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O abuso de autoridade do Ministério Público face à advocacia pública

Agenda 02/10/2021 às 16:45

Contratação de advogado por parte da administração pública e a consequente ação de improbidade administrativa manejada pelo Ministério Público.

Primeiramente, devemos compreender a função do Ministério Público perante a sociedade, definido através da Lei Complementar 40 de 1981, que dispõe:

Art. 1º - O Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, é responsável, perante o Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e das leis, e será organizado, nos Estados, de acordo com as normas gerais desta Lei Complementar.

Feitas essas colocações, podemos concluir que o MP é tão essencial à Justiça quanto Juízes e advogados, devendo haver um equilíbrio para que as decisões possam ser tomadas da maneira correta e seguindo os princípios Constitucionais e Leis que regem nosso país.

Assim, em uma ponta temos o Ministério Público, responsável pela defesa da ordem jurídica e, em outra ponta, o advogado, que atua na defesa dos Direitos, neste caso do Direito Público.

Ao falar sobre Direito Público, temos que compreender que não se trata de uma advocacia padrão, mas sim, de uma advocacia mais especializada, que necessita de conhecimento técnico nas áreas de Direito Financeiro, Constitucional, Tributário entre outras, para dar suporte e resguardar as decisões tomadas por chefes de governo ou gestores públicos em geral.

Muitas vezes as contratações realizadas por parte da administração Pública, tendem a ser feitas de maneira direta, primeiro por se tratar de contratação mediante confiança, afinal, é necessário confiar no profissional que atua e defende as propostas apresentadas pelo gestor, dando a ele a segurança jurídica para condução da municipalidade, resguardar as suas decisões e ressaltando os fins sociais a que se destina. A advocacia pública é uma ferramenta de aperfeiçoamento e balizamento da conduta administrativa.

Por conta disto, muita das vezes, a administração pública opta por realizar a contratação na modalidade convite, convidando escritórios aleatórios, mas com ênfase no objeto licitado, qual seja, Direito Público.

Referida modalidade é prevista no inciso III, do artigo 22, da Lei 8.666/93, e como toda modalidade possui suas regras e devem ser seguidas.

Salutar destacar ainda, que com o advento da nova Lei de Licitações nº 14.133 de 01 de abril de 2021, a formalidade na contratação de escritório de advocacia com notória especialidade foi alterada, podendo ser contratado via inexigibilidade de licitação, conforme preceitua o artigo 74 da mencionada Lei.

Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:

(...)

III - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:

(...)

e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

Denota-se que com a redação dada, ficou claro que serviços técnicos especializados com notória especialização podem ser contratados diretamente, uma vez que é inviável a sua competição, desde que comprovada sua notória especialização.

De rigor ainda mencionar, a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil frente a Nova Lei de Licitações, onde a conselheira Federal e Presidente do Observatório Nacional da Nova Lei de Licitações da OAB, Doutora Fernanda Marinela explicou que a nova regra simplifica a exigência para contratação direta de escritórios, bastando o reconhecimento do trabalho técnico especializado, destacou ainda:

 “Muitas vezes, nossos contratos eram questionados na via administrativa ou judicialmente, pelo Ministério Público ou órgãos de controle, colocando em xeque a tal singularidade. Agora com a nova lei, o legislador não só reafirma o reconhecimento do direito à contratação direta dos escritórios de Advocacia, garantia que já estava prevista na Lei nº 8.666 e que muitas vezes era vilipendiada, mas também reconhece a importância do trabalho desenvolvido pelas Advogadas e Advogados e flexibiliza os requisitos para essa contratação pública.’’[1]

Percebe-se que os Tribunais e o órgão de classe OAB, vem trabalhando juntos para sedimentar de uma vez por todas a possibilidade de contratações, diminuindo assim, centenas de milhares de ações por ato de improbidade administrativa, pelo simples fato de realizar a contratação de escritório de advocacia.

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Não obstante a isso, em possuir as previsões legais e autorizações para referidas contratações, alguns representantes do Ministério Público são contrários a essas contratações, aduzindo em síntese, que as funções de confiança e da advocacia especializada devem ocorrer e ser realizadas através dos procuradores municipais, que já possuem várias atribuições e muitas vezes não são especializados no âmbito do Direito Público. Essa escolha ou orientação, amiúde, tem levado autoridades receosas a erros e rejeições de suas contas, por exemplo.

O assunto é ponto de embate, existindo casos de contratações que ocorrem mediante procedimento licitatório, seguindo os princípios Constitucionais e respeitando a Lei de licitações, em que alguns representantes do órgão ministerial acabam por, mesmo assim, ajuizar ações de improbidade administrativas vagas de argumentos e justificativas que possam de fato justificar a má contratação e/ou a irregularidade na contratação da prestação de serviço jurídico.

Nesse passo, muitos escritórios e advogados são processados por ato de improbidade administrativa, e ficam com suas contas e bens bloqueados, como forma de pressão pela relevante função de assessoramento que realizam ou para, indiretamente, atingir a própria autoridade pública, ceifando-lhe a tão necessária orientação jurídica, frente à multiplicidade de assuntos e anseios sociais. Respondendo processos morosos e que no fim, acabam sendo julgados improcedentes, muitas vezes, quando prejuízos incalculáveis já se consolidaram.

O que não se fala, pois, e não se considera, são os prejuízos em decorrência dessas ações, que geram bloqueios, desvalorização dos bens bloqueados, além de passarem anos respondendo por processos infundados.

Com o advento da Lei nº 13.869 de setembro de 2019, a conhecida Lei de abuso de autoridade, ficou estipulado que:

Art. 30.  Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:       

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Veja-se, o artigo 30 fixa penalidades ao dar início ou proceder à persecução sem justa causa, de certo concluir, que o procedimento licitatório realizado através da modalidade convite é uma maneira de dar mais segurança e transparência ao processo de contratação, não se justificando as infundadas ações e perseguições aos advogados contratados mediante licitação.

As condutas praticadas mediante denúncias e/ou baseadas em achismos dos representantes dos órgãos ministeriais muitas vezes não possuem fundamentos e provas das suas ilações, são baseadas apenas em suposições e em denúncias vagas e sem o mínimo de prova cabal.

Acredita-se que com a Lei de Abuso de Autoridade, e sua aplicação correta no sentido de reprimir condutas abusivas, que ferem os investigados/processados, os advogados da área de Direito Público tenham um pouco mais de tranquilidade para exercer suas funções, sem a preocupação de ter que responder inquéritos e ações civis por ato de improbidade administrativa que se sabe ser infundado.

A lei de abuso de autoridade, correta e amplamente aplicada, em meio à sistemática das diversas leis que enredam a vida pública e a lealdade e boa-fé com a qual todos devem se conduzir, certamente, gerará a formatação de conceitos ou extensão da responsabilidade judicial autoritária para outras searas, como também a responsabilidade administrativa autoritária especialmente por parte de representantes do parquet.

E assim se espera, a fim de que o abuso de autoridade seja rechaçado, restabelecendo-se as diretrizes e o equilíbrio da advocacia pública.

Nesse sentido, primordial a discussão e a participação ativa dos advogados em defesa da sua classe, assim como a respeitada Ordem dos Advogados do Brasil, seja de modo preventivo, em procedimentos inquisitoriais maquiavélicos movidos aos milhares pelo país, por promotores extremistas; Seja de maneira repressiva, no próprio âmbito dessas ações descabidas, exercendo o controle e restabelecendo a paridade e respeito por tão relevante a constitucional função, que é a advocacia, independente de alcunhas e segmentos.


[1] https://www.oab.org.br/noticia/58790/nova-lei-de-licitacoes-aprimora-regras-de-contratacao-da-advocacia-pelo-poder-publico

Sobre a autora
Renata Enjyogi

Advogada, formada pela Faculdade Unida de Suzano - UNISUZ, pós graduanda em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ENJYOGI, Renata. O abuso de autoridade do Ministério Público face à advocacia pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6667, 2 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93623. Acesso em: 25 dez. 2024.

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