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A defesa da opinião

Agenda 12/01/2021 às 16:15

Comete crime o jornalista que afirma que 'Trump e Bolsonaro deveriam se matar'?

I – O FATO 

Informou o site do  jornal O Globo que o ministro da Justiça, André Mendonça anunciou, no dia 10 de janeiro de 2021,  que vai pedir abertura de inquérito policial contra o escritor Ruy Castro e contra o jornalista Ricardo Noblat. Em sua coluna no jornal "Folha de S.Paulo", Ruy Castro ironizou o presidente americano, Donald Trump, após a crise da invasão do Capitólio na última quarta-feira. O escritor disse que se o presidente americano desejasse se tornar um “mártir”,” herói” ou “ícone” para seus seguidores, poderia se matar. 

Disse Ruy Castro em sua coluna:  

“Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo. Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento? Para o bem do Brasil, nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo demais”. 

O texto foi replicado nas redes sociais por Ricardo Noblat, o que provocou a reação de apoiadores de Bolsonaro. Após a repercussão, o ministro da Justiça afirmou que “alguns jornalistas chegaram ao fundo do poço” e, sem citar nomes, disse que “2 deles instigaram dois Presidentes da República a suicidar-se”. 

II – A LIBERDADE DE IMPRENSA 

Discute-se a liberdade de informação. 

A palavra informação, como situa José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 218), se entende “o conhecimento dos fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções  “a do direito de informar e a do direito de ser informado”. O mesmo é dizer que a liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado”. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que, tanto os indivíduos como a comunidade, estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas. 

Sendo assim a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento, a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. Não se discute que o acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o que se chama de sigilo da fonte. 

Na liberdade de informação jornalística se centra o direito à informação. 

A liberdade de informação que se fala é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação e obtê-las. 

É a liberdade de imprensa, conforme já disse o Supremo Tribunal Federal, um dos pilares da democracia. 

Vem a pergunta: Pode o direito penal ser um instrumento de cerceamento da liberdade de imprensa? Ora, certamente, não. 

Realmente não é possível usar o direito penal para criminalizar opinião, como garantia de imunidade dos detentores do poder, de forma a intimidar jornalistas. 

 Discute-se se houve por parte do jornalista uma crítica ácida. Certamente, sim, mas isso não a torna criminosa, pois há uma distância abissal entre a prática do delito e a crítica feita pela imprensa, mesmo que de forma ríspida.  

Sendo assim, impõe-se, inclusive, ao legislador, na realidade, selecionar, com vista a identificação do bem jurídico tutelado, somente aqueles comportamentos frequentes e intoleráveis, que venham a causar intensa ameaça a um determinado valor essencial, dentro do que chamamos de princípio da intervenção mínima. 

Certamente uma crítica feita pela imprensa, de forma ácida, não repugna um mínimo-ético-social que venha a atingir o direito de outra pessoa (princípio da lesividade). 

Não se pode esquecer que o Direito Penal, ultima ratio da ordenação jurídica, depende da congruência do bem, a ser resguardado por meio do tipo legal, com os valores constitucionais, os quais lhe conferem conteúdo material, como ensinou Claus Roxin (Derecho Penal, parte general, fundamentos, La estructura de la teoria del delito, 1997, t. I, pág. 51 a 58). 

Há, sem dúvida, evidente distância entre a ofensa à honra, que leva aos tipos penais já discutidos, e ainda a crítica jornalística, de modo a entender que a conduta em discussão não pode ser considerada como típica, uma vez que exercida dentro do que se chama de direito à informação. 

Não se pode retirar da sociedade, sob pena de ofensa à democracia, o  senso autocrítico com relação aos fatos, de forma a inibir o direito à opinião. 

Veja-se que o Supremo Tribunal Federal, em decisão, por sua segunda turma, no AI 705.630 – AgR/SC, Relator Ministro Celso de Mello, entendeu o que segue:

´a liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar; o direito de buscar a informação, o direito de opinar, o direito de criticar; a crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais; a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade; não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, vincule opiniões em tom de crítica severa, dura, ou até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações foram dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender´. 

Por outro lado, em julgamento que honra o Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, em decisão da lavra do Ministro Celso de Mello, impediu censura a blog de jornalista. 

Foi dito: “O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censitoria, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação”. 

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A decisão histórica foi proferida em sede liminar na Reclamação (Rcl 18.836), suspendendo uma decisão do Juízo da 2ª Vara da Comarca de Goiânia. 

III – RECORDAR É VIVER 

O atual ministro da Justiça utilizou-se do mesmo preceito do Código Penal que permite ao titular da pasta requisitar ao Ministério Público ação penal por crime contra a honra de presidente da República. 

Isso se deu no passado com a ação penal contra o deputado Francisco Pinto, morto em 2008, que, durante a ditadura militar foi processado por ter feito declaração contra o ditador Pinochet do Chile. 

Lembro o que disse Élio Gaspari, em sua obra “A ditadura derrotada”: 

“Geisel não afrouxara os principais parafusos do regime. Com poucos dias de governo, valera-se de um discurso irrelevante do deputado Francisco Pinto, do MDB baiano, para dar sua primeira demonstração de força sobre o Congresso. Da tribuna, Chico Pinto chamara o general Pinochet de “assassino”, “mentiroso” e “fascista”. Reclamara da tranquilidade com que se recebera o ditador chileno: “Para que não lhe pareça, contudo, que no Brasil todos estão silenciosos e felizes com sua presença, falo pelos que não podem falar, clamo e protesto por muitos que gostariam de reclamar e gritar nas ruas contra a sua presença em nosso país. 

No primeiro ato politicamente relevante de seu governo, o presidente ordenara ao procurador-geral da República que processasse o deputado junto ao Supremo Tribunal Federal por ter insultado um chefe de Estado estrangeiro. Pura demonstração de poder, pois nenhum presidente se incomodara com as acusações feitas por seus aliados a ditadores de países socialistas com os quais o Brasil mantinha relações diplomáticas. A imprensa foi terminantemente proibida de tratar do assunto, e, em outubro, o Supremo condenou Chico Pinto a seis meses de prisão. Fez dele o primeiro parlamentar brasileiro a sair _por decisão do Supremo Tribunal Federal_ do Congresso para o cárcere, num batalhão da PM de Brasília”. 

No caso em discussão, há a figura qualificada, exposta no artigo 141, I, do Código Penal. 

Esse dispositivo legal, que fala em aumento das penas para crime contra honra persiste mesmo diante da vigência do artigo 26 da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que redefiniu os crimes contra a segurança nacional. Se a calúnia ou difamação, que para o caso não existiram, foram dirigidas para atentar contra os bens jurídicos protegidos pela Lei de Segurança Nacional, esta será aplicável, como se lê do artigo 2º da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983. Não se aplica a Lei de Imprensa que não foi recepcionada pela Constituição de 1988, consoante decisão do STF. 

Já entendeu o STF (RTJ 105/915) que se a ofensa não se revestia do ânimo específico, de natureza política, de atentar contra a segurança nacional, incidiria a tipificação do Código Penal, já descrita.   

Em 2020, ​​​​​o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Jorge Mussi suspendeu o inquérito policial aberto para investigar possível crime do jornalista Hélio Schwartsman ao escrever o artigo "Por que torço para que Bolsonaro morra", publicado em julho pelo jornal Folha de S.Paulo, após o presidente da República informar que havia contraído o novo coronavírus. 

Segundo o ministro Jorge Mussi, ainda que possam ser feitas críticas ao artigo, não é possível verificar, em análise preliminar, que tenha havido motivação política ou lesão real ou potencial aos bens protegidos pela Lei de Segurança Nacional, capaz de justificar o eventual enquadramento de Schwartsman – o que recomenda a suspensão do inquérito até a análise do mérito do habeas corpus impetrado em favor do jornalista. 

IV - O CRIME DE INSTIGAÇÃO AO SUICÍDIO 

Pune o Código Penal a provocação direta ou auxílio ao suicídio.

A ação típica consiste em instigar ou induzir alguém a suicidar-se ou prestar auxílio para que o faça. Há um tipo misto alternativo envolvendo: instigação, induzimento ou auxílio. Sendo assim a prática de mais de uma de uma dessas ações pelo mesmo agente não implica em pluralidade de crimes.

Há na provocação ao suicídio uma participação moral (induzimento ou instigação). Já o auxílio envolve participação material, mas pode ocorrer através de informações e esclarecimentos.

Induzir ou instigar é persuadir, estimular, incitar ou aconselhar alguém.

Sem que a vítima se mate ou tente se matar, não pode haver tipificação do artigo 122 do Código Penal (RT 531/326).

O auxílio pode se dar antes ou durante o suicídio desde que não haja cooperação nos atos executivos.

Por certo, fica cristalino que, para o caso, não houve a incidência do dolo, elemento subjetivo do tipo. 

Entende-se por suicídio a supressão voluntária e consciente da própria vida. Constitui estranho fenômeno de patologia social, que em vários de seus aspectos tem desafiado os observadores. Há variações consideráveis de um país para o outro, que parecem depender do gênio de cada povo ou de seu caráter nacional7. Algumas correlações e aspectos gerais, no entanto, têm sido fixados pelos estudiosos. Parece claro que os países altamente industrializados e prósperos tendem a apresentar taxas de suicídio comparativamente mais elevadas. 

Induzir ou instigar significam persuadir, estimular, incitar ou aconselhar alguém. O induzimento, como notou Nelson Hungria, em seus comentários ao Código Penal, V, n. 222, pressupõe a iniciativa na formação da vontade de outrem, ao passo que a instigação pode ser acessória, representando um estímulo à ideia preexistente do suicídio. Instigação, como provocação psicológica, é excitar, animar, estimular, um propósito já formado (RF, 178/375). 

A ação típica consiste em instigar ou induzir alguém a suicidar-se ou prestar auxílio para que o faça. São três, pois, as modalidades do fato: instigação, induzimento ou auxílio. Trata-se de tipo misto alternativo e por isso mesmo a prática de mais de uma dessas ações pelo mesmo agente (ex.: instigar e, depois, auxiliar) não implica em pluralidade de crimes, embora deva ser considerada na aplicação judicial da pena, como indício de maior intensidade do dolo (art. 52 CP). A provocação do suicídio faz-se, portanto, através de participação moral (induzimento ou instigação). O auxílio representa, em regra participação material, mas não se exclui que possa ocorrer através de informações e esclarecimentos.

O induzimento, como a instigação, pode ser realizado através de qualquer meio idôneo, ou seja, potencialmente capaz de influir moralmente sobre a vítima, levando-a ao suicídio. Assim, por exemplo, os conselhos, as exortações, a representação falsa, exagerada ou tendenciosa de males ou perigos; a persuasão e, inclusive, a dissuasão aparente, com argumentos destinados a criar a decisão suicida. 

Há provocação direta ao suicídio também nos casos de coação, física ou moral, resistível, e quando o agente inflige à vítima maus tratos e sofrimento, para o fim de levá-la, em desespero, ao suicídio. Essa hipótese se distingue da provocação indireta (art. 122 §2º CP), porque nesta não há dolo em relação ao suicídio, que é causado culposamente. Havendo dolo, mesmo eventual, há provocação direta. Comete o crime de induzimento ao suicídio que, ciente dos propósitos da vítima, em virtude de maus tratos, continua, não obstante, a lhe infligir sofrimentos físicos e morais, aceitando, assim, o risco de que a vítima se suicide (RF, 16/414). A recusa em prestar ajudar ou favor, exigidos sob ameaça de suicídio, não configuram o delito (ex.: "suicido-me, se não me concederes o que te peço”). Em tal situação não há induzimento (MANZINI, VIII, n. 109).

Há auxílio ao suicídio quando o agente presta à vítima ajuda material para que se mate, seja com o fornecimento dos meios (sempre com conhecimento de causa), seja facilitando de outro modo a execução ou, ainda, impedindo o socorro. O auxílio deve ser sempre atividade secundária ou acessória, não participando o agente de qualquer ato de execução ou consumação da morte, pois nesse caso praticaria o crime de homicídio (ex.: segurar o punhal para o abraço do suicida; puxar a corda, no enforcamento; ministrar o veneno, etc.). Por seu caráter secundário, o auxílio, é menos grave do que a instigação e o induzimento.

Consuma-se o crime com a superveniência do suicídio (ou, pelo menos, de lesão corporal grave), que é elemento da conduta típica e não condição objetiva de punibilidade, como supõem alguns autores. A dúvida que a matéria suscita se deve à difícil controvérsia sobre a natureza e o significado das condições objetivas de punibilidade, que a nosso ver são condições da ilicitude penal, exteriores ao tipo. O que caracteriza as condições objetivas de punibilidade é o fato de que elas não precisam ser cobertas pelo dolo (embora eventualmente o sejam), e não precisam situar-se no desdobramento causal da ação (embora isso possa ocorrer). No caso da provocação ao suicídio, o resultado morte (ou lesão corporal de natureza grave, na hipótese atenuada), deve estar necessariamente coberto pelo dolo, sob pena de não configurar-se o delito. Com isso se exclui a possibilidade de que tal resultado seja condição objetiva de punibilidade. 

Essas as lições de Heleno Cláudio Fragoso em estudo sobre o tema publicado na Revista de Direito Penal, n.° 11/12, p. 35 a 47. 

V  – A INADEQUAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL COM RELAÇÃO AOS CHAMADOS CRIMES CONTRA A HONRA 

A Constituição de 1988 não agasalhou a Lei de Segurança Nacional de 1983, produzida no final da ditadura militar, com relação a crimes produzidos contra a honra do presidente da República. 

Com o devido respeito penso que não houve conduta delituosa a ser enquadrada na LSN. 

A Lei de Segurança Nacional define penas para 21 crimes, incluindo incitação à subversão da ordem política, emprego de violência contra o regime democrático e ofensas 

A Lei de Segurança Nacional, editada ao fim do regime militar, e não revista durante o ciclo democrático, não constitui o instrumento adequado para um governante lidar com seus adversários em tempos de paz, com instituições democráticas em pleno funcionamento. 

A Lei 7.170/83, mais conhecida como Lei de Segurança Nacional, foi promulgada pelo regime militar em 1983, com a justificativa de definir crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Portanto, um texto legal criado num regime de exceção, com o objetivo maior de proteger a ditadura que se instalou no país. Porém, essa norma não foi revogada e ainda se encontra em pleno vigor. Analisando seu conteúdo à luz de um Estado democrático de Direito, constitui-se certamente um entulho autoritário que permanece até nossos dias, embora, ao que parece, vinha sendo um tanto esquecida. 

É certo que a Lei de Segurança Nacional é plena de enunciados vazios, abertos, que podem levar à sua não efetividade. 

A característica mais saliente e significativa da Lei de Segurança Nacional é a do abandono da doutrina da segurança nacional. 

O art. 1.º da lei esclarece: "Esta lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I - a integridade territorial e a soberania nacional; II - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III - a pessoa dos chefes dos Poderes da União." Criticando o projeto de que resultou o texto definitivo da lei, em parecer aprovado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, Heleno Fragoso sugeriu que esse art. 1.° tivesse a seguinte redação: "Esta lei prevê crimes que lesam ou expõem a perigo: I - a existência, a integridade, a unidade e a independência do Estado; II – a ordem política e social, o regime democrático e o Estado de Direito". Desta forma se teria melhor especificado a objetividade jurídica desses crimes, indicando, com maior precisão, o âmbito da segurança externa e, com mais propriedade, os bens que importa preservar, no âmbito da segurança interna. 

O art. 2.° da lei estabelece que devem levar-se em conta, na aplicação da lei, a motivação e os objetivos do agente e a lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos anteriormente mencionados, sempre que o fato esteja também previsto em outras leis penais. Isso significa que nos crimes políticos próprios (em que a ação, por sua natureza, se dirige a atentar contra a segurança do Estado), o fim de agir (motivação política) é elementar ao dolo. Nos crimes políticos impróprios (crimes comuns cometidos com propósito político) a aplicação desta lei depende de indagação sobre os motivos (que devem ser políticos)e os objetivos (que devem ser subversivos).E depende também da existência de lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos que a lei tutela. 

É mister lembrar que a lei, como ensinou Heleno Fragoso, restringiu o conceito de segurança nacional, de acordo com a tendência mais liberal e democrática. Segurança Nacional é o que se refere à nação como um todo, e diz respeito à própria existência do Estado e à sua independência e soberania. Trata-se de segurança nacional, ou seja, da nação. Ela não se confunde com a segurança do governo ou da ordem política e social, que é coisa bem diversa. Esse conceito de segurança nacional é o que prevalece no direito internacional. Quando o Pacto de Direitos Civis e Políticos permite a derrogação da garantia de direitos humanos, por motivos de segurança nacional (arts. 12 a 14, 19, 21 e 22), essa expressão significa apenas a garantia de bens relativos a toda a nação, com exclusão de atentados ao governo. Nesse sentido são os chamados "Princípios de Siracusa", aprovados em reunião de peritos convocada pela Comissão Internacional de Juristas e pela Associação Internacional de Direito Penal, celebrada na cidade de Siracusa, na Itália, em abril/maio de 1984, para o estudo das derrogações e limitações previstas pelo Pacto de Direitos Civis e Políticos. 

A referência à proteção dos chefes dos Poderes é imprópria. Ela já está compreendida na tutela jurídica da ordem política vigente e sempre se entendeu que os atentados aos governantes (quando praticados por motivos políticos) atingem a segurança interna. O que esta lei visa proteger não é a pessoa dos chefes dos Poderes da União, mas sim a segurança do Estado. A pessoa de tais chefes é protegida por outras leis penais. O que aqui se contempla é a ofensa aos interesses da segurança interna, através do atentado ou da ofensa realizados com propósito político-subversivo. Isso significa que a pessoa dos chefes dos Poderes, no âmbito de uma lei dessa natureza, é protegida de forma secundária ou reflexa. 

O art. 2.° da lei estabelece que devem levar-se em conta, na aplicação da lei, a motivação e os objetivos do agente e a lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos anteriormente mencionados, sempre que o fato esteja também previsto em outras leis penais. Isso significa que nos crimes políticos próprios (em que a ação, por sua natureza, se dirige a atentar contra a segurança do Estado), o fim de agir (motivação política) é elementar ao dolo. Nos crimes políticos impróprios (crimes comuns cometidos com propósito político) a aplicação desta lei depende de indagação sobre os motivos (que devem ser políticos)e os objetivos (que devem ser subversivos). E depende também da existência de lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos que a lei tutela. 

Por outro lado, como ainda ensinou Heleno Fragoso (A nova Lei de Segurança Nacional),

“os crimes de manifestação do pensamento constituem o ponto nevrálgico de uma lei desse tipo. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a quase totalidade dos processos movidos com base na lei de segurança, depois da revogação do Ato Institucional n.º 5, refere-se a crimes de manifestação do pensamento. A nova lei apresenta sobre a anterior, nesta matéria, sensíveis modificações. Abandona-se o texto simplesmente lamentável que vinha em vigor, em favor de uma fórmula que faz sentido, se se considera a finalidade da lei. Perigosa é apenas a incriminação da propaganda (e da incitação) de luta pela violência entre as classes sociais. Essa disposição serviu indevidamente para a inclusão na lei de segurança de conflitos de terras, como a experiência demonstrou. É verdade que agora o crime depende, sem a menor dúvida, de motivação política ou de propósito político-subversivo e de lesão, real ou potencial, aos interesses da segurança do Estado.” 

Essas lições hauridas de Heleno Fragoso, um dos maiores penalistas brasileiros, e célebre na luta pelas liberdades individuais, durante a ditadura militar, são exemplares com relação àquela Lei de Segurança Nacional. 

Essas palavras foram vistas nas lições de Heleno Fragoso, Advocacia da Liberdade, e ainda em sua tese para professor da Universidade do Rio de Janeiro. 

VI -  CONCLUSÕES 

Afinal, ter a infeliz ideia de “desejar que alguém morra” não é crime contra honra. Há uma flagrante distinção entre opinião e crime contra a honra. 

Dizer que se torce para que o Presidente Bolsonaro, acometido com o Covid-19, morra, como disse o jornalista Hélio Schwartsman (Folha de São Paulo), é uma afirmação chocante, mas está longe de ser crime contra a honra do Presidente da República, como postulou a Advocacia Geral da União na representação feita ao Procurador Geral da República. Da mesma forma, são chocantes as afirmações do renomado e tão homenageado Ruy Castro em sua coluna no jornal Folha de São Paulo.  

Desejar, esperar ou torcer passivamente para quem alguém morra, não constitui ameaça ou incitação ao crime. Cuida-se de retórica para chamar a atenção sobre a postura do Presidente no exercício da presidência da República, que o jornalista considera nefasta. Pode-se criticá-la, mas não investiga-la.  

No caso em tela, caberá o ajuizamento de habeas corpus objetivando trancar o inquérito, se vier a ser aberto, por evidente falta de justa causa para investigação. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A defesa da opinião. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6404, 12 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87892. Acesso em: 22 nov. 2024.

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