Lembrou em julgamento no STF, o Ministro Celso de Mello, a lição de Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, tomo III/644), no sentido de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal jamais tolerou que a invocação da natureza interna corporis do ato emanado das Casas Legislativas pudesse constituir um ilegítimo manto protetor de comportamentos considerados abusivos do Poder Legislativo.
Ao Supremo Tribunal Federal compete exercer, originalmente, o controle jurisdicional sobre atos de comissão parlamentar de inquérito que envolvam ilegalidade ou ofensa a direito individual, numa construção que lhe foi consagrada no MS 1959, de 1953, e ainda no HC 92.678, do mesmo ano.
A Constituição Federal estabelece que são três os requisitos constitucionais exigidos para a criação de comissões parlamentares de inquérito: requerimento de um terço dos membros de uma ou das duas Casas Legislativas, apuração do fato determinado e fixação de prazo certo.
Como concluiu o Ministro Paulo Brossard, no julgamento do HC 71.039/RJ, DJ de 6 de dezembro de 1996, podem ser objeto de investigação todos os assuntos que estejam na competência legislativa ou fiscalizatória do Congresso. Mas ela não tem poderes universais de investigação, mas limitados a fatos determinados, o que não quer dizer que não possa haver tantas comissões quantas as necessárias para realizar as investigações recomendáveis, e que outros fatos, inicialmente imprevistos, não possam ser aditados aos objetivos da comissão de inquérito, já em ação. Mas, insista-se, que uma das ideias centrais da CPI é justamente que a investigação deve recair sobre um fato determinado. Não pode ser sobre dois, três, quatro temas.
O poder investigatório é considerado auxiliar necessário do poder de legislar inerente ao Legislativo.
Pois bem.
Para muitos, Rodrigo Pacheco, como presidente do Senado, se omite. Viola o artigo 58, §3º, da Constituição, que prescreve a instalação de CPI a partir da assinatura de 1/3 dos membros da casa, e desafia precedente do STF quando da CPI do Apagão Aéreo. O Brasil é epicentro mundial da pandemia por seus próprios méritos, mas o presidente do Senado parece não desejar CPI.
A matéria foi objeto do mandado de segurança, MS 37760, cujo relator é o ministro Roberto Barroso, onde se lê o seguinte despacho:
“1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado contra omissão do Presidente do Senado Federal em instalar Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), cujo objeto seria “apurar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados”. 2. Os impetrantes, Senadores da República que subscreveram o requerimento da CPI, aduzem que foram coletadas as assinaturas necessárias e que o documento teria sido protocolado em 15 de janeiro de 2021. Alegam que a instalação da Comissão constitui direito líquido e certo, nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição e da jurisprudência do STF. Sustentam que, preenchidos os requisitos, é dever do Presidente da Casa Legislativa criar a CPI. Defendem ser a investigação um direito da minoria, não se submetendo a outros parâmetros além dos previstos no texto constitucional. Pedem, em caráter liminar, a adoção das providências para a instalação da CPI, nos termos do Requerimento nº SF/21139.59425-24, protocolado perante a Mesa Diretora do Senado em 15 de janeiro de 2021. 3. O pedido liminar será analisado após as informações, em razão da excepcionalidade da apreciação de medidas de urgência sem a oitiva da parte contrária. 4. Notifique-se a autoridade impetrada para prestar informações. Intime-se o órgão de representação judicial da respectiva pessoa jurídica para, querendo, ingressar no feito (Lei nº 12.016/2009, art. 7º, I e II). 5. Decorrido o prazo legal, com ou sem as informações, voltem os autos conclusos para apreciação do pedido liminar. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 11 de março de 2021. Ministro Luís Roberto Barroso Relator.”
O Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o voto do ministro Eros Grau, já entendeu que a criação de CPIs depende apenas do requerimento de um terço dos membros das casas legislativas e que esse dispositivo assegura um direito legítimo das minorias legislativas.
A decisão dos ministros do STF foi tomada durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.619, proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT), contra artigos do Regimento Interno da Assembleia Legislativa de São Paulo que condicionam a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à aprovação do respectivo requerimento em plenário.
Segundo o Congresso em Foco, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) publicou uma carta aberta em que diz que, embora uma moção de apelo por ajuda internacional esteja sendo elaborada pela Comissão de Relações Exteriores do Senado, é preciso estabelecer outros mecanismos de cobrança e fiscalização das ações do governo em relação à pandemia.
"A CPI da Pandemia surge no horizonte do momento como um instrumento de pressão, para que o Governo aja com rapidez, coordenação e vontade", diz a emedebista.
As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, nos termos do art. 58, parágrafo 3o da Constituição.
Assim, uma comissão parlamentar de inquérito possui poderes para determinar diligências e, além disso:
a. requerer a convocação de Ministros de Estado;
b. tomar o depoimento de quaisquer autoridades, sejam federais, estaduais ou municipais;
c. ouvir indiciados;
d. inquirir testemunhas;
e. requisitar informações e documentos de repartições públicas e autárquicas;
f. transportar-se para os lugares onde for necessária sua presença
Além desses poderes, os regimentos de cada uma das Casas do Congresso Nacional poderão, observando o preceito constitucional do art. 58, parágrafo 3º, instituir outros poderes, com o propósito de permitir um melhor desempenho de suas atribuições.
No entanto, as comissões parlamentares de inquérito sofrem algumas limitações. Uma delas é a de não poder investigar a Presidência da República, uma vez que se trata de uma prerrogativa do cargo, de só poder ser investigado, processado e julgado na forma do art. 85 e seguintes da Constituição. Uma CPI não julga ninguém, e muito menos processa e julga o Presidente da República. Quem o faz é o supremo Tribunal Federal ou o Senado Federal, nos termos que dispõe a Constituição Federal.
Ensinou Nelson de Souza Sampaio (Do Inquérito Parlamentar, Fundação Getúlio Vargas, p. 28) que o inquérito parlamentar tem três espécies de objetivos: ajudar a tarefa legiferante; servir de instrumento de controle sobre o governo e a administração; informar a opinião pública.
As Comissões Parlamentares de Inquérito não possuem poder jurisdicional e devem ter suas decisões instrutórias fundamentas:
Incompetência da CPI para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução – a cujo âmbito se restringem os poderes de autoridade judicial a elas conferidos no art. 58, § 3º, mas de provimento cautelar de eventual sentença futura, que só pode caber ao juiz competente para proferi-la.
[MS 23.480, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 4-5-2000, P, DJ de 15-9-2000.]
A quebra do sigilo por ato de CPI deve ser necessariamente fundamentada, sob pena de invalidade. A CPI – que dispõe de competência constitucional para ordenar a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico das pessoas sob investigação do Poder Legislativo – somente poderá praticar tal ato, que se reveste de gravíssimas consequências, se justificar, de modo adequado, e sempre mediante indicação concreta de fatos específicos, a necessidade de adoção dessa medida excepcional. Precedentes. A fundamentação da quebra de sigilo há de ser contemporânea à própria deliberação legislativa que a decreta. A exigência de motivação – que há de ser contemporânea ao ato da CPI que ordena a quebra de sigilo – qualifica-se como pressuposto de validade jurídica da própria deliberação emanada desse órgão de investigação legislativa, não podendo ser por este suprida, em momento ulterior, quando da prestação de informações em sede mandamental.
[MS 23.868, rel. min. Celso de Mello, j. 30-8-2001, P, DJ de 21-6-2002.]
Em linhas gerais, esse o quadro em que se delineia a realização de uma CPI no Senado para investigar a questão da pandemia e o papel do Executivo nessa grave crise sanitária por que passa o país.