RESUMO: O presente artigo analisa os efeitos jurídicos da paternidade/maternidade socioafetiva e a equivalência das obrigações de direitos e obrigações entre os vínculos biológicos e socioafetivos de paternidade/maternidade a partir dos princípios do direito de família.
PALAVRAS-CHAVE: MULTIPARENTALIDADE, EFEITOS JURÍDICOS, PODER FAMILIAR
1 INTRODUÇÃO
A multiparentalidade é uma realidade. Família recompostas e multifacetadas são muito comuns atualmente. As mudanças nas configurações familiares demandam a observância da isonomia entre os filhos e entre os que exercem o poder familiar.
A paternidade socioafetiva está sujeita às obrigações inerentes ao poder familiar e aos mesmos direitos presentes no caso de vínculo biológico.
A garantia de igualdade, de respeito a essas relações multiparentais depende de que os operadores do direito não imponham obstáculos à realização do melhor interesse da família multiparental.
2 O PODER FAMILIAR
O poder familiar, antes denominado com uma concepção patriarcal, que era o pátrio poder, perdeu os contornos despóticos com a adoção do princípio da igualdade entre os pais e é, na realidade, um verdadeiro múnus público.
Conforme conceituação de Caio Mário (2014, p. 240), o poder familiar é um Complexo de direitos e deveres quanto à pessoa e bens do filho, exercidos pelos pais na mais estreita colaboração, e em igualdade de condições segundo o art. 226, § 5º, da Constituição.
O poder parental é inalienável, irrenunciável, indelegável e imprescritível, sendo nula qualquer transação que vise abdicar os pais desse poder/dever.
Discorrendo acerca do conteúdo do poder familiar, a promotora de justiça Patrícia Pimentel O. C. Ramos, (2016, p. 37), enfatiza que:
A moderna visão da autoridade parental exige que os pais se façam presentes na vida de seus filhos ainda que sejam separados e haja conflito familiar entre eles. Não basta simplesmente pagar um bom numerário de pensão alimentícia e fiscalizar, ao longe, a criação e educação dada ao filho por uma terceira pessoa. É preciso convívio, interação, troca de experiências, atenção e responsabilidade por ter trazido ao mundo um ser humano que não pediu para nascer. As questões patrimoniais adquirem uma relevância secundária, sobrelevando os aspectos existenciais vinculados à dignidade da pessoa humana, filhos o carinho e a afetuosidade cultivada no contato com os filhos (Poder familiar e guarda compartilhada: novos paradigmas do direito de família).
O poder familiar contém, implícita e explicitamente, deveres de cuidados especiais a serem exercidos em atendimento ao melhor interesse da criança e do adolescente e com base no postulado da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CF).
Na seção sobre o exercício do poder familiar, o Código Civil enuncia algumas das obrigações decorrentes do poder familiar:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
No título sobre o direito patrimonial em Direito de Família, o art. 1.689, disciplina os direitos e deveres dos pais sobre os bens dos filhos:
Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens dos filhos;
II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.
Ainda sobre os bens dos filhos, o art. 1.693 do diploma civilista dita que:
Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:
I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;
II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;
III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;
IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.
Com o registro da pluriparentalidade, o pai ou mãe socioafetiva passa a compartilhar dos direitos e obrigações que decorrem do poder familiar. A múltipla proteção do infante pode ser concretizada com o reconhecimento de mais uma paternidade.
3 A EQUIVALÊNCIA DOS EFEITOS JURÍDICOS DOS VÍNCULOS SOCIOAFETIVO E BIOLÓGICO
Recentemente, durante o julgamento do Recurso Especial 1487596/MG, o STJ fixou o entendimento de que: Na multiparentalidade deve ser reconhecida a equivalência de tratamento e de efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva. Assim, com fulcro no Princípio da Igualdade ou Isonomia entre os filhos (art. 227, § 6º, CF), o Tribunal da Cidadania reiterou a imperiosa necessidade de se observar os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Afetividade, do Direito à Afetividade nas relações familiares multirparentais e a plena aplicação desses consectários em caso de paternidade/maternidade socioafetiva.
Na pluriparentalidade, o filho gozará de direitos sucessórios e previdenciários duplamente, do pai biológico e do pai socioafetivo, em condição mais favorável que os seus irmãos socioafetivos e biológicos. Assim, na VIII Jornada de Direito Civil - CJF/STJ foram aprovados os enunciados 632 e 642 ratificando a igualdade de direitos sucessórios entre filhos biológicos e socioafetivos:
Enunciado 632 da VIII Jornada de Direito Civil - CJF/STJ: Nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos.
Enunciado 642 da VIII Jornada de Direito Civil - CJF/STJ Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores.
O filho passa a desfrutar de direitos e a ter obrigações para com todos os pais, podendo pleitear alimentos de ambos e ter o dever de contribuir com o sustento dos dois também.
Ainda assim, não haverá presunção de solidariedade entre o pai e o padrasto no que concerne a prestação de alimentos, pois a solidariedade só pode resultar da lei ou da vontade das partes (art. 265 do CC).
O princípio jurídico da afetividade faz brotar a solidariedade recíproca, o dever da paternidade responsável, a igualdade entre os cônjuges, a isonomia entre filhos adotados e biológicos, a realização da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança ou do adolescente.
A solidariedade familiar é embasadora da convivência saudável dos membros da família e dela decorrem direitos de convivência e a obrigação de mútua assistência. Paulo Lobo (2013) ensina que:
A filiação socioafetiva é um dos mais importantes avanços do direito brasileiro na direção da solidariedade familiar e da primazia da dignidade humana, pois emerge de intensa demonstração de generosidade e respeito com o outro. Compreende-se na filiação socioafetiva a adoção, a posse de estado de filiação e a inseminação artificial heteróloga. Nessas hipóteses, a paternidade ou a maternidade é conscientemente assumida, ainda que o filho não seja biológico. A origem biológica exclusiva era indispensável à família patriarcal e exclusivamente matrimonializada, para cumprir suas funções tradicionais e para separar os filhos legítimos dos filhos ilegítimos. A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas e solidárias, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. A chamada verdade biológica nem sempre é adequada, pois a certeza absoluta da origem genética não é suficiente para fundamentar a filiação, especialmente quando esta já tiver sido constituída na convivência duradoura com pais socioafetivos (posse de estado) ou quando derivar da adoção.
A Constituição consagrou o dever de exercício da paternidade de forma responsável (art. 226, § 7º), que é um dos atributos do poder familiar. Ao padrasto, figurando como pai socioafetivo, caberá desempenhar a paternidade de forma a fazer prevalecer os maiores e superiores interesses do seu filho.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos e deveres do poder família buscam a proteção da dignidade da pessoa humana. No caso de multiparentalidade, não é possível impor restrições e diferenças de direitos e obrigações entre pais socioafetivos e biológicos.
Sendo assim, o único caminho possível para as famílias recompostas é o pleno reconhecimento pelos operadores do direito de que há equivalência de direitos e obrigações entre os vínculos socioafetivo e biológico.
REFERÊNCIAS
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_________. Conselho da Justiça Federal. Coord. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e Professor Roberto Rosas. VIII Jornada de Direito Civil. Enunciado 642. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1181>. Acesso em: 21 de janeiro de 2022.
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