ao internalizar a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por meio do Decreto Presidencial 6.949/2009, o país assumiu um compromisso com a educação inclusiva, "ou seja, com uma educação que agrega e acolhe as pessoas com deficiência ou necessidades especiais no ensino regular, ao invés de segregá-las em grupos apartados da própria comunidade".

Essa mesma Convenção, introduzida no Direito pátrio com status de norma constitucional, possui como princípios:

• O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas

• A não-discriminação

• A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade

• O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade

• A igualdade de oportunidades

• A acessibilidade

• A igualdade entre o homem e a mulher

• O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

Trago o artigo 24 da CDPD: “Artigo 24. Educação. 1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguintes objetivos: a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e auto-estima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana; b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais; c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre. 2.Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão que: a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência; b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem; c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas; d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena.”

O que é deficiência? A Convenção nos dá a resposta.

“Artigo I. Para os efeitos desta Convenção, entende-se por: 1. Deficiência O termo "deficiência" significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. 2. Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência a) o termo "discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência" significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais”

Busca-se a inclusão. A regra geral é que todos os investimentos e esforços de recursos financeiros, humanos e de gestão de política pública devem ser no sentido de garantir a educação inclusiva no sistema educacional regular. O atendimento educacional especializado, enquanto forma de apoio à inclusão educacional plena, não deve substituir a escola regular que é onde a educação inclusiva acontece. Este compromisso vem sendo cada vez mais reforçado como se verá adiante.

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Para tanto, ensinam Romeu Kasuki Sassaki(Artigo 24. Educação. In RESENDE, Ana Paula Crosara; VITAL, Flavia Maria de Paiva. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Versão Comentada. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008. P. 101):

“A inclusão escolar é o processo de adequação da escola para que todos os alunos possam receber uma educação de qualidade, cada um a partir da realidade com que ele chega à escola, independentemente de raça, etnia, gênero, situação socioeconômica, deficiências, etc. É a escola que deve ser capaz de acolher todo tipo de aluno e de lhe oferecer uma educação de qualidade, ou seja, respostas educativas compatíveis com as suas habilidades, necessidades e expectativas. Por sua vez, a integração escolar é o processo tradicional de adequação do aluno às estruturas físicas, administrativa, curricular, pedagógica e política da escola. A integração trabalha com o pressuposto de que todos os alunos precisam ser capazes de aprender no nível pré-estabelecido pelo sistema de ensino. No caso de alunos com deficiência (intelectual, auditiva, visual, física ou múltipla), a escola comum condicionava a matrícula a uma certa prontidão que somente as escolas especiais (e, em alguns casos, as classes especiais) conseguiriam produzir”.

Ora, um mero decreto não pode superar uma Convenção Internacional sobre o tema.

Também a Lei Brasileira de Inclusão, Lei 13.146 de 2015, assegura e promove, “em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”. E diz que toda a pessoa com deficiência “tem direito à igualdade de oportunidades como as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.

Ao deferir a liminar, o relator verificou que o decreto poderá fundamentar políticas públicas que fragilizam o imperativo da inclusão de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. Também assinalou que a proximidade do início de um novo período letivo pode acarretar a matrícula de educandos em estabelecimentos que não integram a rede de ensino regular, em contrariedade à lógica do ensino inclusivo.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A educação e a proteção ao deficiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6365, 4 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87189. Acesso em: 22 dez. 2024.

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