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A alienação parental nos casos de divórcio litigioso e a possibilidade de concessão da guarda compartilhada

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Agenda 11/01/2022 às 18:00

Resumo: O objetivo geral deste trabalho é analisar a alienação parental nos casos de divórcio litigioso e a possibilidade de concessão da guarda compartilhada, bem como os instrumentos protetivos de que o Estado dispõe para esses casos. Constata-se que a guarda compartilhada é um modelo que foi ganhando maior destaque no cenário pátrio antes mesmo de sua previsão legal, pois a jurisprudência já vinha se posicionando de forma favorável, e ganhou mais força após a positivação, por meio da Lei nº 11.698/08 e da Lei nº 13.058/14, que estabeleceu a guarda compartilhada como regra, independentemente de haver consenso entre os pais. A alienação parental tem sido cada vez mais frequente na realidade brasileira, sendo diretamente proporcional ao número de dissoluções de uniões estáveis litigiosas e divórcios litigiosos, situação que gera em alguns pais o sentimento de vingança em relação ao ex-cônjuge, transferindo os traumas para os filhos.

Palavras-chave: : guarda compartilhada; divórcio litigioso; alienação parental; melhor interesse da criança e do adolescente.


1. INTRODUÇÃO

O Poder Judiciário e o Estado brasileiro têm demonstrado grande dificuldade em acompanhar e resolver os conflitos oriundos das relações familiares. A morosidade e a ineficiência na resolução dos conflitos, bem como a falta de diálogo entre os indivíduos envolvidos, por vezes, fazem com que práticas como a alienação parental se perpetuem, causando transtornos de toda ordem nos filhos, prejudicando o saudável desenvolvimento da criança ou adolescente. Diante desse cenário é que se faz necessário o estudo e pesquisa dos meios e instrumentos protetivos de que se vale o Estado, em casos de identificação da alienação parental, nos divórcios litigiosos, na discussão sobre a guarda compartilhada.

No momento atual, há a imposição de refletir sobre esse tema, pois existe uma grande necessidade de utilização dos instrumentos oferecidos pelo Estado para amenizar as divergências que surgem em virtude do término dos relacionamentos, quando há filhos, pois nota-se certa dificuldade de o ex-cônjuge dialogar com o outro em meio ao conflito, principalmente quando envolve sentimentos ou questões pessoais, como na área familiar.

Dessa forma, surgiram, no Brasil, algumas leis específicas para garantir que o interesse dos filhos seja a prioridade, e coibir que determinadas práticas nocivas ao seu desenvolvimento tenham continuidade, porém, essas leis, sozinhas, não têm o poder de resolver todos os problemas. Há necessidade de uma presença mais efetiva do Estado, através de suas instituições e com políticas públicas voltadas para a criação, aplicação e aperfeiçoamento de instrumentos que efetivamente protejam as crianças e adolescentes em situação de alienação parental, conforme determina a lei, no auxílio para coibir, amenizar ou extinguir os casos existentes.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A evolução da família brasileira: do casamento ao divórcio

Seguindo os ensinamentos de Dias (2013), na época das sociedades conservadoras, a família tinha uma formação extensiva, de origem rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência de todos. O núcleo familiar era hierarquizado e patriarcal. Entretanto, esse quadro não resistiu à revolução industrial, pois a partir dali a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família. A família migrou do campo para as cidades e passou a ser mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve os seus integrantes.

De acordo com Dias,

A valorização do afeto nas relações familiares deixou de se limitar apenas a momento de celebração do matrimônio, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo do casamento é o único modo de garantir a dignidade da pessoa. (DIAS, 2013, p. 28)

A Igreja, no Brasil, introduziu uma sensível modificação no direito matrimonial, especialmente no tocante à dissolução do casamento, pois havia o entendimento de que, por ser um sacramento, o casamento era indissolúvel, era um dogma. Isso trouxe grandes dificuldades para a separação e divórcio dos casais.

Aos poucos, as coisas foram mudando, já no século XII, discorre Venosa (2009), é criada a teoria da separação de corpos, que fazia cessar a vida em comum sem possibilidade de contrair novas núpcias, depois o desquite, que entrou em vigor através do Código Civil de 1916; após, veio a Emenda Constitucional nº 9/77, que introduziu o divórcio no ordenamento brasileiro.

Já o divórcio direto, consensual ou litigioso, era disciplinado pelo art. 40. da Lei nº 6.515/77, a Lei do Divórcio, e previa que o pedido de divórcio, sem a prévia separação judicial, somente era possível para o casal separado de fato há mais de cinco anos. (BRASIL, 1977)

Por sua vez, a Constituição de 1988 ampliou as possibilidades da concessão do divórcio. A partir dela, o divórcio direto, lastreado na separação de fato do casal perde o caráter de excepcionalidade, passando a ser possível sempre que comprovada a separação de fato por mais de dois anos. É o que diz o art. 226, § 6º: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.” (BRASIL, 1988)

A Emenda Constitucional nº 66/2010 deu nova redação ao artigo 226, §6º, da Constituição Federal, que ficou assim redigido: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. (BRASIL, 1988)

Dessa forma, nos dias atuais, o divórcio direto independe de qualquer passagem de tempo, ou de separação judicial, bastando apenas a vontade de um dos cônjuges para dar início ao processo.

O divórcio pode ser consensual ou litigioso, o consensual é quando os cônjuges decidem de comum acordo dissolver o casamento, já no litigioso, proposto por um dos cônjuges, não há entendimento quanto à guarda dos filhos, os bens ou demais relações que envolvem o término do casamento, é um tema bem mais complexo. (DIAS, 2013).

Os procedimentos processuais do divórcio estão previstos nos artigos 693 a 699 do Código de Processo Civil, e aplicam-se “aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação” (art. 693), mas “todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia” (art. 694). (BRASIL, 2015).

É também o que diz Conrado Paulino da Rosa:

Nessa esteira, artigo 694 do CPC 2015 estabelece que, nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Além de reconhecer o espaço para o trabalho interdisciplinar, desde há muito aplicado nas varas de Família, o parágrafo único do mesmo dispositivo prevê que, a requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar. (2019, p. 266).

O procedimento contencioso de divórcio é regulado nos artigos 693 a 699 do Código de Processo Civil. Na ação de divórcio litigioso o réu é citado para comparecer a uma audiência de mediação e conciliação e, em caso de não haver acordo na audiência, o processo prossegue com a abertura de prazo para apresentar contestação. A contestação não será em relação ao divórcio, quanto a este não há como se opor, portanto, sua decretação deve ocorrer na própria audiência de conciliação, é o que se pode conferir nas palavras abaixo:

Em vez de determinar a citação, recomendável que seja de imediato designada audiência de conciliação, principalmente se existirem filhos menores ou se for declarada a existência de bens comuns, não com a finalidade de tentar reconciliar as partes, mas para ver da possibilidade de solver todas as questões que envolvem a dissolução do casamento. Como não existe a possibilidade de o réu se opor ao pedido de divórcio, sua decretação deve ocorrer na própria audiência. Persistindo divergências sobre pontos outros, a ação segue relativamente a estes, como estabelecimento do regime de convivência dos filhos, o valor dos alimentos, partilha de bens etc. (DIAS, 2013, p. 324).

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2.2 A alienação parental e suas consequências

Apesar de ser conhecida há algumas décadas, a alienação parental foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro somente em 2010, através da Lei nº 13.318, que a define como:

Art. 2o. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010).

Na concepção de Duarte (2009), os maiores problemas em relação à alienação parental são comumente verificados na guarda unilateral, advinda de separações litigiosas, pois, as visitas periódicas, quinzenais, trazem consequências nocivas ao relacionamento entre pais e filhos, tendo em vista favorecerem o afastamento, tanto físico como emocional entre eles. Os problemas surgem nesse tipo de guarda devido à dificuldade de ser mantido o direito da criança e do adolescente à convivência com ambos os pais, apesar de o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Constituição Federal e o Código Civil preservarem tal direito.

Conforme Duarte (2009), a grande vilã ainda é a concessão da guarda a apenas um dos cônjuges:

Na guarda unilateral ainda se encontra uma rotina antiga em que se concede à mãe o papel de guardiã da criança e ao pai, o de “não guardião” que deverá seguir esquemas de convivência e obrigações estabelecidas pela justiça, respeitando-se o poder parental para ambos os pais. Neste tipo de guarda o genitor guardião, pode se fazer valer em sua fantasia, da posição de “dono” do filho, confundindo-o com um bem patrimonial, manipulando-o segundo seus próprios interesses e caprichos, podendo acirrar a disputa, ou ao contrário, levando o guardião visitante a desistir e considerar-se desvalorizado junto ao filho, afastando-se do seu convívio. Daí pode advir a angústia frente aos encontros e separações, favorecendo um desinteresse defensivo do genitor não guardião em relação aos filhos, bem como sentimentos de rejeição, tristeza, saudade e abandono por parte da criança e do adolescente. (Duarte, 2009, p. 3).

Maria Berenice Dias (2013) destaca que o fenômeno se manifesta principalmente no ambiente da mãe, devido à tradição de que a mulher seria a mais indicada para exercer a guarda dos filhos, notadamente quando ainda pequenos, porém, pode incidir em qualquer um dos genitores, podendo, inclusive, ser identificado até mesmo em outros cuidadores.

Para Duarte (2009), o termo "alienação" pode ter significados diferentes da forma que vem sendo compreendido e apresentado atualmente pela mídia, no âmbito familiar e social. Segundo ela, a alienação parental se caracteriza por uma ligação de acentuada dependência e submissão do sujeito criança/adolescente ao genitor que, em geral, detém sua guarda, o qual dificulta e impede o contato entre o genitor não guardião e o filho, causando, consequentemente, o afastamento e o desapego entre eles.

2.3 A guarda compartilhada no auxílio contra a alienação parental

Segundo Tartuce (2014), no meio jurídico são citadas muitas modalidades de guarda: guarda unilateral ou exclusiva, guarda alternada, guarda compartilhada ou conjunta e a guarda da nidação ou aninhamento, no entanto, no direito brasileiro a guarda se divide em apenas duas modalidades: guarda unilateral e guarda compartilhada.

Ana Carolina Carpes Madaleno (2015) preleciona que a guarda unilateral, segundo o Código Civil, é atribuída a um só dos genitores, ou a alguém que o substitua. Com isso o guardião detém não apenas a custódia física do filho, mas também o poder exclusivo de decisão quanto às questões da vida da prole.

Acerca da guarda unilateral, Madaleno registra:

A guarda unilateral, de acordo com o art. 1583, §1º, de nossa codificação civil, é atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua, possuindo o guardião não apenas a custódia física do filho, mas também o poder exclusivo de decisão quanto às questões da vida da prole. (2015, p.55)

Resta claro que o convívio reduzido com o genitor não guardião é medida não recomendável para o desenvolvimento da personalidade dos filhos menores, tornando-se imperiosa uma maior participação de ambos os genitores na educação e formação dos filhos.

Assim, nessa modalidade de guarda, enquanto um dos genitores tem a guarda do filho, o outro tem que se contentar apenas com as visitas semanais ou quinzenais e pagar alimentos. Ou seja, enquanto um dos genitores fica entre vinte e dois dias e vinte e seis dias com o filho, o outro tem que se contentar com um período de quatro a oito dias por mês, em média, para exercer o seu direito de visitas. E, segundo Dias (2013), isso fere o art. 5º, inc. I, da Constituição Federal de 1988, que conferiu tratamento igualitário ao homem e à mulher (artigo 5º, I, CF/88), bem como o art. 226, § 5º, que outorgou a ambos os pais o desempenho do poder familiar com relação aos filhos comuns (artigo 226, §5º, CF/88).

Tartuce (2014) explica que há um princípio presente no artigo 227, caput, da CF/1988, o chamado princípio do maior interesse da criança e do adolescente, em que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Esse princípio determina que os interesses da criança ou do adolescente serão levados em conta com absoluta prioridade sobre qualquer outro interesse, devendo a família e a sociedade assegurarem a estes indivíduos todos os direitos fundamentais e a proteção integral.

Assim, a convivência familiar é fundamental para o cumprimento de todos os direitos previstos na Constituição Federal, no ECA e demais legislações infraconstitucionais, como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade e tantos outros direitos necessários para garantir o crescimento saudável dos filhos.

Ao seu turno, a guarda compartilhada é a modalidade que tem como objetivo a participação de maneira igual e mais efetiva dos genitores nas decisões relativas ao filho, sempre buscando o melhor interesse das crianças e dos adolescentes.

Desse modo, Grisard Filho define as atribuições do instituto da guarda compartilhada:

A guarda compartilhada atribui aos pais, de forma igualitária, a guarda jurídica, ou seja, a que define ambos os genitores como titulares do mesmo dever de guardar seus filhos, permitindo a cada um deles conservar seus direitos e obrigações em relação a eles. Nesse contexto, os pais podem planejar como lhes convém a guarda física (arranjos de acesso ou esquemas de visita). (2009, p. 155).

Assim, a guarda compartilhada garante a convivência igualitária dos filhos com ambos os genitores, podendo estes, desse modo, exercer seus direitos e obrigações de guarda junto aos infantes.

A Lei 13.058/2014 surgiu para regulamentar a modalidade da guarda compartilhada e foi introduzida no Código Civil brasileiro pela Lei 11.698/2008. Essa lei veio para reequilibrar os papéis parentais, pois a sociedade estava insatisfeita com a forma como era decidida a guarda no Brasil. Com o advento da nova lei, a guarda compartilhada passou a ser a regra, enquanto a guarda unilateral passou a ser aplicada apenas em casos excepcionais. Entretanto, o fato de a guarda compartilhada ter se tornado regra não quer dizer que será aplicada sempre. O princípio do melhor interesse do infante irá nortear qualquer decisão. (BRASIL, 2014)

Sobre a guarda compartilhada, entende o autor Carlos Roberto Gonçalves:

Trata-se, naturalmente, de modo de guarda que não deve ser imposto como solução para todos os casos, sendo contraindicado para alguns. Sempre, no entanto, que houver interesse dos pais e for conveniente para os filhos, a guarda compartilhada deve ser incentivada. Esta não se confunde com a guarda alternada, em que o filho passa um período com o pai e outro com a mãe. Na guarda compartilhada, a criança tem o referencial de uma casa principal, na qual vive com um dos genitores, ficando a critério dos pais planejar a convivência em suas rotinas quotidianas e, obviamente, facultando-se as visitas a qualquer tempo. Defere-se o dever de guarda de fato a ambos os genitores, importando numa relação ativa e permanente entre eles e seus filhos. (2016, p. 283).

Percebe-se, dessa maneira, que a guarda compartilhada não deve ser imposta como solução para todos os casos, mas quando houver o interesse dos pais e for conveniente para os filhos deve ser incentivada.

Em certos casos, o litígio é inevitável no aspecto econômico e na divisão dos bens do ex-casal, entretanto, a orientação de Pereira; Dias, IBDFAM, na obra Famílias e Sucessões, é que pelo menos em relação aos aspectos pessoais, ou seja, em relação à guarda e convivência com os filhos deve haver uma trégua:

A regra de ouro de uma separação/divórcio é a instalação de um campo neutro para a discussão de guarda e convivência dos filhos. Se os pais pensassem, verdadeiramente, no bem-estar e melhor interesse dos filhos, não deixariam que eles fossem objeto de disputa. É inacreditável como o pai ou a mãe não vêem o mal que estão fazendo ao(s) filho(s) com um litígio judicial, embora acreditem defender os interesses dele(s). Se não é possível evitar o litígio no aspecto econômico, pelo menos em relação aos aspectos pessoais, isto é, guarda e convivência familiar, deveriam estabelecer na disputa conjugal uma trégua neste aspecto. (2018, p. 353)

O § 2º do art. 1.584. do Código Civil diz que “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, [...]”. Isso deixa claro que, mesmo existindo conflito entre os pais (divórcio litigioso ou dissolução de união estável litigiosa), o juiz poderá compartilhar a guarda, sempre respeitando o princípio constitucional do melhor interesse dos filhos. (BRASIL, 2002)

Mas esse entendimento ainda é controverso na doutrina e na jurisprudência. Em sentido oposto ao que afirma o Código Civil, Rolf Madaleno sentencia:

Não é da índole da guarda compartilhada a disputa litigiosa, típica dos processos impregnados de ódio. [...] Existindo sensíveis e inconciliáveis desavenças entre os separandos, não há como encontrar lugar para uma pretensão judicial à guarda compartilhada, apenas pela boa vontade e autoridade do julgador. (2008, p. 357-358).

Nessa mesma linha de entendimento, Tartuce (2014) defende que é imprescindível que haja harmonia entre os genitores, devendo existir uma convivência pacífica mínima para que seja possível a aplicação da guarda compartilhada, caso contrário, ficará prejudicada a sua aplicação ao caso.

Tartuce (2012) prossegue:

Apesar da mudança, de qualquer forma, deve ser frisado que, caso os pais estejam em “pé de guerra”, a guarda compartilhada será impossível, pois no primeiro atraso do pai, a mãe já entra em pânico, correndo à Delegacia para fazer Boletim de Ocorrência, ameaçando o pai com a morte etc. A guarda compartilhada exige dos genitores um juízo de ponderação, imbuídos da tarefa de priorizarem apenas os interesses de seus filhos comuns, e não o interesse egoísta dos pais. (2012, p. 210)

Ainda são seguidos por Gagliano e Pamplona Filho (2012), que registram posição contrária à aplicação da guarda compartilhada em situações em que não haja a existência de um bom relacionamento entre os genitores, pois a aplicação, nesses casos, viria em prejuízo dos filhos.

Com entendimento favorável e em sintonia ao disposto no Código Civil, Monteiro e Silva (2010) explicitam que, com a alteração conferida pela Lei 11.698/08, privilegiou-se a guarda compartilhada mesmo em situações em que se verifica a inexistência de acordo entre os pais no que se refere à guarda dos filhos. Porém, ressalva que caberá ao juiz a análise do caso em concreto, a fim de verificar, caso a caso, e assim, fixar ou não a guarda compartilhada.

O próprio Tartuce (2014) destacou que a modalidade da guarda compartilhada:

[...] não deve ser imposto como solução para todos os casos, sendo contraindicado para alguns. Sempre, no entanto, que houver interesse dos pais e for conveniente para os filhos, a guarda compartilhada deve ser incentivada. (2014, p. 295).

Entretanto, mais impactante e taxativo é o trecho extraído do livro Famílias e Sucessões, de Pereira; Dias, IBDFAM:

Foi necessário que viesse a Lei nº 13.058/2014, estabelecendo a obrigatoriedade do compartilhamento da guarda. Houve resistências, e o principal argumento é o de que isso só seria possível se os pais estivessem de acordo. A lei é exatamente para pais que não se entendem, pois quando eles se entendem não há necessidade de lei, ou seja, eles resolvem independente da lei. (2018, p. 355).

Assim, fica claro que o compartilhamento da guarda dos filhos independe de consenso dos pais para sua aplicação. Ela é regra, a exceção é a guarda unilateral, pois a Lei 13.058/2014 foi criada exatamente para pais que não se entendem. Nos casos em que os pais se entendem, não há necessidade de aplicação da lei, pois eles resolvem independentemente dela.

Se considerássemos que a modalidade da guarda compartilhada deveria atingir somente os casais que se entendem, não haveria necessidade das Leis nº 11.698/2008 e nº 13.058/2014, nem da jurisprudência que as antecedeu. E toda a luta das organizações que reivindicavam tal regra teria sido em vão. Quando os operadores do Direito interpretam que tais regras só se aplicam àqueles casais que não divergem quanto à conduta e educação dos filhos, na verdade estão se acovardando e deixando de enfrentar o problema das crianças e dos adolescentes, pois o seu desenvolvimento saudável pressupõe que eles desejam e necessitam conviver com ambos os pais em seu cotidiano. (PEREIRA; DIAS, IBDFAM, 2018)

Em relação à jurisprudência, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos julgamentos que envolvem a guarda compartilhada, em casos de divórcio litigioso, tem se manifestado em favor do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e, nos casos em estudo, seguindo a previsão do art. 1584, §2º, do Código Civil, conforme se vê nos julgados abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO, CUMULADA COM PARTILHA DE BENS E DÍVIDAS, E GUARDA OU FIXAÇÃO DE VISITAS E ALIMENTOS. GUARDA COMPARTILHADA. POSSIBILIDADE. Necessidade de permitir que o pai possa dividir decisões relacionadas ao cotidiano do filho, sem acarretar prejuízo ao desenvolvimento físico e emocional do menor. REGIME DE CONVIVÊNCIA QUE PERMITE AMPLIAÇÃO. ALIMENTOS. REDUÇÃO. DESCABIMENTO. Em ação que envolve pedido de alimentos, pertence ao alimentante o ônus da prova acerca de sua impossibilidade de prestar o valor pleiteado. Para a redução de tal verba, é necessário comprovar a impossibilidade de arcar com o montante estabelecido. Apelação parcialmente provida. (Apelação Cível Nº 70077933604, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 29/08/2018)

Após uma rápida análise, é possível constatar que há grande divergência na doutrina e na jurisprudência sobre o fato de se conceder a guarda compartilhada em casos de divórcio litigioso. Cabe registrar que sempre são levados em conta os princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente, mas há casos em que, pela falta de consenso, ou pelo estado belicoso em que se encontra o ex-casal, alguns doutrinadores têm se manifestado e alguns magistrados têm decidido que o melhor é não conceder a guarda compartilhada.

Entretanto, se houver mudança na relação dos genitores e o ambiente passe a ser mais harmonioso, nada impede que, com novo pedido ao Judiciário, a guarda compartilhada seja deferida.

Em julgado mais recente, o STJ reafirma o entendimento em relação à guarda compartilhada, ratificando o que está disposto na Lei nº 11.698/08 e na Lei 13.058/2014:

[...] a instituição da guarda compartilhada de filho não se sujeita à transigência dos genitores ou à existência de naturais desavenças entre cônjuges separados. 2. A guarda compartilhada é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposto no art. 1.584. do Código Civil, em face da redação estabelecida pelas Leis nºs 11.698/2008 e 13.058/2014, ressalvadas eventuais peculiaridades do caso concreto aptas a inviabilizar a sua implementação, porquanto às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de impedimento insuperável ao seu exercício, o que não ocorreu na hipótese dos autos. [ ] (STJ, REsp 1591161 / SE, Rel Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, pub. 24.02.17). (PEREIRA; DIAS, IBDFAM apud STJ, 2018, p. 355).

Em outro patamar, como se vê, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça determina que, mesmo não havendo consenso, deve haver a imposição judicial aos pais da guarda compartilhada. E, embora seja uma medida extrema, é necessária a implementação dessa nova determinação, a fim de que seja seguido o que está expresso na legislação atual. Caso contrário, se estará fazendo do texto legal letra morta.

2.4 Os mecanismos de proteção que o Estado oferece em casos de alienação parental nos divórcios litigiosos e sua eficácia

É de fundamental importância a atuação do Ministério Público, pois é este órgão que está encarregado de atuar nas ações de família em que houver interesse de incapaz, é o que prevê o art. 698, do Código de Processo Civil: “Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo”. (BRASIL, 2015).

Tartuce (2018) descreve uma das atribuições do Ministério Público:

[...] conforme o §3º do art. 1.584. do CC, modificado pela Lei 11.698/2008, para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pode basear-se em orientação técnino-profissional ou de equipe interdisciplinar. A norma menciona a utilização da mediação familiar para o incremento da guarda compartilhada, mecanismo que foi incentivado pelo novo Código de Processo Civil, em vários de seus preceitos. (2018, p. 1475)

Assim, deduz-se que o Ministério Público atua como fiscal da lei, e pode intervir sempre que houver interesse de incapaz envolvido, nos casos de família. Ainda, tem poderes para requerer todos os tipos de perícias com as equipes interdisciplinares, além de quaisquer diligências que venham a auxiliar o magistrado em casos de conflitos entre casais em que haja suspeita de alienação parental.

Para Dias (2013), ao definir a guarda, pode o juiz impor não só à criança, mas também aos genitores e aos integrantes da entidade familiar, tratamento psicológico ou psiquiátrico (ECA 129, III e VI). Também poderá ser usada a mediação, em que a solução, em vez de ser ditada pelo juiz, é encontrada pelos pais, que assumem suas próprias responsabilidades e libertam a criança aprisionada dentro desse confronto.

Conforme o artigo 1584, § 3º, do Código Civil, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhado. (BRASIL, 2002).

Duarte (2009) evidencia que o Judiciário deve ser a sede das medidas corretivas e mesmo preventivas, envolvendo equipes interdisciplinares, tendo como líder o magistrado que, com seus atos, pode barrar o gozo e a ira dos sujeitos envolvidos em disputas pela guarda dos filhos. Para ela, deve-se dar ênfase à importância do trabalho de uma equipe técnica, visando conscientizar os prejuízos de certas atitudes e frear a situação de alienação parental.

Diante do exposto, sendo difícil a constatação da existência ou não de episódios de alienação parental, é necessária a atualização e capacitação constante da justiça, bem como a colaboração e a resposta imediata das equipes interdisciplinares, pois o Estado não pode se furtar ao compromisso de fazer uso de todos os mecanismos que estiverem à disposição para auxiliar a erradicar ou atenuar os casos existentes.

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