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O sigilo das informações no governo Bolsonaro

Agenda 23/04/2022 às 21:35

Não pode o governo federal fazer uso político daquilo que é de direito do cidadão e da imprensa livre.

Não é a primeira vez que o Presidente da República decreta sigilo de 100 anos sobre informações pessoais. A bola da vez são os registros de visitas dos pastores ligados às denúncias em um suposto esquema de corrupção no Ministério da Educação - MEC.

O fundamento legal para os decretos presidenciais encontra-se no artigo 31, §1º, inciso I, da Lei 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação). O referido artigo permite a restrição ao acesso de informações pessoais relativas à intimidade, honra, vida privada e imagem por no máximo 100 anos a contar da data da produção dessas informações.

A lei estabelece também, nos artigos 23 e 24, outras possibilidades de restrição de informações, quando essas forem potencialmente lesivas à segurança da sociedade e do Estado. Neste caso o prazo máximo, a depender da classificação da informação, será de 25 anos.

A Lei de Acesso à Informação é um marco na transparência do Estado Brasileiro, advinda do cumprimento da vontade do legislador constitucional quando estabeleceu no artigo 5º, inciso XXXIII, que qualquer cidadão tem o direito de acesso a informações relativas à Administração Pública, ordenando ainda no artigo 37, §3º, inciso II, que para efeitos de cumprimento dessa vontade constitucional, houvesse regulamentação infraconstitucional do tema.

Nesse contexto, é imprescindível compreender, conforme ensina Hungaro[1], que o sigilo é exceção quando se tratar de Administração Pública, visando garantir o acesso a informações em todos os níveis da Federação. No caso em tela, ao observarmos todas as vezes em que o Governo Federal decretou sigilo de alguma informação, se tratava de apuração de fatos jornalísticos de interesse público.

Nesta última vez, no que diz respeito ao encontro do Presidente com pastores, a ação do governo aparenta ser no sentido de frear apurações de denúncia da imprensa relativo a ligações entre o Presidente e os pastores suspeitos. Dessa forma o governo age na forma de tolher a liberdade da imprensa apurar os fatos.

O Princípio da Liberdade de Informação estabelecido no inciso XXXIII, do artigo 5º, guarda relação intima com o inciso XIV do mesmo artigo da Constituição, como ensina Paulo Napoleão Nogueira da Silva:

O princípio de que cuida o presente dispositivo está relacionado com o inciso XIV: tanto o profissional de mídia assim como aquele a respeito de quem por ele for veiculada determinada matéria têm o direito de obter dos órgãos públicos a informação que possibilite a confirmação ou desconfirmação do que foi veiculado. (Bonavides; Miranda 2009, p. 166)

Em reportagem do site Congresso em Foco, o levantamento feito indica que a negativa de informações relacionadas a presidência aumentou 663,08% durante o governo Bolsonaro em comparação com o governo da Presidente Dilma Roussef. Segundo dados da Controladoria Geral da União - CGU, durante o governo da Presidente petista apenas 2,6% dos pedidos de informações foram negados, no governo do Presidente Michel Temer foram 18,57%, já no governo Bolsonaro foram 19,84%.

Diante desses dados, fica o seguinte questionamento: cabe sigilo a toda e qualquer informação que o Presidente simplesmente desejar esconder?

É evidente que não, em primeiro lugar, para que seja decretado o sigilo é necessário que o dado, documento ou informação ataque a intimidade, vida privada, honra e imagem. No caso especifico dos registros de visitas de pastores ao Palácio do Planalto a pergunta que se faz é, em qual momento essas informações ferem estes quesitos?

O interesse em manter sigilo, ao meu ver, aparenta guardar relação com a possibilidade de blindar o Presidente em relação a apuração de irregularidades no MEC. Poder-se-ia dizer aqui: isso pode atacar a imagem e a honra do presidente, e, portanto, é passível de sigilo, não creio, pois há outro fator que deve ser examinado quando da decretação de um sigilo, o interesse público.

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Ora, se existe uma série de denúncias envolvendo pessoas[2], e posteriormente descobre-se que essas pessoas mantêm agenda de reuniões com autoridades publicas[3], é de todo interesse da sociedade saber se de fato essas reuniões ocorreram, quantas foram, quando aconteceram. Há que se ressaltar que esses dados não imputam nada a ninguém, apenas estabelece uma relação entre pessoas, que tiveram uma reunião, que se encontraram em determinado momento. Mas isso, sem outros fatores, não quer dizer simplesmente nada, e, se assim for, não existe interesse qualquer no sigilo perante esses dados.

O que se vislumbra perante o ocorrido, em minha interpretação, é o uso de dispositivos legais em desconformidade com o princípio por eles guardados. Cabe aos órgãos de fiscalização observar os preceitos constitucionais e buscar a solução para tal entrave democrático. Essa solução se encontra dentro da própria lei que o governo usa como fundamentação para os sigilos.

O parágrafo 4º, do artigo 31, da Lei de Acesso à Informação[4] estabelece claramente a vedação do sigilo para prejudicar a apuração de irregularidades. Neste caso, os órgãos competentes devem usar os meios adequados para se apurar as irregularidades dos decretos de sigilo. Di Pietro nos ensina que não existe e não pode existir, no exercício das funções estatais, qualquer tipo de atuação que possa escapar à atuação dos órgãos de controle: Poder Judiciário, Poder Legislativo, Tribunal de Contas, Ministério Público.[5]

Enfim, diante da privação de acesso a informações à mídia e por consequência ao cidadão, é necessário que os mecanismos de controle se movam a fim de garantir o acesso democrático a informação. Não pode o governo federal fazer uso político daquilo que é de direito do cidadão e da imprensa livre. Ao atacar esses direitos ataca-se o Estado Democrático de Direito, e pode gerar um sucessivo uso inadequado de dispositivos legais, não só pelo presidente.

O espírito da garantia de acesso à informação na constituinte configurava-se em uma resposta aos atos de afastamento do brasileiro da gestão da coisa pública, tão característico no Estado anterior. Não podemos permitir que ventos antidemocráticos ganhem força novamente.


Referências

FORENSE, Equipe. Constituição Federal Comentada. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2018. 9788530982423. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530982423/. Acesso em: 14 abr. 2022.

OLIVEIRA, James E. Constituição Federal Anotada e Comentada. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2013. 978-85-309-4667-8. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-4667-8/. Acesso em: 14 abr. 2022.

AGRA, Walber de M.; BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge. Comentários à Constituição Federal de 1988. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2009. 978-85-309-3831-4. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-3831-4/. Acesso em: 14 abr. 2022.

Hungaro, Luis Alberto Instrumentos de transparência Pública. [recurso eletrônico] Curitiba. Ed. Contentus 2020 Biblioteca Virtual acesso em: 14/04/2022

GSI cita sigilo e nega acesso a dados de reuniões de Bolsonaro e pastores... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/04/13/gsi-cita-sigilo-e-nega-acesso-a-dados-de-reunioes-de-bolsonaro-e-pastores.htm?cmpid=copiaecola - Acesso em: 14/04/2022 - ARRUMAR

GSI cita sigilo e nega acesso a dados de reuniões de Bolsonaro e pastores... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/04/13/gsi-cita-sigilo-e-nega-acesso-a-dados-de-reunioes-de-bolsonaro-e-pastores.htm?cmpid=COPIA E COLA - ARRUMAR

Em 100 anos saberá', responde Bolsonaro sobre motivo de sigilo para 'assuntos polêmicos'

https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/04/13/em-100-anos-sabera-responde-bolsonaro-sobre-motivo-de-sigilo-para-assuntos-polemicos.ghtml - acesso em 14/04/2022 - ARRUMAR

ACESSO NEGADO A INFORMAÇÕES SOBRE A PRESIDÊNCIA POR SIGILO AUMENTOU 663,08%

https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/acesso-negado-a-informacoes-sobre-a-presidencia-por-sigilo-aumentou-66308/ - acesso em 14/04/2022 - ARRUMAR

Sigilo de 100 anos de Bolsonaro: relembre casos em que governo impôs medida

https://br.noticias.yahoo.com/sigilo-de-100-anos-de-bolsonaro-relembre-casos-em-que-governo-impos-medida-142726428.html - acesso em 14/04/2022 - ARRUMAR


  1. Hungaro, Luis Alberto Instrumentos de transparência Pública. [recurso eletrônico] Curitiba. Ed. Contentus 2020 Biblioteca Virtual acesso em: 14/04/2022
  2. E aqui digo pessoas, e não pastores, pois isso pode se dar em qualquer situação, pense por exemplo em um traficante
  3. Pense aqui em qualquer autoridade, prefeitos, governadores, deputados, delegados etc.
  4. § 4º A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância
  5. Oliveira apud Di Pietro 2013 p.184 - Sigilo não pode ser oposto a órgãos de fiscalização: Quando é o particular que solicita informação sobre documento público, a alegação de sigilo por motivo de segurança da sociedade e do Estado impede o exercício do direito. Isto, evidentemente, não impede que a decisão da autoridade administrativa seja apreciada pelo Poder Judiciário, do ponto de vista de sua legalidade. Quando, porém, são os órgãos de controle que solicitam a informação, a classificação do documento como sigiloso não pode servir de fundamento para a negativa de prestação da informação solicitada. Não existe e não pode existir, no exercício das funções estatais, qualquer tipo de atuação que possa escapar à atuação dos órgãos de controle: Poder Judiciário, Poder Legislativo, Tribunal de Contas, Ministério Público. Isto não significa dar publicidade ao documento classificado como sigiloso; mas garantir a sua apreciação pelos órgãos de controle, que têm, em relação a tais documentos, o dever de sigilo (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. In: Os 20 Anos da Constituição da República Federativa do Brasil. Atlas, 2009. p. 214).
Sobre o autor
Renan Mariano da Silva

Estudante de Direito Pela Universidade Cruzeiro do Sul Estagiário da Defensoria Pública do Estado de São Paulo - Execução Criminal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Renan Mariano. O sigilo das informações no governo Bolsonaro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6870, 23 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97329. Acesso em: 24 nov. 2024.

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