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A equivalência de efeitos jurídicos entre a paternidade/maternidade socioafetiva e a biológica

05/02/2022 às 09:00

Resumo:


  • A multiparentalidade é uma realidade cada vez mais comum, exigindo isonomia entre os filhos e entre os que exercem o poder familiar.

  • A paternidade socioafetiva está sujeita às mesmas obrigações e direitos presentes no caso de vínculo biológico, garantindo a igualdade e respeito nas relações familiares.

  • O STJ fixou o entendimento de que na multiparentalidade deve ser reconhecida a equivalência de tratamento e de efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva, assegurando direitos sucessórios e previdenciários duplos para o filho.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisamos os efeitos jurídicos da paternidade/maternidade socioafetiva e a equivalência das obrigações e direitos em relação ao vínculo biológico.

RESUMO: O presente artigo analisa os efeitos jurídicos da paternidade/maternidade socioafetiva e a equivalência das obrigações de direitos e obrigações entre os vínculos biológicos e socioafetivos de paternidade/maternidade a partir dos princípios do direito de família.

PALAVRAS-CHAVE: MULTIPARENTALIDADE, EFEITOS JURÍDICOS, PODER FAMILIAR


1 INTRODUÇÃO

A multiparentalidade é uma realidade. Família recompostas e multifacetadas são muito comuns atualmente. As mudanças nas configurações familiares demandam a observância da isonomia entre os filhos e entre os que exercem o poder familiar.

A paternidade socioafetiva está sujeita às obrigações inerentes ao poder familiar e aos mesmos direitos presentes no caso de vínculo biológico.

A garantia de igualdade, de respeito a essas relações multiparentais depende de que os operadores do direito não imponham obstáculos à realização do melhor interesse da família multiparental.

2 O PODER FAMILIAR

O poder familiar, antes denominado com uma concepção patriarcal, que era o pátrio poder, perdeu os contornos despóticos com a adoção do princípio da igualdade entre os pais e é, na realidade, um verdadeiro múnus público.

Conforme conceituação de Caio Mário (2014, p. 240), o poder familiar é um Complexo de direitos e deveres quanto à pessoa e bens do filho, exercidos pelos pais na mais estreita colaboração, e em igualdade de condições segundo o art. 226, § 5º, da Constituição.

O poder parental é inalienável, irrenunciável, indelegável e imprescritível, sendo nula qualquer transação que vise abdicar os pais desse poder/dever.

Discorrendo acerca do conteúdo do poder familiar, a promotora de justiça Patrícia Pimentel O. C. Ramos, (2016, p. 37), enfatiza que:

A moderna visão da autoridade parental exige que os pais se façam presentes na vida de seus filhos ainda que sejam separados e haja conflito familiar entre eles. Não basta simplesmente pagar um bom numerário de pensão alimentícia e fiscalizar, ao longe, a criação e educação dada ao filho por uma terceira pessoa. É preciso convívio, interação, troca de experiências, atenção e responsabilidade por ter trazido ao mundo um ser humano que não pediu para nascer. As questões patrimoniais adquirem uma relevância secundária, sobrelevando os aspectos existenciais vinculados à dignidade da pessoa humana, filhos o carinho e a afetuosidade cultivada no contato com os filhos (Poder familiar e guarda compartilhada: novos paradigmas do direito de família).

O poder familiar contém, implícita e explicitamente, deveres de cuidados especiais a serem exercidos em atendimento ao melhor interesse da criança e do adolescente e com base no postulado da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CF).

Na seção sobre o exercício do poder familiar, o Código Civil enuncia algumas das obrigações decorrentes do poder familiar:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

No título sobre o direito patrimonial em Direito de Família, o art. 1.689, disciplina os direitos e deveres dos pais sobre os bens dos filhos:

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:

I - são usufrutuários dos bens dos filhos;

II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.

Ainda sobre os bens dos filhos, o art. 1.693 do diploma civilista dita que:

Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:

I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;

II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;

III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;

IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.

Com o registro da pluriparentalidade, o pai ou mãe socioafetiva passa a compartilhar dos direitos e obrigações que decorrem do poder familiar. A múltipla proteção do infante pode ser concretizada com o reconhecimento de mais uma paternidade.

3 A EQUIVALÊNCIA DOS EFEITOS JURÍDICOS DOS VÍNCULOS SOCIOAFETIVO E BIOLÓGICO

Recentemente, durante o julgamento do Recurso Especial 1487596/MG, o STJ fixou o entendimento de que: Na multiparentalidade deve ser reconhecida a equivalência de tratamento e de efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva. Assim, com fulcro no Princípio da Igualdade ou Isonomia entre os filhos (art. 227, § 6º, CF), o Tribunal da Cidadania reiterou a imperiosa necessidade de se observar os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Afetividade, do Direito à Afetividade nas relações familiares multirparentais e a plena aplicação desses consectários em caso de paternidade/maternidade socioafetiva.

Na pluriparentalidade, o filho gozará de direitos sucessórios e previdenciários duplamente, do pai biológico e do pai socioafetivo, em condição mais favorável que os seus irmãos socioafetivos e biológicos. Assim, na VIII Jornada de Direito Civil - CJF/STJ foram aprovados os enunciados 632 e 642 ratificando a igualdade de direitos sucessórios entre filhos biológicos e socioafetivos:

Enunciado 632 da VIII Jornada de Direito Civil - CJF/STJ: Nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos.

Enunciado 642 da VIII Jornada de Direito Civil - CJF/STJ Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores.

O filho passa a desfrutar de direitos e a ter obrigações para com todos os pais, podendo pleitear alimentos de ambos e ter o dever de contribuir com o sustento dos dois também.

Ainda assim, não haverá presunção de solidariedade entre o pai e o padrasto no que concerne a prestação de alimentos, pois a solidariedade só pode resultar da lei ou da vontade das partes (art. 265 do CC).

O princípio jurídico da afetividade faz brotar a solidariedade recíproca, o dever da paternidade responsável, a igualdade entre os cônjuges, a isonomia entre filhos adotados e biológicos, a realização da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança ou do adolescente.

A solidariedade familiar é embasadora da convivência saudável dos membros da família e dela decorrem direitos de convivência e a obrigação de mútua assistência. Paulo Lobo (2013) ensina que:

A filiação socioafetiva é um dos mais importantes avanços do direito brasileiro na direção da solidariedade familiar e da primazia da dignidade humana, pois emerge de intensa demonstração de generosidade e respeito com o outro. Compreende-se na filiação socioafetiva a adoção, a posse de estado de filiação e a inseminação artificial heteróloga. Nessas hipóteses, a paternidade ou a maternidade é conscientemente assumida, ainda que o filho não seja biológico. A origem biológica exclusiva era indispensável à família patriarcal e exclusivamente matrimonializada, para cumprir suas funções tradicionais e para separar os filhos legítimos dos filhos ilegítimos. A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas e solidárias, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. A chamada verdade biológica nem sempre é adequada, pois a certeza absoluta da origem genética não é suficiente para fundamentar a filiação, especialmente quando esta já tiver sido constituída na convivência duradoura com pais socioafetivos (posse de estado) ou quando derivar da adoção.

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A Constituição consagrou o dever de exercício da paternidade de forma responsável (art. 226, § 7º), que é um dos atributos do poder familiar. Ao padrasto, figurando como pai socioafetivo, caberá desempenhar a paternidade de forma a fazer prevalecer os maiores e superiores interesses do seu filho.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos e deveres do poder família buscam a proteção da dignidade da pessoa humana. No caso de multiparentalidade, não é possível impor restrições e diferenças de direitos e obrigações entre pais socioafetivos e biológicos.

Sendo assim, o único caminho possível para as famílias recompostas é o pleno reconhecimento pelos operadores do direito de que há equivalência de direitos e obrigações entre os vínculos socioafetivo e biológico.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 de janeiro de 2022.

_______. Código Civil: Lei n.° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 de janeiro de 2022.

_______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1487596/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021, DJe 01/10/2021. Disponível em: <https:// https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=RESP+1487596&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 21 de janeiro de 2022.

_________. Conselho da Justiça Federal. Coord. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e Professor Roberto Rosas. VIII Jornada de Direito Civil. Enunciado 632. Disponível em: < https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1162>. Acesso em: 21 de janeiro de 2022.

_________. Conselho da Justiça Federal. Coord. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e Professor Roberto Rosas. VIII Jornada de Direito Civil. Enunciado 642. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1181>. Acesso em: 21 de janeiro de 2022.

LÔBO, Paulo. Princípio da solidariedade familiar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3759, 16 out. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25364>. 21 de janeiro de 2021.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 22. ed. v. V. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

RAMOS, Patricia Pimentel de Oliveira Chambers. Poder familiar e guarda compartilhada: novos paradigmas do direito de família. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2016.

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Sobre a autora
Luiza Nogueira Souza

Advogada, mestranda em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande (PPGDJS/FURG), pós-graduada em Direito Civil pela PUC/MG e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Luiza Nogueira. A equivalência de efeitos jurídicos entre a paternidade/maternidade socioafetiva e a biológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6793, 5 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96057. Acesso em: 22 dez. 2024.

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