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A inversão do ônus da prova nas relações de consumo:

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Agenda 15/03/2007 às 00:00

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A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Por não se tratar de um mero despacho, a decretação da inversão do onus probandi, que constitui decisão judicial, deve ser fundamentada, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Carta Política de 1988.

Fundamentar, segundo leciona o mestre Nelson Nery Junior, "significa o magistrado das as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira". [60]

Vale dizer, o magistrado, ao proferir uma decisão, num processo, tem que externar a sua base fundamental. Ainda que de forma sucinta, deve indicar o critério de julgamento posto como base da decisão.

A motivação das decisões judiciais é encarada, tradicionalmente, como garantia das partes, e, mais modernamente, como garantia política, a permitir, a quisquis de populo, a possibilidade de aferir a imparcialidade do juiz e a legalidade de suas decisões.

Trata-se de uma garantia de segundo grau, garantia de garantias, por servir de instrumento pelo qual se assegura o controle sobre a efetividade das demais garantias processuais.

Interessante observar que, a Constituição Federal, normalmente, não contém normas sancionadoras.

Mas, a falta de motivação é vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte cominou, no próprio texto legal, a pena de nulidade.

Nulidade essa que, por sua própria natureza, é absoluta [61], por que a falta ou a insuficiência de fundamentação mutila a integridade do ato judicial, sendo ostensiva a preocupação do legislador constituinte, de evitar o arbítrio, ao exigir a motivação dos atos decisórios.

Ocorre, no entanto, que vem se observando, na praxe forense, que muitos juízes, infelizmente, vem invertendo o ônus da prova, em incontáveis feitos, sem qualquer preocupação de externarem com que elementos de fato, com que provas, formou-se a convicção de restarem presentes os requisitos autorizadores.

"Obviamente, não se deve imaginar que o juiz poderá cingir-se a repetir, ritualisticamente, as palavras da lei, para justificar o ato de inversão". [62]

Assim, data maxima venia, dizer que, se inverte o ônus da prova, por estarem presentes os elementos autorizadores, consubstancia um autêntico arbítrio judicial, um escárnio à garantia deitada no inciso IX, do artigo 93, da Carta Republicana de 1988.

Pelo que, para que o decreto de inversão do ônus da prova seja legítimo, o magistrado deverá revelar, ainda que de forma sucinta, quais os elementos que formaram sua convicção de estarem presentes os requisitos legais autorizadores.


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CONCLUSÃO

Ao versar sobre a inversão do ônus a prova, em sede de relações de consumo, com fundamento no inciso VIII, do artigo 6º, da Lei nº. 8.078/1990, o artigo que ora se conclui demarca importantes observações.

A primeira, que a medida apenas pode ser efetivada, no processo civil, em favor do consumidor, pólo mais frágil da relação de consumo, dela não se cogitando para favorecimento do fornecedor.

A própria ratio legis explica a questão, visto que, com a possibilidade de inversão, partindo-se da presunção de vulnerabilidade do consumidor, o que se busca é dar efetividade, no processo, ao princípio da paridade de armas, que se enlaça com o dogma constitucional da igualdade de partes.

A segunda delas, que a inversão do ônus da prova por ser providência excepcional, não pode ser automaticamente aplicável em qualquer relação de consumo.

Não se trata de uma hipótese de inversão ope legis do ônus da prova, mas, sim, sujeita ao crivo judicial, de uma inversão ope iudicies, condicionada ao preenchimento dos requisitos legais, sob pena de configurar ato abusivo, com ofensa ao devido processo legal.

A terceira, que nem todas as provas podem ter o seu encargo invertido, sendo um corolário lógico que somente as que estejam no âmbito técnico do fornecedor lhe poderão ser atribuídas.

Quando do enfrentamento do melhor significado que se possa atribuir aos requisitos legais autorizadores da inversão do fardo probatório, se concluiu, primeiramente, que a verossimilhança é a convicção que se extraí de material probatório de feitio indiciário, de ser aceitável a versão do consumidor, diante da modalidade de relação de consumo posta em juízo.

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Não sendo necessário, para a sua caracterização, que a prova aponte para uma probabilidade muito grande de que sejam verdadeiras as alegações do litigante, sem que seja suficiente, no entanto, a boa redação da petição inicial, por não se confundir com o uso da técnica de argumentação que muitos profissionais desfrutam.

Quando do estudo do requisito da hipossuficiência, observou-se que a mesma não é jurídica, não se presumindo, exigindo, para a sua caracterização, um plus, que apenas restará presente quando configurada a impotência técnica do consumidor, num contexto atrelado ao monopólio de informação, sem que guarde qualquer vínculo com a sua situação econômica, em relação a qual, se for o caso, poderá merecer o amparo das normas deitadas na Lei 1.060/1950.

Ressaltou-se, ainda, que a inversão do ônus probante, com fundamento na impotência técnica do consumidor, apenas poderá ocorrer quando existir real possibilidade probatória de parte do fornecedor, sob o risco de lhe impor a certeza da sucumbência, o que colide com a ampla defesa.

Ao se deparar com o caloroso debate que se trava sobre a necessidade de que sejam preenchidos um ou ambos os requisitos autorizadores, deixamos averbado que a interpretação literal do texto legal, em si, não é suficiente para preservar a adequação sistêmica do instituto da inversão do ônus da prova ao ordenamento jurídico em que se insere.

Nesse sentido, defendeu-se que, quando as alegações do consumidor forem verossímeis, não será necessária a presença cumulativa do segundo requisito legal.

Mas, mesmo quando configurada a impotência técnica do consumidor, frente ao fornecedor, deverá ser aferida a idoneidade das alegações daquele, visto que, se suas alegações forem, prima facie, temerárias, eventual inversão se revelará abusiva.

Nessa hipótese, seriam exigíveis ambos os requisitos, e não apenas um só deles.

Concluímos, então, afirmando que apenas o caso concreto irá revelar, ao julgador, a necessidade de preenchimento cumulativo ou alternativo dos requisitos legais autorizadores.

Versando sobre os momentos procedimentais em que seja cabível a transferência do fardo probatório, refutou-se a sua possibilidade em sentença, por surpreender o fornecedor, mitigando o contraditório e a ampla defesa.

Admitiu-se a legitimidade do decreto judicial de inversão ab initio, no primeiro contato do magistrado com os autos, desde que a petição inicial esteja instruída com elementos que permitam a aferição da presença dos requisitos autorizadores.

Concluiu-se reconhecendo que o melhor momento para essa inversão seja, no entanto, o do despacho saneador, quando serão fixados, pelo juiz, os pontos controvertidos, a serem provados.

Finalizou-se salientando que a inversão do onus probandi, constituindo uma decisão judicial, deve ser fundamentada, sob pena de nulidade absoluta, defendendo o argumento de que o magistrado não poderá cingir-se a repetir, ritualisticamente, as palavras da lei, para justificá-la.

Reconheceu-se, ainda, que a prática forense tem demonstrado que a regra da inversão do ônus da prova muitas vezes não tem sido aplicada com a isenção necessária.

Encerrando esse despretensioso artigo, forçoso afirmar ser plenamente possível a harmonização do instituto da inversão do ônus probante com o respeito de garantias processuais de envergadura constitucional, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, desde que sejam observadas as diretrizes delineadas.


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Sobre o autor
Alexandre Costa de Araújo

advogado no Rio de Janeiro (RJ), especialista em Direito do Consumidor pela Universidade Cândido Mendes.especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cãndido mendes e Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Alexandre Costa. A inversão do ônus da prova nas relações de consumo:: aonde vamos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1352, 15 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9601. Acesso em: 22 nov. 2024.

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