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A responsabilidade civil em matéria de meio ambiente do trabalho e o dano extrapatrimonial trabalhista

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Agenda 05/02/2022 às 23:44

4. A TARIFAÇÃO DO DANO MORAL TRABALHISTA.

Conforme enunciado, o parágrafo 1º do art. 223-G da CLT traz a tarifação do dano moral trabalhista, vinculando a indenização ao salário contratual do trabalhador, seja ele ofendido ou ofensor.

Há quem veja com bons olhos a fixação de parâmetros para regular a indenização por dano moral trabalhista, desde que eles sejam orientativos. Nesse sentido é o entendimento de Enoque Ribeiro dos Santos, o qual preleciona que o estabelecimento de critérios objetivos, como ora proposto pela Lei da Reforma Trabalhista promoverá uma parametrização do valor da reparação, gerando uma maior previsibilidade e segurança jurídica (SANTOS, 2019, p. 59).

Não obstante, este autor reconhece que a dignidade não tem preço, nada tendo a ver com as funções ou atribuições que o trabalhador exercer. Vejamos suas palavras:

O problema que se afigura e que terá que ser aferido pelo magistrado no caso concreto é que a dignidade humana não é mensurável, não tem preço, possui um valor inestimável em face da natureza insubstituível e única da personalidade humana, que nada tem a ver com as funções ou atribuições que cada um exerce no dia a dia, seja na vida profissional ou privada; daí a imponderabilidade de se usar idênticos parâmetros para todos os indivíduos. Em outras palavras, colocar todos na mesma balança.

Exemplo: um diretor de uma grande empresa, com remuneração elevada, certamente terá uma indenização muito superior à de um operário que labora no chão de fábrica, com remuneração muito inferior. Será que a dignidade do diretor é superior axiologicamente à dignidade do operário? Em termos de indenização pela ocorrência do dano extrapatrimonial, o valor pecuniário da indenização do diretor se apresentará muito superior ao do operário, ensejando uma situação de não equidade, como se a dignidade do operário fosse considerada de segunda linha. Mas este é apenas um dos inúmeros percalços que deverão ser solucionados pela doutrina e pela jurisprudência futura (SANTOS, 2019, p 59-60).

Neste ponto, ouso discordar do Autor. Entendo que a fixação de parâmetros, mesmo que orientativos, com base na remuneração ou salário do trabalhador, atrelando, com efeito, o valor da indenização por dano moral ao valor do salário percebido pela vítima é inconstitucional.

Primeiramente, a estipulação de teto indenizatório, desconectado do caso concreto, vulnera a finalidade do direito fundamental violado, uma vez que abre a possibilidade de preenchimento parcial de reparação e não integral -, sendo, portanto, incompatível com o art. 5º, incisos V e X da CRFB.

O critério a ser utilizado, conforme o art. 944 do CC, é a extensão do dano. Somente assim seria possível atingir as verdadeiras funções da reparação por dano moral. Nesse sentido, é o entendimento de Gustavo Filipe Barbosa Garcia, senão vejamos:

Quanto à apuração do valor da indenização por danos morais e materiais, deve-se procurar assegurar ao ofendido o retorno da situação anterior à lesão (restitutio in integrum), preferencialmente de forma específica ou mesmo in natura. Quando isso não for possível, a indenização pecuniária (art. 947 do CC/2002) deve ser suficiente para reparar o dano integralmente. (GARCIA, 2011, p. 85-86).

Sob um outro viés, a previsão legislativa, ao possibilitar, na prática, não trazer a justa, devida e proporcional resposta à conduta violadora, tem como resultado a proteção insuficiente dos bens, direitos, interesses ou valores constitucionais lesados no caso concreto.

O dispositivo não ultrapassa, ademais, a análise do controle de convencionalidade, uma vez que se choca com o art. 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e com o art. 11 do Pacto de São José da Costa Rica, os quais, como direitos humanos protetores da honra e da intimidade, devem ser interpretados no sentido de sua máxima eficácia, o que não ocorre se for utilizado o parâmetro proposto pelo parágrafo 1º do art. 223-G da CLT. Vejamos os textos desses importantes artigos:

ARTIGO 17

1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.

2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas (BRASIL, 1992)

ARTIGO 11

Proteção da Honra e da Dignidade

1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas (BRASIL, 2019).

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Importante perceber que o legislador infraconstitucional, ao ligar o teto da indenização à última remuneração percebida pelo trabalhador, atrela o valor da dignidade da pessoa humana ao salário do empregado. Ou seja, quanto maior o salário recebido, mais valor tem a dignidade do obreiro. Assim, por exemplo, a dignidade de um executivo de uma empresa aérea importaria economicamente mais ao direito do que a dignidade de um comissário de bordo, na hipótese de indenização aos familiares pelas mortes em um desastre aéreo.

Há, assim, a violação ao princípio da isonomia, uma vez que o dispositivo cria possibilidades de atribuição de resultados distintos a pessoas em situações semelhantes. Aproveitando o exemplo do desastre aéreo, poderíamos ter a fixação de indenizações por dano moral discrepantes, considerando a morte de empregados com salários distintos (executivo e comissário de bordo).

Além disso, é possível que haja tratamento injustamente diferenciado na fixação do quantum indenizatório entre um consumidor (que não possui teto) e um comissário de bordo.

Importante trazer à baila, ainda, o histórico da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), a qual, editada à época da ditadura militar, tarifava o dano extrapatrimonial de acordo com os salários-mínimos da região (art. 51). O Supremo Tribunal Federal, nos autos ADPF 130, declarou que este dispositivo não tinha sido recepcionado pela Constituição da República, por ser contrário aos incisos V e X do art. 5º da CRFB, os quais incorporaram o sistema da reparação integral dos danos.

Não se pode deixar de mencionar que o critério fixado pelo legislador impede que o magistrado entregue uma prestação jurisdicional justa, assim como impede a exposição fundamentada e livre do seu convencimento a partir da apreciação das provas presentes nos autos, violando, portanto, o inciso LIV do art. 5º da CRFB e o inciso IX do art. 93, também da CRFB.

Por fim, imperioso mencionar que estes artigos estão sendo analisados em sede de controle de constitucionalidade (ADIs 6050, 6069 e 6082), tendo havido voto do Ministro Gilmar Mendes no seguinte sentido:

() conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que:

1) As redações conferidas aos art. 223-A e 223-B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil;

2) Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e § 1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade.

Até a conclusão deste artigo não havia ainda decisão do Plenário da Corte Constitucional.


5. CONCLUSÃO.

Conforme previsão constitucional, o meio ambiente do trabalho é espécie do gênero meio ambiente (art. 220, VIII, CRFB). Assim, e considerando, ainda, o princípio da norma mais favorável estampado no caput do art. 7º da Constituição da República, forçoso concluir que ao meio ambiente laboral se aplicam todas as regras, princípios e institutos da ciência ambiental, quando mais favoráveis ao trabalhador, é claro.

Nesse espeque, a análise em conjunto do princípio do poluidor-pagador, dos artigos 200 e 225, parágrafo 3º da CRFB, do art. 942 do Código Civil, dos artigos 4º, VII e 14, §1º da Lei 6.938/1981, bem como do art. 17, Convenção 155 da OIT, levam ao reconhecimento da responsabilidade civil objetiva e solidária do empregador e eventuais tomadores de serviço em caso de dano ao trabalhador decorrente de acidente do trabalho ou doença equiparada.

Portanto, constatado o acidente do trabalho ou o adoecimento físico ou mental do trabalhador, há o dever de indenizar material e moral -, salvo no caso de excludentes de responsabilidade. Sendo que o dano moral, como violação a direitos da personalidade, ocorre in re ipsa, ou seja, não necessita de prova, ocorrendo pela força dos próprios fatos. Essa responsabilidade, com efeito, será objetiva e solidária em relação a eventuais tomadores de serviço.

Em relação ao Título II-A da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, necessária a declaração de inconstitucionalidade do artigo 223-A e do parágrafo 1º do art. 223-G, for afrontarem direta e literalmente diversos dispositivos Constitucionais, como exposto neste artigo. Salienta-se que o artigo 223-B deve ser interpretado no sentido de não excluir a reparação por danos sofridos por terceiros, titulares que são do direito à reparação. Já os artigos 223-E e 223-F trazem rol exemplificativo, respectivamente, de direitos de personalidade e do que seria a honra objetiva da Pessoa Jurídica, assim como o caput do art. 223-G também traz rol não exaustivo de critérios a serem aferidos na apreciação do pedido de indenização por dano moral.

Por fim, o art. 223-F atribui a responsabilidade pelo dano extrapatrimonial a todos que tenham colaborado para a ofensa do bem jurídico tutelado. Neste particular, reitera-se que em matéria de meio ambiente laboral essa responsabilidade deve ser objetiva e solidária de todos aqueles que de alguma forma direta ou indireta se beneficiaram do labor alheio, porquanto quem aufere o bônus, deve arcar com o ônus.


REFERÊNCIAS

BRASIL. CLT (1943). Consolidação das Leis Trabalhistas. Brasília, DF: Senado Federal, 1943.

BRASIL. Código Civil (2002). Código Civil. Brasília, DF. Senado Federal, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto 592 (1992). Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Brasília, DF. Senado Federal, 1992.

BRASIL. Decreto 678 (1992). Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, DF. Senado Federal, 2019.

BRASIL. Decreto 10.088 (2019). Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela República Federativa do Brasil. Convenção 155 da OIT. Brasília, DF. Senado Federal, 2019.

BRASIL. Lei 5.250 (1967). Regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Brasília, DF. Senado Federal, 1967.

BRASIL. Lei 6.938 (1981). Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasília, DF. Senado Federal, 1981.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: Ltr, 2018.

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed., São Paulo: Atlas. 2008.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do Trabalho, Doenças Ocupacionais e Nexo Técnico Epidemiológico. 4. ed. São Paulo: Editora Método, 2011.

MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. 5 ed., São Paulo: Ltr. 2013.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7. ed. São Paulo: Ltr. 2013.

SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano extrapatrimonial na Lei n. 13.467/2017, da reforma trabalhista. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 76, p. 53-61, mar. 2019. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/157530/2019_rev_trt09_v0008_n0076.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 14 de dezembro de 2021.

Sobre a autora
Juliana Büttenbender

Advogada, formada pela Universidade Federal de Pelotas, com pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BÜTTENBENDER, Juliana. A responsabilidade civil em matéria de meio ambiente do trabalho e o dano extrapatrimonial trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6793, 5 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96086. Acesso em: 22 dez. 2024.

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