Uma conduta que se destaca nos casos de violência doméstica é a perturbação da tranquilidade (do inglês, stalking). Trata-se de conduta consistente na repetição do ato de perseguir ou assediar a vítima, de modo a violar a privacidade e a intimidade da mesma. Essa conduta é pouco compreendida e notificada pelas vítimas e, por isso, ainda é pouco investigada nas delegacias.
Em janeiro de 2020, a grande mídia[1] noticiou um caso, pela Justiça de São Paulo, como o primeiro caso de stalking no Brasil. Neste caso, a vítima, sistematicamente, desde o ano de 2013, foi perseguida pelo acusado. Os dois jovens paulistanos eram vizinhos em um edifício residencial, no litoral do Estado de São Paulo, onde suas famílias veraneavam. O rapaz de 18 anos se encantou pela garota de 13 anos e começou a cortejá-la sem que tivesse qualquer incentivo da jovem. Diante da rejeição perante suas investidas, o investigado começou a persegui-la.
Diante da ausência de uma tipificação legal específica para comportamento semelhante ao ocorrido no Estado de São Paulo, apresentado há pouco, é possível o enquadramento de casos de stalking na contravenção penal de perturbação da tranquilidade, desde que se comprove uma sequência de condutas as quais, conjuntamente, constituem uma intrusão indesejada na vida da mulher. Porém, ao ser considerada uma mera contravenção penal, prevista no art. 65 da Lei das Contravenções Penais, a pena é irrelevante (prisão simples de quinze dias a dois meses) diante do dano que tal conduta pode gerar na vida da vítima.
Visando a corrigir esse erro, a Câmera dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (10 de dezembro de 2020), um projeto de lei que torna crime perseguir obsessivamente alguém, também conhecido pelo seu termo em inglês “stalking”.
O texto já havia passado pelo Senado, mas, como foi alterado pelos deputados, precisará ser reanalisado pelos senadores. O projeto define que a perseguição obsessiva é "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade."
O texto aprovado pelos deputados prevê pena de reclusão de um a quatro anos, além de multa. A versão aprovada no Senado estipulava uma pena mais branda: de detenção de seis meses a dois anos ou multa.
A pena é aumentada se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso. A punição também será maior se o crime for cometido contra mulher, por razões da condição do sexo feminino.
Além disso, há previsão de aumento de pena se o crime for praticado por duas ou mais pessoas ou se for usada arma.
De acordo com dados do Stalking Resource Center, 76% das vítimas de feminicídio foram perseguidas por seus parceiros íntimos, sendo que 54% das vítimas reportaram à polícia estarem sendo 'stalkeadas' antes de serem assassinadas por seus perseguidores.
Espera-se que a criminalização da perseguição terá o mérito de funcionar como um instrumento de prevenção de delitos mais graves.
REFERÊNCIAS
BIANCHINI, Alice; BAZZO, Mariana. CHAKIAN, Silvia. Crimes contra mulheres. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.
BOEN, Mariana; LOPES, Fernanda. Vitimização por stalking: um estudo sobre a prevalência em estudantes universitários. Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Federal de Santa Catarina, vol. 27, n.2, p. 1-13, 2019.
BRASIL. Lei 11.340/2006, de 07 de agosto de 2006. Brasília. 2006.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal), de 07 de dezembro de 1940. Brasília. 1940.
BRASIL. Decreto-Lei 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), de 03 de outubro de 1941. Brasília. 1941.
CUNHA. Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica, Lei Maria da Penha: comentada artigo por artigo. 6ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
REIS, Adriely. PARENTE, Bruna. ZAGANELLI, Margareth. Stalking e Violência contra a Mulher: a necessidade de mecanismos jurídicos de proteção frente a um contexto de impunidade. Humanidades & Tecnologia em revista (FINOM), vol. 20, jan./jul. 2020.
Nota
[1] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/03/02/pela-primeira-vez-justica-poe-vitima-de-stalking-sob-medidas-protetivas.htm#:~:text=Primeiro%20caso%20no%20Pa%C3%ADs&text=O%20caso%20diz%20respeito%20a,minutos%20juntos%2C%20conta%20Ana%20Carolina